Seu Mahmud Abdallah, na memória e
no coração
Mahmud
Mohamad Abdel Jaber Abdallah. Imigrante palestino que fez do Brasil a sua pátria,
a base de seus projetos e realizações, objetivo de vida, terra de sua família.
Do mesmo modo discreto com que viveu intensamente, partiu na terceira semana de
novembro, vítima de um câncer avassalador. Mas tivera tempo para se despedir de
todos os seus filhos e netos e de Dona Maria, sua grande companheira de Vida e
de luta.
Seu
Mahmud, como o chamávamos desde a infância, chegou a Corumbá na flor da
juventude, na década de 1960, integrando a segunda geração de palestinos
refugiados, ou melhor, despatriados pela maldita cobiça do sionismo, que desde
o último quartel do século XIX vinha maquinando onde fincar as suas garras, com
o beneplácito do império britânico e da França – se na América do Sul, na
África ou no Oriente Médio, como acabou acontecendo.
Aluno
dedicado de uma das inúmeras escolas laicas da Palestina milenar – a Terra
Santa em que por séculos conviveram cristãos, muçulmanos e judeus, a despeito
da ambição de todas as potências que se sucederam desde os tempos do Antigo
Egito e do Império Romano –, Seu Mahmud poderia ter sido um brilhante
professor, médico, engenheiro ou advogado. Mas o destino o tornou cidadão do mundo
e um cordial comerciante bem-sucedido que fez do ofício fonte de Vida e
dignidade para sua família. Não por acaso, empenhou-se para dar uma formação
universitária digna aos seus filhos, todos profissionais realizados.
Aliás,
sua família foi a sua razão de ser, além da sua inesquecível Palestina, para
onde conseguiu viajar por duas vezes em mais de cinquenta anos (como turista,
depois que se naturalizou brasileiro, porque o governo invasor impede a
circulação de palestinos em sua própria terra). É bom que se diga que palestino
é um condenado sem processo, um injustiçado sem tribunal, pois até poder ser
tratado como imigrante antes tem que ser reconhecido como refugiado – e sina de
refugiado a mídia mostra todos os dias qual é, seja ele palestino, sírio,
libanês, iemenita, sudanês, queniano, etíope...
Seu
Mahmud sempre se caracterizou pela cordialidade e atenção, prova viva do
cosmopolitismo do palestino, que durante milênios foi referência para todas as
culturas do Oriente e Ocidente. Cidadão conectado ao mundo, à frente de seu
tempo, tinha pelo exercício da cidadania uma rotina cotidiana. Em junho de
1994, quando o Pacto Pela Cidadania preparava seu ato de lançamento intitulado
“Declare seu amor por Corumbá: a retomada do desenvolvimento é você que faz”,
ele e Seu Jorge Katurchi estavam a postos para levantar a bandeira da Área de
Livre-Comércio que mais tarde os senadores Ramez Tebet e Lúdio Coelho e a
deputada federal Marisa Serrano deixariam nos meandros do Congresso Nacional.
Incansável,
obstinado (no bom sentido), nunca desistiu da boa luta. Para ele, melhor que
ninguém, a Vida desde sempre foi uma luta. Nem mesmo quando um processo de
cobrança judicial movido por executivos da maior instituição financeira oficial
do país lhe tomou sua casa, seu domicílio familiar, em 2009, lhe tirou a
sensatez, a parcimônia, embora tivesse sido o maior golpe sofrido em sua Vida,
e do qual não pôde em vida se recuperar. Acredito que o câncer que o abateu,
igualmente de traição, tenha relação direta com esse golpe.
Mais
um Amigo (com letra maiúscula) herdado de meu Pai que nos deixa, logo no
momento em que não só na conjuntura nacional como em nível mundial figuras
bizarras como Temer e Trump levam a contemporaneidade para o caos, e o pior é
que não estão sós, pois os mortos-vivos da política são os fiéis escudeiros
deste funesto quadro da história da humanidade. Mas tenho certeza de que Seu
Mahmud, do alto de sua generosa esperança, estará a nos inspirar na resistência
infindável por um mundo melhor, pelo qual ele sempre lutou, ainda que não
pudesse vê-lo consolidar-se.
Até
sempre, querido Amigo!
Ahmad Schabib Hany
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