quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

E POR FALAR EM "CRIME DE SEDIÇÃO"...



E POR FALAR EM “CRIMEN DE SEDICIÓN”...

Os/as golpistas da Bolívia, movidos/as pela certeza da impunidade e pela falta de imaginação, repetem o discurso medieval dos/as reacionários/as da velha Europa contra os/as próceres do Estado da Catalunha (e de seus amos e senhores do império em decadência): o brilhante advogado de uma ex-integrante do governo independentista catalão revelou, na defesa de sua cliente, a origem do tal “crimen de sedición”, que remonta ao final dos tempos medievais quando reis e rainhas perseguiam pessoas comuns que “ousavam” reivindicar direitos.

O medievalismo inerente à mentalidade e ao comportamento destes/as fundamentalistas bizarros/as é tão sem criatividade que, com o perdão da expressão, o arroto de um/a se transforma em regurgito do/a outro/a. Longe de ser uma exceção a ocorrer no Brasil, trata-se de um comportamento coletivo, desgraçadamente, generalizado.

Revelador é o caso da autoproclamada “presidenta” da Bolívia, que mal “assumiu” a Presidência do Estado Plurinacional, começou o período de “caça às bruxas”. Logo eles/as, que se diziam “vítimas” de uma ditadura “comunista”. (Irei, brevemente, consultar os camaradas Professor Fausto, Doutor Carmelino e Mestre Atayde para saber se eles concordam com essa caracterização.)

Assim que tomaram de assalto os destinos do país andino -- porque não observaram os ritos constitucionais, e, em arrepio à lei, cometeram os mais graves atropelos à conduta republicana --, os/as pretensos/as democretinos/as, acintosamente, praticam, sem qualquer legitimidade, todas as irregularidades que atribuíam, mas nunca conseguiram provar, ao comportamento dos/as adversários/as cinicamente caluniados/as...

Mais que por extraordinária habilidade dos/as membros dos sucessivos mandatos constitucionais do Presidente Evo Morales Ayma, está ficando comprovado que a incompetência da ex-oposição (e hoje, pela via do golpe, governo de exceção, não de direito) é que os/as impediu de ganhar sucessivas eleições. Mais até: incapazes de fazer alianças e construir programas de governo que incluíssem as pessoas do povo, nem usando o atalho do golpismo conseguem governar enxergando a realidade.

Decorridos exatos dois meses de (des)governo (que já parecem uma eternidade), os/as golpistas bolivianos/as de plantão, tal qual seus paradigmas e cúmplices tupiniquins, até o momento só se dedicaram a destruir toda a rede de proteção social que foi capaz de promover justiça social e resgatar a dívida secular de exclusão e opressão dos povos originários, que constituem as classes exploradas daquele país.


Nesse meio tempo -- e sem qualquer comedimento, prudência, sensatez ou dissimulo --, passam mais tempo disseminando fake news, amedrontando aguerridos/as dirigentes populares (que insistem em fazer a defesa da revolução cultural e do processo de mudanças) e construindo verdadeiras ficções, de fazer inveja ao gênio ficcionista H. G. Wells, para perseguir ex-membros do governo deposto.

A de primeira hora, e tantas vezes reiteradas quanto podem (até por falta de provas consistentes nessa e em outras denúncias), é a de “crimen de sedición y terrorismo”. O “terrorismo” tem procedência certa, a Casa Branca, cujo porta-voz é o fantoche cor laranja (vai ver que por isso é idolatrado pelos maiores produtores de laranjas da história do Brasil). Agora, “crimen de sedición”, logo que ouvi, me reportou ao século XVI, quando reis e rainhas perseguiam cidadãos comuns que “ousavam” reivindicar direitos.

Pois é. Não existe nada mais medieval que uma acusação como essas. E o resgate dessa acusação nasceu no reino da Espanha, cujo governo central acusa de prática desse crime os governantes depostos da Catalunha por terem proclamado sua independência em 2017, após realizar um plebiscito em que a conquista de sua plena soberania foi francamente vencedora na consulta popular.

Depois de procurar pacientemente, na mídia espanhola, essa cantilena -- isto é, narrativa de arbítrio anacrônico e despudorado, própria das elites que se enriqueceram às custas do saque, da escravidão, dos massacres e dos crimes de lesa-humanidade --, encontrei a resposta no pedido de habeas corpus do advogado Aamer Anwar, que faz a defesa da ex-conselheira de Educação Clara Ponsati, do governo deposto da Catalunha.

Anwar diz textualmente que as acusações contra os membros do governo catalão deposto se constituem em verdadeiros abusos, seja no tocante ao processo de extradição, ou quanto à ordem europeia de prisão. E, a propósito, esclarece o advogado: “O ‘crime de sedição’ é um delito do século XVI que foi criado por reis e rainhas para deter a reação da gente comum que queria seus direitos.”

Quanto à tipificação de terrorismo, nada de novo: é a narrativa dos amos e senhores destes serviçais do império maldito que teima em resistir à sua irreversível queda. Os primeiros a usar esse discurso, no tempo da guerra fria, não foi ninguém menos que o vice conspirador de John Kennedy, o abominável Lyndon Johnson, o mais desleal dos bizarros homens da chamada “comunidade da informação” -- isto é, da espionagem -- dos Estados Unidos, e que não teve o mínimo pudor de eliminar, a uma só vez, o senador (e irmão do presidente assassinado) Robert Kennedy assim que iniciava sua candidatura vitoriosa, e o iluminado Pastor Martin Luther King, esse sim um cristão de verdade, e que jamais compartilharia das ideias obscurantistas dos impostores que se autoproclamam sacerdotes de si mesmos.

Isto posto, o que esperar desses arremedos de espectros do atraso, do fétido período da história em que seres humanos eram queimados vivos pelo absurdo crime de lutar pela conquista ou defesa de direitos básicos, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade. E ainda por cima se dizem cristãos -- só se forem detentores de crista grande...

Inicialmente as perseguições foram contra o Presidente Evo Morales e seu leal e iluminado Vice-presidente Álvaro García Linera, um modesto mas renomado professor universitário que não aceitou cair no canto da sereia sinistra do maldito império, e em momento algum se vinculou a mais de uma centena de conspirações desde 2005, quando se elegeram pela primeira vez. Na medida em que a lealdade ao primeiro presidente indígena da história da Bolívia foi se constatando em diferentes esferas da administração boliviana, a perseguição se espalhou, sobretudo contra autênticas lideranças populares que protagonizaram as históricas conquistas dos últimos 14 anos.

Como as pesquisas que eles/as, golpistas, mandam fazer continuam a mostrar a maioria favorável ao Presidente Evo Morales e ao seu partido, aumenta o desespero e a insana caçada a lideranças políticas que participaram do governo boliviano recordista de estabilidade econômica, política e social, como nunca antes visto. E sempre com a mesma acusação, tamanha a sua criatividade: “terrorismo e crime de sedição”...

Agora, sobre o famigerado sobrinho da presidenta autoproclamada, preso em Tangará da Serra (MT) com mais de 450 quilos de cocaína, os membros golpistas e a imprensa chapa-branca se calam e tentam apagar, inclusive recorrendo a poderosos comparsas, quaisquer registros na rede mundial de computadores. Esqueceram-se, no entanto, de que os documentos do processo (que são públicos) já foram escaneados e não há como apagá-los...

Ahmad Schabib Hany

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