NO CENTENÁRIO DE FELLINI, AS TRAPA(ÇAS)LHADAS DE SERES GROTESCOS...
O
imortal cineasta Federico Fellini, que neste 20 de janeiro completaria 100 anos
de uma Vida fecunda e satírica, não só viu como viveu e recriou com genialidade
a decadente sociedade capitalista. Se estivesse entre nós, viveria intenso
estranhamento com seres grotescos como Berlusconi, Sarcozy, Trump, Johnson e...
Bolsonaro.
Pobre humanidade, tão longe da razão e tão perto dos criadores
de “fake news”...
Atrevo-me a tomar emprestadas, ao meu modo, as palavras do
caudilho mexicano anterior à Revolução Mexicana de Emiliano Zapata, Porfirio
Díaz, que sabiamente disse “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos
Estados Unidos...”
Dia 20 de janeiro de 2020, em meio ao início do encontro
anual das maiores economias do planeta conhecido como Fórum Econômico Mundial,
reúnem se, em Davos (Suíça), seres grotescos que poderiam ter saído da genial
produção cinematográfica do neorrealismo italiano que propiciou para gerações a
fio oportunidades de abrir seus horizontes. Irônica ou cinicamente, o tema
deste ano foi, imaginem, “meio ambiente e sustentabilidade”, 28 anos
depois da emblemática Carta da Terra, produzida em 1992, durante a Rio-92.
Também o Rio de Janeiro não é mais o mesmo. Além da
contaminação da água potável produzida pela Companhia Estadual de Água e Esgoto,
estatal do saneamento básico em fase de privatização -- logo no país das
maiores reservas de água doce do mundo --, aquela que já foi a Cidade
Maravilhosa hoje é um verdadeiro caos urbano, entre as ações de milicianos
protegidos por autoridades, inclusive da esfera federal (muitos dos quais
explicitamente fazendo apologia ao nazifascismo), e a guerra não declarada que
tornou refém a população, que se encontra sob fogo cruzado, em que diariamente
tem vítimas de balas perdidas.
Ainda por cima, Regina Duarte não é mais a mesma. Aquela que
já foi a Namoradinha do Brasil, a atriz global que interpretou em sua fase
áurea emblemáticas personagens como “Malu Mulher” e a “Viúva Porcina”, “aquela que era
sem nunca ter sido” (segundo o nosso Fellini brasileiro, o imortal Dias Gomes),
se presta ao papel de serviçal dos/as nazifascistas tupiniquins, enlameados/as
no laranjal impune, untados/as com o sangue valente de Marielle Franco cujos
facínoras continuam impunes, no desmonte criminoso do Estado de Direito
brasileiro, na entrega de lesa-pátria das riquezas nacionais e na disseminação
do ódio e da intolerância em nome de um suposto “cristianismo” sionista.
Se isso fosse pouco, na véspera, tanto em Pedro Juan
Caballero (Paraguai) como em Rio Branco (Acre), uma das organizações criminosas
mais estruturadas da América Latina -- que durante anos contou com a parcimônia
(ou cumplicidade institucional explícita?) dos tucanos de São Paulo, desde
1983, direta ou indiretamente, tomando conta do Executivo paulista --, realiza fuga
espetacular de presos sem que as autoridades penitenciárias e policiais
tivessem esboçado qualquer atitude preventiva, afinal são pagos para isso.
Como a América Latina também já não é mais a mesma, a Bolívia
recolonizada (“democratizada” pelo golpe “cívico”-policial-militar, segundo a
mídia mercenária) deverá ser o destino dos fugitivos dessa organização, para
ajudar a organizar os grupos paramilitares que farão a limpeza étnica no país,
a serviço dos amos e senhores dos/as fantoches que tomaram de assalto os
destinos da nação andina, conforme denuncia um veterano jornalista boliviano
que permanece na resistência, a despeito da censura truculenta sob o governo da
senadora-presidenta Jeanine Áñez, a mesma cujo sobrinho foi preso, em Tangará
da Serra (MT), ao tentar traficar para o Brasil 472 quilos de cocaína em um
avião.
