Abomináveis senhores da guerra
Seria cômico senão fosse trágico esse gesto da Fundação Nobel: não concedeu o Prêmio Nobel da Paz ao amo Donald Trump ou ao senhor Benjamin Netanyahu, mas à serviçal Maria Corina Machado, que os representa e, mesmo destituída de qualquer mérito em toda a sua trajetória, tenta legitimar o assalto à América Latina, a começar pela Venezuela.
Prêmio Nobel da Paz? Não, é Prêmio Nobel de Geopolítica. Ou Prêmio Nobel de Intervencionismo. Ou Prêmio Nobel de Colonização. Isso e muito mais...
A entrega do Nobel da Paz de 2025 para a venezuelana María Corina Machado, conhecida golpista de 2002 e defensora em 2023 de intervenção militar dos EUA e de Israel em seu país, revela graves indícios de uma triste realidade, a saber: a) irrefutável decadência da Fundação Nobel, de Oslo; b) ruptura de princípios pacifistas que levaram Alfred Nobel a criar a instituição e o longevo prêmio depois de ter-se arrependido de inventar a dinamite, e, c) capitulação, sobretudo, da Europa ante interesses coloniais inconfessáveis protegidos pelo manto, já desbotado, de "civilização e do progresso".
Nos últimos dias analistas com um pingo de sensatez são unânimes em observar que, mais que mero acidente de percurso -- eis que os membros do comitê de premiação da Fundação Nobel não são alienígenas ou alienados --, a escolha atende a interesses das maiores potências ocidentais, aliados dos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e OTAN. Enquanto o ocidente tenta "apagar" da cobertura jornalística sobre o genocídio de Gaza-Cisjordânia e a iminente derrota militar na Ucrânia, a razão do ardil para os próximos ataques são as cobiçadas reservas de petróleo no Caribe, daí porque a "intelligentsia" ocidental passou um cheque em branco a Trump, na antevéspera do 12 de outubro, data comemorativa para o início das tragédias das mais de 2000 etnias que viviam livremente neste território. É a nova versão do "encontro de dois mundos", como glamourosamente passaram a narrar o "descobrimento", ou melhor, a invasão colonialista de 1492 com Colombo, 1500 com Cabral e tantas tragédias posteriores, maquiadas com a cínica máscara da miscigenação indolor e gentil dos colonizadores ávidos por riqueza e poder.
É o que se depreende da postura oportunista dos embolorados cidadãos de bem deste ocidente em franca decadência. Políticos, burocratas, jornalistas, pseudo intelectuais e assemelhados que fingem não enxergar a realidade para não ficar sem seu "status" de referência entre os seus. E que poderia ser substituído pelo ditado de origem africana, assim traduzido para o português: "farinha pouca, meu angu primeiro."
"TENHO QUE SOBREVIVER, ENTENDE?"
Quem teve a sorte e o privilégio de ter sido leitor assíduo de "O Pasquim", se lembrará de uma série de ditados populares e consignas da ditadura que editores do satírico semanário usavam como tema para uma galeria de charges. Feita para tripudiar a falta de caráter de muitos "colegas" cooptados pelo regime, e que coaduna com o comportamento bizarro destes nada generosos tempos, é esta expressão popular: "tenho que sobreviver, entende?"
É evidente que a Fundação Nobel, em sintonia com a decadência europeia -- até porque a globalização imposta pelo Consenso de Washington subjugou efetiva e torpemente as elites coloniais --, está condicionada a interesses inconfessáveis de Donald Trump e burocratas de Bruxelas (que, mesmo sem terem sido guindados mediante eleição direta aos cargos mais relevantes da Comunidade Europeia, são os que conduzem o velho continente à ruína -- guerra da Ucrânia, aumento das dotações orçamentárias para a corrida armamentista, encarecimento do preço da energia em razão do boicote à Rússia, perda vertiginosa da qualidade de vida das populações europeias por causa da inversão de prioridades para atender às demandas belicistas da OTAN).
