E POR FALAR EM “CRIMEN DE SEDICIÓN”...
Os/as
golpistas da Bolívia, movidos/as pela certeza da impunidade e pela falta de
imaginação, repetem o discurso medieval dos/as reacionários/as da velha Europa
contra os/as próceres do Estado da Catalunha (e de seus amos e senhores do
império em decadência): o brilhante advogado de uma ex-integrante do governo
independentista catalão revelou, na defesa de sua cliente, a origem do tal
“crimen de sedición”, que remonta ao final dos tempos medievais quando reis e
rainhas perseguiam pessoas comuns que “ousavam” reivindicar direitos.
O medievalismo inerente à mentalidade e ao comportamento
destes/as fundamentalistas bizarros/as é tão sem criatividade que, com o perdão
da expressão, o arroto de um/a se transforma em regurgito do/a outro/a. Longe
de ser uma exceção a ocorrer no Brasil, trata-se de um comportamento coletivo,
desgraçadamente, generalizado.
Revelador é o caso da autoproclamada “presidenta” da
Bolívia, que mal “assumiu” a Presidência do Estado Plurinacional, começou o
período de “caça às bruxas”. Logo eles/as, que se diziam “vítimas” de uma
ditadura “comunista”. (Irei, brevemente, consultar os camaradas Professor
Fausto, Doutor Carmelino e Mestre Atayde para saber se eles concordam com essa
caracterização.)
Assim que tomaram de assalto os destinos do país andino --
porque não observaram os ritos constitucionais, e, em arrepio à lei, cometeram
os mais graves atropelos à conduta republicana --, os/as pretensos/as
democretinos/as, acintosamente, praticam, sem qualquer legitimidade, todas as
irregularidades que atribuíam, mas nunca conseguiram provar, ao comportamento
dos/as adversários/as cinicamente caluniados/as...
Mais que por extraordinária habilidade dos/as membros dos
sucessivos mandatos constitucionais do Presidente Evo Morales Ayma, está
ficando comprovado que a incompetência da ex-oposição (e hoje, pela via do
golpe, governo de exceção, não de direito) é que os/as impediu de ganhar
sucessivas eleições. Mais até: incapazes de fazer alianças e construir
programas de governo que incluíssem as pessoas do povo, nem usando o atalho do
golpismo conseguem governar enxergando a realidade.
Decorridos exatos dois meses de (des)governo (que já parecem
uma eternidade), os/as golpistas bolivianos/as de plantão, tal qual seus
paradigmas e cúmplices tupiniquins, até o momento só se dedicaram a destruir
toda a rede de proteção social que foi capaz de promover justiça social e
resgatar a dívida secular de exclusão e opressão dos povos originários, que
constituem as classes exploradas daquele país.
Nesse meio tempo -- e sem qualquer comedimento, prudência,
sensatez ou dissimulo --, passam mais tempo disseminando fake news,
amedrontando aguerridos/as dirigentes populares (que insistem em fazer a defesa
da revolução cultural e do processo de mudanças) e construindo verdadeiras
ficções, de fazer inveja ao gênio ficcionista H. G. Wells, para perseguir
ex-membros do governo deposto.
A de primeira hora, e tantas vezes reiteradas quanto podem
(até por falta de provas consistentes nessa e em outras denúncias), é a de
“crimen de sedición y terrorismo”. O “terrorismo” tem procedência certa, a Casa
Branca, cujo porta-voz é o fantoche cor laranja (vai ver que por isso é
idolatrado pelos maiores produtores de laranjas da história do Brasil). Agora,
“crimen de sedición”, logo que ouvi, me reportou ao século XVI, quando reis e
rainhas perseguiam cidadãos comuns que “ousavam” reivindicar direitos.
Pois é. Não existe nada mais medieval que uma acusação como
essas. E o resgate dessa acusação nasceu no reino da Espanha, cujo governo
central acusa de prática desse crime os governantes depostos da Catalunha por
terem proclamado sua independência em 2017, após realizar um plebiscito em que
a conquista de sua plena soberania foi francamente vencedora na consulta
popular.
Depois de procurar pacientemente, na mídia espanhola, essa
cantilena -- isto é, narrativa de arbítrio anacrônico e despudorado, própria das
elites que se enriqueceram às custas do saque, da escravidão, dos massacres e dos
crimes de lesa-humanidade --, encontrei a resposta no pedido de habeas corpus
do advogado Aamer Anwar, que faz a defesa da ex-conselheira de Educação Clara Ponsati,
do governo deposto da Catalunha.
Anwar diz textualmente que as acusações contra os membros do
governo catalão deposto se constituem em verdadeiros abusos, seja no tocante ao
processo de extradição, ou quanto à ordem europeia de prisão. E, a propósito,
esclarece o advogado: “O ‘crime de sedição’ é um delito do século XVI que foi
criado por reis e rainhas para deter a reação da gente comum que queria seus
direitos.”
Quanto à tipificação de terrorismo, nada de novo: é a
narrativa dos amos e senhores destes serviçais do império maldito que teima em
resistir à sua irreversível queda. Os primeiros a usar esse discurso, no tempo
da guerra fria, não foi ninguém menos que o vice conspirador de John Kennedy, o
abominável Lyndon Johnson, o mais desleal dos bizarros homens da chamada “comunidade
da informação” -- isto é, da espionagem -- dos Estados Unidos, e que não teve o
mínimo pudor de eliminar, a uma só vez, o senador (e irmão do presidente
assassinado) Robert Kennedy assim que iniciava sua candidatura vitoriosa, e o
iluminado Pastor Martin Luther King, esse sim um cristão de verdade, e que
jamais compartilharia das ideias obscurantistas dos impostores que se autoproclamam
sacerdotes de si mesmos.
Isto posto, o que esperar desses arremedos de espectros do
atraso, do fétido período da história em que seres humanos eram queimados vivos
pelo absurdo crime de lutar pela conquista ou defesa de direitos básicos, como
o direito à vida, à liberdade, à dignidade. E ainda por cima se dizem cristãos
-- só se forem detentores de crista grande...
Inicialmente as perseguições foram contra o Presidente Evo
Morales e seu leal e iluminado Vice-presidente Álvaro García Linera, um modesto
mas renomado professor universitário que não aceitou cair no canto da sereia
sinistra do maldito império, e em momento algum se vinculou a mais de uma
centena de conspirações desde 2005, quando se elegeram pela primeira vez. Na
medida em que a lealdade ao primeiro presidente indígena da história da Bolívia
foi se constatando em diferentes esferas da administração boliviana, a
perseguição se espalhou, sobretudo contra autênticas lideranças populares que
protagonizaram as históricas conquistas dos últimos 14 anos.
Como as pesquisas que eles/as, golpistas, mandam fazer
continuam a mostrar a maioria favorável ao Presidente Evo Morales e ao seu
partido, aumenta o desespero e a insana caçada a lideranças políticas que
participaram do governo boliviano recordista de estabilidade econômica,
política e social, como nunca antes visto. E sempre com a mesma acusação, tamanha
a sua criatividade: “terrorismo e crime de sedição”...
Agora, sobre o famigerado sobrinho da presidenta
autoproclamada, preso em Tangará da Serra (MT) com mais de 450 quilos de
cocaína, os membros golpistas e a imprensa chapa-branca se calam e tentam
apagar, inclusive recorrendo a poderosos comparsas, quaisquer registros na rede
mundial de computadores. Esqueceram-se, no entanto, de que os documentos do
processo (que são públicos) já foram escaneados e não há como apagá-los...
Ahmad Schabib Hany
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