Pois, nesse mesmo dia, Federico (sem “r”) Fellini, um dos
expoentes do neorrealismo, estaria completando 100 anos de uma profícua, genial
e satírica existência, em que generosamente presenteou a humanidade com
memoráveis produções cinematográficas, como “La dolce vita” (1960), “Satiricon”
(1969), “Roma” (1973) e “E la nave va” (1983). Como pouquíssimos, soube
desnudar a hipocrisia e o parasitismo de uma sociedade decadente com elegante
ironia e uma inteligente dose de humor.
E é importante recordar que Fellini, embora fosse ímpar, não
esteve sozinho. Foi integrante de duas ou três gerações de sobreviventes da
barbárie do nazifascismo e dos horrores das investidas dos aliados ocidentais
na disputa pelo espólio do “Duce” (que em nome da liberdade e de uma democracia
branca promoveram verdadeiro terrorismo contra a população civil, vítima dos
fascistas e dos autoproclamados “libertadores” ocidentais). A genial
cinematografia italiana de seu tempo contou com gênios como Luchino Visconti, Vittorio
De Sicca, Roberto Rossellini, Michelangelo Antonioni, Pier Paolo Pasolini, Bernardo
Bertolucci e Roberto Benigni.
Fellini, com elegante ironia e singular genialidade, serviu
de abre-alas para o despertar de consciências a diversas gerações, bem como os
colegas citados: é que assistir à projeção de um de seus filmes geniais
representava uma oportunidade única para enxergar de outra maneira aquilo que aparentava
ser “natural”, o cotidiano de uma sociedade em franca decadência, a despeito
das sucessivas tentativas de postergar o momento fatídico de sua exaustão. E,
ao contrário da máquina de propaganda em que nazistas e fascistas sempre se
valeram para “doutrinar” (na verdade, alienar) o público, o cinema italiano é
um descortinador de horizontes, inclusive sob a direção de outros ícones, como
Massimo Troisi, Paolo Torrentino, Ettore Scolla, Mario Monicheli, Sergio Leone
e Franco Zeffirelli, entre outros/as igualmente dignos/as de menção.
Neste contexto de “líderes” grotescos -- entre aspas, porque
até eles sabem que nem a si mesmos eles representam, quanto mais lideram, reles
fantoches de interesses inconfessáveis que são --, Fellini e seus geniais
colegas da sétima arte teriam sido vítimas de “overdose” por causa do excesso
de seres grotescos que (des)grass(ç)am na política mundial (inclusive em nossa
cada vez mais depauperada América Latina), como os mefistofélicos Silvio Berlusconi, Nicolás Sarcozy, Boris Johnson, Donald Trump e Jair Bolsonaro e assemelhados/as. E fazemos questão de uma
urgente ressalva: todos eles não passam de marionetes de um capitalismo
decadente (e por isso desesperado), que recorre aos expedientes mais nefastos
para fazer valer seus mesquinhos e inconfessáveis interesses, sobretudo apossar-se
das reservas de água doce, petróleo, lítio e outras matérias-primas.
Embora neste momento não recorde o diálogo completo, em uma
lista de grandes diretores feita por Visconti (e ele se excluía), um dos
citados (creio que Fellini) acrescentava, com a irreverência peculiar, “... e
Viscontini” (porque da lista constavam só nomes finalizados em “ni”, como
Felini, Antonioni, Rossellini e Pasolini. Essa era a capacidade de resistência
e de criação das gerações que sobreviveram e derrotaram o fascismo que hoje teima
em voltar a oprimir a humanidade. Novamente ficarão na tentativa, pois não
passarão, até como tributo à memória de seres humanos da dimensão de Fellini.
Ahmad Schabib Hany
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