Por seu turno, há pelo menos cinco décadas o Nobel da Paz tem sido leiloado para os mandarins de plantão. Basta lembrarmos de Henry Kissinger; Jimmy Carter, Anwar Sadat e Menachem Begin; Mikhail Gorbatchev; Yasser Arafat e Ariel Sharon; Al Gore, e Barack Obama, entre outros. Alguns dos citados foram usados e descartados, posteriormente, pelo império ocidental. Triste fim, por exemplo, do último líder soviético, que entregou a humanidade ao "mercado" -- o chamado Consenso de Washington --, tendo se prestado à cooptação feita acintosamente pela Casa Branca e líderes ocidentais da Europa e Ásia.
A madame que da noite ao dia virou "pacifista" não passa de reles fantoche dos saqueadores e opressores do Sul Global. Ela representa desgraça, prenúncio da tragédia da América Latina, que, na crise e no desespero da ganância por commodities valiosíssimas do, para eles, "quintal dos EUA", aceitam qualquer negócio, desde que eles saiam sempre no lucro. Até porque têm ao seu lado as caquéticas elites rentistas, parasitárias, em todos os países latino-americanos, desde os mais remotos tempos de saque, opressão e exploração.
HITLER NOBEL DA PAZ?
Sim, dos túmulos. Tal qual Kissinger, Begin, Sharon, Obama e, obviamente, Corina -- uma espécie de enxerto de Netanyahu em Trump, o que atende aos inconfessáveis interesses coloniais e imperialistas do ocidente.
Já se puseram a pensar que, se a Fundação Nobel, curadora desde sempre do Prêmio Nobel (instituído por Alfred Nobel no início do século XX para promover os valores civilizacionais de paz e concórdia entre os povos), tivesse concedido o Nobel da Paz a ninguém menos que Adolf Hitler na década de 1930?
Ou que o contemplado tivesse sido seu fantoche principal, marechal Philippe Pétain, "Leão de Verdun", o herói de guerra que rasgou o currículo conquistado na Primeira Guerra Mundial e se submeteu ao deplorável papel de marionete do "Fürer" na França sob ocupação nazista do início dos anos 1940?
Guardadas as proporções, é o que ocorreu nesta sexta-feira, 10 de outubro, que entrará para a História pelo "parto da montanha": em vez de contemplar os senhores da guerra, Donald Trump ou Benjamin Netanyahu, premiaram a títere venezuelana María Corina Machado, que, além de ter feito um pacto político-ideológico com o Likud, partido de Netanyahu, solicitou-lhe formalmente uma intervenção militar do estado sionazista e, não contente, reiterou esse pedido a ninguém menos que a Trump quando do bombardeio de um barco de pesca dentro de águas internacionais.
María Corina Machado não tem currículo, mas "capivara", folha-corrida. Se não tivesse se prestado ao papel de marionete de Trump e de Netanyahu, ela teria que estar atrás das grades por crimes de sangue cometidos há poucos anos. Foi ela a responsável pela convocação das hordas de tonton macoute sobejamente pagas para depredar e matar cidadãos venezuelanos aleatoriamente tão logo não conseguiu derrotar Nicolás Maduro.
Qual o propósito dos distúrbios com mortes e depredação? O intuito era criar o caos para justificar algum golpe empresarial-militar. Deram-se mal, pois Hugo Chávez, ao fundar a República Bolivariana, após ter sido, em 2002, golpeado, preso e quase morto, mediante um golpe militar monitorado desde Washington. Simplesmente, como militar, mudou totalmente a doutrina das Forças Armadas Venezuelanas, que hoje são leais ao presidente Nicolás Maduro, que nestas últimas eleições derrotou o velho aliado de Corina, Edmundo González, um ex-diplomata de carreira que sucumbiu ao vil metal.
A combalida Europa, velha de guerra, acaba de instituir, como "slogan" para sua União Europeia, um aforismo oriundo do continente mais saqueado e oprimido em nome "da civilização e do progresso", a África -- "Farinha pouca, meu angu primeiro" --, e a Fundação Nobel adotar a mais cínica justificativa dos dedo-duros e serviçais do regime de 1964 eternizada por "O Pasquim" nos anos de chumbo -- "Tenho que sobreviver, entende?"
Mas nós vamos com a palavra de ordem, o bom caráter e a determinação de La Pasionaria (Isidora Dolores Ibárruri Gómez, 1895-1989), incansável combatente republicana da Guerra Civil Espanhola que lutou contra os falangistas de Franco na Espanha, apoiados por tropas e esquadrilhas de Hitler: "¡No pasarán!"
Ahmad Schabib Hany
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