Don Pepe Ramírez, a cordialidade
em pessoa
O
engenheiro eletricista José Ramírez Weiss, o simpático Don Pepe das deliciosas saltenhas da esquina das ruas Colombo e
Major Gama, encantou-se nesta véspera de Natal, vitimado por um câncer que não
lhe deu tempo de tratar. Dona Sonia, sua incansável Companheira de mais de três
décadas, e suas duas filhas, inconsoladas, têm noção da magnitude do vazio
deixado por um ser humano de alma generosa e de uma estatura singular.
Tive
o prazer de conhecê-lo há pouco mais de uma década, quando do movimento de
reativação do Centro Boliviano-Brasileiro 30 de Março, entidade que representa
a comunidade boliviana local, de cuja diretoria foi presidente, ao lado de
importantes cidadãos dos dois lados desta fronteira de todos os povos, todas as
culturas e, sobretudo, “todas as graças” – no dizer do querido Amigo e Escritor
(com letra maiúscula) Augusto César Proença, o célebre autor de “Pantanal:
Gente, tradição e história”, além de roteirista de curtas como “Atrás daquela
poeira não vem seu pai”, com base no conto homônimo de sua autoria premiado
pela Rádio França Internacional.
Don Pepe Ramírez não
foi apenas um competente fazedor de saltenhas, honrada atividade que lhe
permitiu sobreviver dignamente como imigrante no Brasil. Tal como os pioneiros Don Napoleón Álvarez (Amigo querido
presenteado por meu saudoso Pai), o Nandinho, a Dona Dila e, sobretudo, o
querido Amigo-Irmão Arturo Castedo Ardaya, foi um incansável e discreto
valorizador, difusor da rica cultura boliviana, acintosamente ignorada pela
imensa maioria dos corumbaenses (e sul-mato-grossenses), que até hoje teima não
percorrer a rodovia que demanda a Santa Cruz de la Sierra, capital do
departamento contíguo a Mato Grosso do Sul, para dissipar seus preconceitos e
conhecer a diversidade das culturas milenares daquele país andino-amazônico-platino-chaquenho-pantaneiro,
sem dúvida vítima de sua elite impatriótica e de maus vizinhos nos séculos
recentes.
Durante
seu efêmero convívio com os corumbaenses e ladarenses, Don Pepe ensinou humildemente o cosmopolitismo boliviano e suas
várias facetas. Como poucos imigrantes conterrâneos, valorizou sem ufanismo o
ser boliviano, um verdadeiro estado de espírito. Não por acaso, algum tempo
atrás seu nome foi um dos lembrados para ser indicado à chancelaria boliviana
como possível candidato a cônsul de seu país em Corumbá, mas ele declinou por
razões de foro pessoal e familiar. Detentor de uma generosa cordialidade, cada
vez mais rara, sua atuação na iniciativa privada ou em eventuais cargos
públicos o destacava, o que muitas vezes motivou contrariedades entre seus
pares, muito comum no meio político, sobretudo em nossos tempos mesquinhos.
Diferentemente
dos atribulados centros metropolitanos, esta região fronteiriça, caracterizada
pelo cosmopolitismo que teima sobreviver a tanto provincianismo sublimado, incutido
e entoado, tem mais um personagem ilustre para enriquecer sua história e também
sua memória coletiva. Ainda que breve, a permanência de Don Pepe em nosso meio veio para amalgamar de modo profícuo a cara
diversidade em nossos tempos de desfaçatez, intolerância e narcisismo. As
pegadas por ele deixadas em nossa região haverão de fomentar a tão necessária
cordialidade em nosso cotidiano, que como poucos ele tão bem soube disseminar.
Até
sempre, Don Pepe Ramírez!
Ahmad Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário