Dr.
Márcio Baruki, um cidadão a toda prova
A notícia sobre a eternização do
querido Amigo Márcio Toufic Baruki durante uma viagem de visita à Dra. Waleska,
juíza de Direito em Goiás, sua primogênita, chegou até a mim nesta
segunda-feira por meio do Amigo Najeh Mustafa, ex-presidente da Sociedade
Árabe-Palestino-Brasileira de Corumbá, ainda chocado com o trágico fato.
Cidadão a toda prova, Márcio, como gostava de ser chamado, se destacou por sua
cordialidade, erudição e, sobretudo, generosidade, e passa para a história por
seus inúmeros atos cidadãos, que discretamente realizava, sem holofotes. Uma
lacuna em nosso meio com a dimensão de sua grande personalidade, sobretudo para
a sua Companheira de décadas, a estimada Professora Regina, e seus igualmente
queridos Filhos, por quem torcemos e reiteramos nossos sinceros sentimentos.
Conheci o Dr. Márcio Baruki algum
tempo depois de ter pedido demissão da Secretaria de Finanças de Corumbá, na
gestão do Prefeito Aurélio Scaffa – de cujo secretariado era o mais jovem
membro, e muito estimado pela modernização empreendida em sua breve
titularidade –, por meio de outro querido Amigo que a Vida me presenteou, o
ex-estudante de Agronomia na Universidade de São Paulo na década de 1960,
Leodevar Rodrigues Jardim, o Leo (esse era seu apelido), então humilde
funcionário da Companhia de Dragagens S/A (Codrasa), em meados de 1977,
instalado no canteiro de obras do Pôlder de Ladário. Então, preparava-me para fazer
Letras e trabalhar em algum jornal, e o Leo se declarara surpreso com um
morador de Corumbá de apenas 18 anos com uma visão crítica e leitor de O Pasquim, Movimento e Opinião (nossa
Amizade começou ao me ver na hospedaria de meu saudoso Pai lendo esses
emblemáticos semanários, então muito visados). Decorrido algum tempo, convidou-me
para ir até o escritório de advocacia do Márcio, que havia pouco tempo se instalara
na recém-inaugurada Galeria Luiz de Albuquerque, no Edifício Pantanal, pois
considerava o então jovem advogado uma das raras exceções de Corumbá, e queria
que nos conhecêssemos. Nessa época, o igualmente querido e saudoso Amigo João
Massimiano de Oliveira, contador, casado com Dona Maria do Carmo Escobar, era
o seu principal assessor no escritório jurídico, bastante moderno (foi lá onde
conheci a lendária IBM elétrica que usava esferas, trocava tipos, dispunha de
tecla corretora e memorizava textos longos).
Afável e descontraído, Dr. Márcio
revelara sentir saudades de seu tempo de aluno da Faculdade de Direito da
Universidade Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro, de cujo Diretório Acadêmico
foi presidente. Não demorou muito para me pedir que não o chamasse de “senhor”
e muito menos de “doutor”. Apenas Márcio. Modesto, não gostava de louvores e
muito menos de se exibir, mas a sua cultura era impressionante, tanto que tinha
um círculo de Amigos para dar vazão à sua sede por conhecimento: ao lado do
compulsivo leitor que era o Leo (digo era, porque não nos vemos desde 1987),
tive o privilégio de conhecer o querido e saudoso Amigo Tarcísio Nosé e a sua
Companheira, Guta, que ao final daquele ano retornariam a Santos (São Paulo),
pois a liberação por dois anos da Sabesp (empresa de saneamento de São Paulo)
estava chegando ao fim.
O início de nossa Amizade se deu
por meio de troca de livros e semanários (como os já citados), um círculo de
leitores que faziam de seus encontros periódicos um descontraído momento de
reflexão sobre a realidade mundial, até porque alguns, como servidores
públicos, não podiam correr o risco de tecer comentários sobre a conjuntura
política brasileira, que ainda vivia sob regime de exceção. Não me esqueço de
seu nobre gesto de que, quando soube que deixara o curso de Letras no antigo
Centro Pedagógico de Corumbá e iria me matricular na Católica de Campo Grande
(a FUCMT), se prontificou a traduzir alguns documentos de família, e ele
conhecia bem o grau de complicação, pois seu saudoso Pai, o senhor Toufic
Baruki, era libanês e como tradutor juramentado havia feito diversos processos
similares ao que eu teria que fazer.
Quando, em fins de 1980, fora
vítima de violência policial em Ponta Porã, durante uma viagem com sua estimada
Esposa, Dona Regina, eu tinha a honra de trabalhar em Campo Grande com o Amigo
e Jornalista Edson Moraes, e a assessoria da Oposição na Assembleia Legislativa
soltou uma nota de solidariedade ao Márcio, e a Ordem dos Advogados do Brasil,
cuja Comissão de Direitos Humanos era presidida pelo querido e saudoso Amigo,
Dr. Ricardo Brandão, abraçou a questão. A assessoria do então Deputado Sérgio
Cruz, líder da Oposição – acredito que o querido e saudoso Amigo Mário Corrêa
Albernaz –, se encontrara com o Márcio e o convidara a integrar o à época único
partido de oposição em Corumbá, mas por compromissos familiares ele declinara
do convite. O querido e saudoso Amigo Dr. Joilce Viegas de Araújo, seu colega e
presidente da Comissão Executiva local, lamentou, pois era considerado um importante
nome e disputado por todos os partidos com atuação naquele tempo, dentro e fora
de Corumbá.
Depois de nossos encontros
periódicos em seu escritório para as rodas de reflexão e leitura, em fins da
década de 1970, só viemos nos reencontrar em 1987 – quando da preparação da
Primeira Mostra da Cultura Árabe de Corumbá, sediada no Instituto Luiz de
Albuquerque entre julho e setembro daquele ano –, e ele, então futuro
presidente da Liga Árabe-Brasileira de Corumbá, tendo o também querido Amigo Adnan
Haymour como seu vice, colaborou na organização, enviando cartas para os
membros da entidade, no intuito de sensibilizá-los para emprestar peças,
documentos e fotografias de família, representativas da cultura árabe trazidas
pelos imigrantes para Corumbá. Pouco tempo depois, tão logo assumiu seu mandato
à frente da entidade representativa dos imigrantes árabes no coração do
Pantanal, realizou uma campanha de doação de cestas básicas a professores e
demais servidores públicos estaduais, pois o então governador Marcelo Miranda
Soares havia atrasado em mais de três meses os salários do funcionalismo de
Mato Grosso do Sul.
Solidário, um ano depois, foi nos
visitar à casa dos meus saudosos Pais, para, afável e risonho como de hábito,
comemorar o final feliz de um episódio lamentável em que um jovem tentara assaltar
minha saudosa Mãe e eu saíra em sua defesa, o que o levou a correr para a rua,
armado de um facão, quando alguns vizinhos muito queridos (alguns não mais
entre nós), solidários conosco e acreditando que o jovem viria a nos desferir
alguns golpes com seu facão, se precipitaram sobre ele. Ao chamarmos a polícia
para deter o rapaz, a guarnição queria que eu desse os nomes das pessoas que,
por tentar me defender, acabaram imobilizando o aprendiz de assaltante e,
assim, machucando-o. Como me recusei a dar nomes, pois expliquei que agiram por
solidariedade, então decidiram me levar na viatura para a delegacia regional, fazendo
uma parada no hospital para periciar o rapaz, quando um funcionário do querido
Amigo J. Carneiro (pioneiro do turismo contemplativo em Corumbá, dono do
Expresso do Pantanal) me reconheceu e se prontificou a avisar o patrão, citando
o nome do Dr. Márcio. Assim que cheguei à delegacia, o escrivão plantonista já
havia recebido o telefonema do querido e saudoso advogado, o que me poupou
maiores constrangimentos. Modesto, minimizou sua providente intervenção,
alegando que, por ser advogado de uma entidade associativa de policiais,
conversara com o delegado antes de minha chegada à delegacia.
Com a discrição que lhe era
peculiar, participou do processo de criação do Centro Padre Ernesto de Promoção
Humana e Ambiental (CENPER) e do Clube dos Amigos do Padre Ernesto, em 2001 e
2005, não tendo aceitado qualquer cargo diretivo e nunca se recusando a dar a
sua qualificada mão sempre que solicitado. A bem da verdade, só o vi duas vezes
em solenidades públicas, apenas para testemunhar alguma homenagem ao querido e
saudoso Amigo Padre Ernesto – isso, aliás, deixara claro a certo amigo comum
que o abordou na entrada do local do evento. Talvez por essa razão não fora
feliz em sua única candidatura a vereador, avesso a salamaleques próprios do
cada vez mais bizarro mundo da política.
Tempos depois, muito me honrou,
quando de meu casamento, ao desvencilhar-se de obrigações sociais de uma das
inúmeras entidades a que estava ligado para chegar, ainda que com algum atraso,
e permanecer em nossa mesa até o final da festa, como singular Amigo de
décadas. Podia permanecer longo tempo sem se comunicar, mas quando nos reencontrávamos
ele demonstrava seu carinho, sua Amizade sincera e altiva, em eloquentes gestos
de cordialidade.
Nossos derradeiros contatos foram
telefônicos, no início de 2017, quando ele estava engajado na adequação do
estatuto de uma entidade filantrópica, a pedido do também querido Amigo Padre
Pasquale Forin. Humilde e atencioso, trocava ideias comigo sobre questões da
legislação voltadas para as entidades filantrópicas e as organizações da
sociedade civil de interesse público, quando ele era um conhecedor erudito,
verdadeiro jurisconsulto, com tanta teoria e prática jurídica ao longo de quase
cinco décadas de profícua e vitoriosa carreira de advogado. Lamentavelmente,
Corumbá não teve oportunidade de tê-lo como candidato a prefeito, pois era um
executivo de perfil metropolitano, não desses caricatos provincianos que
amesquinham a atividade política e o real significado da democracia, tão em
baixa em nossos nada generosos tempos.
Até sempre, querido Amigo Márcio,
e obrigado por sua Amizade!
Ahmad
Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário