Sou
muito mais Carmen Portinho
Que me desculpe a presidente Cármen Lúcia, do
Supremo Tribunal Federal (STF), mas sou muito mais a aguerrida e pioneira
urbanista Carmen Velasco Portinho, mulher de vanguarda que nunca se curvou à
fama, aos afagos dessa insana mí®dia e muito menos aos arroubos de pabulagem ao
lado de golpistas travestidos de democratas (ou melhor, de meliantes
travestidos de parlamentares), como a querer intimidar os que se insurgem
contra a perseguição ao Presidente Lula.
E digo isso com a consciência tranquila de quem não
só compreendeu como justificou e defendeu seus critérios quando, em meados da
primeira década do século, a então recém-chegada ministra ao STF teve a sua
honra questionada por seu voto no processo do famigerado “Mensalão”, ao
absolver diversos acusados daquele caso: não pela liberalidade, como alardeavam
os falsos moralistas cujos baluartes não sossegaram até darem o golpe
parlamentar contra a Presidenta Dilma e ficarem com as barbas de molho ao verem
imagens de emissários de “éticos” como Aécio e Temer a levar malas de dinheiro
dos até aquele momento “corruptores do PT”. Hoje, comprovada a prática
generalizada a todos os partidos, só o PT e Lula estão prestes a uma condenação
digna de Pôncio Pilatos, em que o líder em todas as pesquisas de intenção de
voto não poderá ser candidato. Foi, aliás, o que aconteceu com o ex-senador e
ex-petista Delcídio, que foi preso e perdeu sumariamente o seu mandato,
enquanto o bonitinho conterrâneo da ministra presidente do STF permanece solto
e incólume, ameaçando quem atravessar o seu caminho, como já denunciado pela
mídia alternativa.
Não é demais lembrar a perplexidade causada pelo
voto da ministra quando da condenação do ex-senador e ex-petista Delcídio, um
divisor de águas entre a ministra recém-chegada e a ministra hoje: aquela que
usava a doutrina para fundamentar seu voto, caracterizado pelo rigor técnico, e
a atual, em que o viés político, sintonizado com uma elite recalcitrante ao
Estado de Direito, que quer justiceiros togados, não juízes fundamentados no
rico arcabouço jurídico emanado ao longo de séculos pela mais alta Corte
brasileira. Como esquecer a bizarra manifestação de uma juíza que parodiou o
mote da vitória de Lula, de que a esperança vencera o medo, em que fizera
questão de dizer que, entre outras coisas, “agora parece se constatar que o
escárnio venceu o cinismo”. Diante dessa guinada, é compreensível por que ela
se some ao coro das tentativas de amedrontar quem, no uso de suas prerrogativas
constitucionais, questiona e se insurge legitimamente contra a condenação política
do Presidente Lula.
Diferentemente disso tudo, nossa conterrânea Carmen
Velasco Portinho (1903-2001), corumbaense filha de boliviana e gaúcho, não apenas
ousou lutar contra o establishment e pela emancipação da mulher – seja no sufrágio
feminino, no registro civil (mantendo o nome de solteira depois de casada) e,
sobretudo, na conquista da profissionalização –, ainda que ficasse antipática
aos recalcados moralistas de todos os tempos, como primeira urbanista do Brasil,
inovou ao propor à administração pública a adoção de políticas de habitação
popular, tendo sido ela e seu companheiro os responsáveis pelo primeiro conjunto
habitacional popular de Pedregulho, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, então
Distrito Federal. Além disso, criou e dirigiu a Escola Superior de Desenho
Industrial encampada depois pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),
onde trabalhou até os 96 anos de vida, vindo a falecer dois anos depois.
A exemplo de outras duas igualmente guerreiras pioneiras
– a artista plástica Wega Nery, cujo último documentário em vida foi realizado
por dois corumbaenses de vanguarda, Luiz Taques e Dary Jr., e a botânica
Graziela Maciel Barroso, a única a ser homenageada em vida em Corumbá –, Carmen
Portinho, longe dos holofotes e na intimidade de sua consciência livre e
libertária (diferentemente desses burocratas que ascendem a algum dos Poderes
para destilar seus recalques tardios), fez de sua trajetória um fecundo e
generoso convite à transformação, ao progresso, à evolução.
Obrigados, Carmen Portinho, Wega Nery e Graziela
Barroso, pela generosidade com que viveram e nos ensinaram que a Vida só vale a
pena ser vivida quando se tem consciência e compromisso com a humanidade, não
com os poderosos de plantão...
Ahmad
Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário