sábado, 20 de janeiro de 2018

SEU MAHMUD ABDALLAH, NA MEMÓRIA E NO CORAÇÃO



Seu Mahmud Abdallah, na memória e no coração

Mahmud Mohamad Abdel Jaber Abdallah. Imigrante palestino que fez do Brasil a sua pátria, a base de seus projetos e realizações, objetivo de vida, terra de sua família. Do mesmo modo discreto com que viveu intensamente, partiu na terceira semana de novembro, vítima de um câncer avassalador. Mas tivera tempo para se despedir de todos os seus filhos e netos e de Dona Maria, sua grande companheira de Vida e de luta.

Seu Mahmud, como o chamávamos desde a infância, chegou a Corumbá na flor da juventude, na década de 1960, integrando a segunda geração de palestinos refugiados, ou melhor, despatriados pela maldita cobiça do sionismo, que desde o último quartel do século XIX vinha maquinando onde fincar as suas garras, com o beneplácito do império britânico e da França – se na América do Sul, na África ou no Oriente Médio, como acabou acontecendo.

Aluno dedicado de uma das inúmeras escolas laicas da Palestina milenar – a Terra Santa em que por séculos conviveram cristãos, muçulmanos e judeus, a despeito da ambição de todas as potências que se sucederam desde os tempos do Antigo Egito e do Império Romano –, Seu Mahmud poderia ter sido um brilhante professor, médico, engenheiro ou advogado. Mas o destino o tornou cidadão do mundo e um cordial comerciante bem-sucedido que fez do ofício fonte de Vida e dignidade para sua família. Não por acaso, empenhou-se para dar uma formação universitária digna aos seus filhos, todos profissionais realizados.

Aliás, sua família foi a sua razão de ser, além da sua inesquecível Palestina, para onde conseguiu viajar por duas vezes em mais de cinquenta anos (como turista, depois que se naturalizou brasileiro, porque o governo invasor impede a circulação de palestinos em sua própria terra). É bom que se diga que palestino é um condenado sem processo, um injustiçado sem tribunal, pois até poder ser tratado como imigrante antes tem que ser reconhecido como refugiado – e sina de refugiado a mídia mostra todos os dias qual é, seja ele palestino, sírio, libanês, iemenita, sudanês, queniano, etíope...

Seu Mahmud sempre se caracterizou pela cordialidade e atenção, prova viva do cosmopolitismo do palestino, que durante milênios foi referência para todas as culturas do Oriente e Ocidente. Cidadão conectado ao mundo, à frente de seu tempo, tinha pelo exercício da cidadania uma rotina cotidiana. Em junho de 1994, quando o Pacto Pela Cidadania preparava seu ato de lançamento intitulado “Declare seu amor por Corumbá: a retomada do desenvolvimento é você que faz”, ele e Seu Jorge Katurchi estavam a postos para levantar a bandeira da Área de Livre-Comércio que mais tarde os senadores Ramez Tebet e Lúdio Coelho e a deputada federal Marisa Serrano deixariam nos meandros do Congresso Nacional.

Incansável, obstinado (no bom sentido), nunca desistiu da boa luta. Para ele, melhor que ninguém, a Vida desde sempre foi uma luta. Nem mesmo quando um processo de cobrança judicial movido por executivos da maior instituição financeira oficial do país lhe tomou sua casa, seu domicílio familiar, em 2009, lhe tirou a sensatez, a parcimônia, embora tivesse sido o maior golpe sofrido em sua Vida, e do qual não pôde em vida se recuperar. Acredito que o câncer que o abateu, igualmente de traição, tenha relação direta com esse golpe.

Mais um Amigo (com letra maiúscula) herdado de meu Pai que nos deixa, logo no momento em que não só na conjuntura nacional como em nível mundial figuras bizarras como Temer e Trump levam a contemporaneidade para o caos, e o pior é que não estão sós, pois os mortos-vivos da política são os fiéis escudeiros deste funesto quadro da história da humanidade. Mas tenho certeza de que Seu Mahmud, do alto de sua generosa esperança, estará a nos inspirar na resistência infindável por um mundo melhor, pelo qual ele sempre lutou, ainda que não pudesse vê-lo consolidar-se.

Até sempre, querido Amigo!

Ahmad Schabib Hany

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