sábado, 20 de janeiro de 2018

DON PEPE, A CORDIALIDADE EM PESSOA



Don Pepe Ramírez, a cordialidade em pessoa

O engenheiro eletricista José Ramírez Weiss, o simpático Don Pepe das deliciosas saltenhas da esquina das ruas Colombo e Major Gama, encantou-se nesta véspera de Natal, vitimado por um câncer que não lhe deu tempo de tratar. Dona Sonia, sua incansável Companheira de mais de três décadas, e suas duas filhas, inconsoladas, têm noção da magnitude do vazio deixado por um ser humano de alma generosa e de uma estatura singular.

Tive o prazer de conhecê-lo há pouco mais de uma década, quando do movimento de reativação do Centro Boliviano-Brasileiro 30 de Março, entidade que representa a comunidade boliviana local, de cuja diretoria foi presidente, ao lado de importantes cidadãos dos dois lados desta fronteira de todos os povos, todas as culturas e, sobretudo, “todas as graças” – no dizer do querido Amigo e Escritor (com letra maiúscula) Augusto César Proença, o célebre autor de “Pantanal: Gente, tradição e história”, além de roteirista de curtas como “Atrás daquela poeira não vem seu pai”, com base no conto homônimo de sua autoria premiado pela Rádio França Internacional.

Don Pepe Ramírez não foi apenas um competente fazedor de saltenhas, honrada atividade que lhe permitiu sobreviver dignamente como imigrante no Brasil. Tal como os pioneiros Don Napoleón Álvarez (Amigo querido presenteado por meu saudoso Pai), o Nandinho, a Dona Dila e, sobretudo, o querido Amigo-Irmão Arturo Castedo Ardaya, foi um incansável e discreto valorizador, difusor da rica cultura boliviana, acintosamente ignorada pela imensa maioria dos corumbaenses (e sul-mato-grossenses), que até hoje teima não percorrer a rodovia que demanda a Santa Cruz de la Sierra, capital do departamento contíguo a Mato Grosso do Sul, para dissipar seus preconceitos e conhecer a diversidade das culturas milenares daquele país andino-amazônico-platino-chaquenho-pantaneiro, sem dúvida vítima de sua elite impatriótica e de maus vizinhos nos séculos recentes.

Durante seu efêmero convívio com os corumbaenses e ladarenses, Don Pepe ensinou humildemente o cosmopolitismo boliviano e suas várias facetas. Como poucos imigrantes conterrâneos, valorizou sem ufanismo o ser boliviano, um verdadeiro estado de espírito. Não por acaso, algum tempo atrás seu nome foi um dos lembrados para ser indicado à chancelaria boliviana como possível candidato a cônsul de seu país em Corumbá, mas ele declinou por razões de foro pessoal e familiar. Detentor de uma generosa cordialidade, cada vez mais rara, sua atuação na iniciativa privada ou em eventuais cargos públicos o destacava, o que muitas vezes motivou contrariedades entre seus pares, muito comum no meio político, sobretudo em nossos tempos mesquinhos.

Diferentemente dos atribulados centros metropolitanos, esta região fronteiriça, caracterizada pelo cosmopolitismo que teima sobreviver a tanto provincianismo sublimado, incutido e entoado, tem mais um personagem ilustre para enriquecer sua história e também sua memória coletiva. Ainda que breve, a permanência de Don Pepe em nosso meio veio para amalgamar de modo profícuo a cara diversidade em nossos tempos de desfaçatez, intolerância e narcisismo. As pegadas por ele deixadas em nossa região haverão de fomentar a tão necessária cordialidade em nosso cotidiano, que como poucos ele tão bem soube disseminar.

Até sempre, Don Pepe Ramírez!

Ahmad Schabib Hany

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