sábado, 23 de novembro de 2024

PARA LEMBRAR O LÍBANO E A PALESTINA

Para lembrar o Líbano e a Palestina

Em 1977, no dia 22 de novembro, Mahoma Hossen Schabib escreveu uma emocionada crônica em que, a uma só vez, homenageava o Líbano, sob intenso bombardeio pelas forças entreguistas da Falange Libanesa, e a Palestina, ao som da saudosa cantora Fairouz e sua emblemática ‘Jerusalém’, em árabe ‘Al Quds’.

Não há como não deixar de observar o 22 de novembro sem me lembrar de meu saudoso e querido Pai Mahoma Hossen Schabib e sua inesgotável capacidade de manifestar poética e politicamente sua indignação pela traição de expressiva parcela de governantes árabes que, na trilha do nefasto Anwar Sadat, deixaram a um só tempo os povos irmãos palestino e libanês à sanha perversa do sionismo e de seus associados hachemitas e falangistas, os responsáveis diretos e indiretos pela súbita eternização de Gamal Abdel Nasser em 1970.

Assim como o Diário de Corumbá, da Família do saudoso Jornalista Carlos Paulo Pereira, a Rádio Clube de Corumbá, à época sob a direção da Odontóloga Laurita Anache, Amiga de meu Pai, divulgavam suas crônicas de forma generosa e fraternal. Em 22 de novembro de 1977, às pressas, levou sua crônica, por mim datilografada, para ser lida no programa do saudoso Joãozinho Gente Boa, JGB (João de Oliveira Neves), período vespertino. Três anos depois da súbita eternização de meu saudoso Irmão Mohamed e um ano do trágico massacre de Rásen-Hache (em que meu Pai perdera 36 familiares na frente setentrional da guerra civil instigada pelo Estado sionista liderado por Golda Meir e Moshe Dayan, no afã de expulsar a OLP, Organização para a Libertação da Palestina, do território libanês).

Seriam 14h30m, aproximadamente. Lá estava ele tocando a campainha do consultório da Doutora Laurita Anache, a uns 60 metros do estúdio da emissora. O original datilografado da crônica sobre o Líbano e o LP da amada Fairouz intitulado ‘Al-Quds’ [Jerusalém, em árabe], faixa que ele escolhera como trilha sonora de sua crônica. Para evitar eventuais erros, Doutora Laurita pedira ao jovem radialista João de Oliveira Neves que gravasse no ‘Estúdio B’ para depois levar ao ar. Entramos juntos ao moderno estúdio, cheio de recursos [até então eu só conhecia o velho estúdio da Rádio Difusora Mato-grossense, ciceroneado pelo querido Amigo Juvenal Ávila de Oliveira, então diretor musical da Pioneira]. Primeiro JGB fizera rápida leitura do texto, por conta de alguns termos árabes. Depois ouvira com atenção a faixa do LP de Fairouz, ‘Al-Quds’, e pedira ao sonoplasta que deixasse a parte inicial, instrumental, para preâmbulo de sua leitura, mais ou menos 1m30s, e com seu profissionalismo emblemático, deu ênfase ao tom emocionado da crônica.

Como ‘Al-Quds’ no dia da Independência do Líbano? Primeiro, naquele tempo não havia o acesso digital à discografia dos grandes cantores e cantoras árabes, em sua maioria fãs e discípulos de Gamal Abdel Nasser. Ele comprara, em uma de suas viagens a São Paulo, um LP de Fairouz intitulado ‘Al-Quds’, em homenagem ao heroico povo palestino. Também como forma de, ao mesmo tempo, homenagear a Palestina e seu povo milenar, igualmente vítimas da sordidez do colonialismo, que traíra acordos anteriores pactuados por meio de Thomas Edward Lawrence [o famigerado Lawrence da Arábia] com a coroa britânica para combater ao lado dos britânicos o império turco-otomano, também europeu, que desde o século XVI colonizava tiranicamente toda a Arábia, inclusive a Palestina.

Como a maioria de seus contemporâneos, meu saudoso Pai era um pan-arabista, isto é, seguidor do Movimento pela Reunificação da Arábia, em contraposição à maldita herança colonial franco-britânica e o funesto Acordo Sykes-Picot, de dividir a Arábia em mandatos e protetorados [eufemismos para colonizar, em pleno século XX, mais da metade da África e um-terço da Ásia], de olho nas riquezas naturais e, sobretudo, na posição geopolítica do imenso território árabe. M. H. Schabib, como assinava seus artigos em vários idiomas, dizia sempre que não se faz acordo com algozes de outros povos, pois o mesmo farão com o seu, e foi isso que o Reino Unido fez com os líderes árabes que se aliaram ao ocidente para se livrar do jugo turco-otomano em 1914.

PATRIOTAS E ‘PATRIOTAS’...

“La patria no está en las promesas que nunca cumplí, / conciencia de hombres que nunca juraron verdad. / La patria está en niños que vagan por mundos ajenos, / hambrientos de besos y no son como aquellos que solo nacieron para hacer maldad. / La patria está en manos callosas de hombres mineros, / que muestran senderos y son los primeros que mueren por otros llevando una cruz, / llevando una cruz.” (Luis Rico, ‘La Patria’, 1967)

Patriota de verdade [nada a ver com a patriotaria latino-americana, na qual a brasileira está inserida, cínica lambe-botas dos parasitas que saqueiam a riqueza, a vida e a cultura dos povos originários do Planeta], M. H. Schabib reverenciava todas as datas cívicas, mas sempre explicando que se tratava de civismo, e não de convicção política. Porque o Líbano fora ‘tornado independente’ da Síria em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, com o único afã de provocar uma cisão entre os árabes do oeste da Ásia. Tão artificial quanto o Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Jordânia, o Líbano foi fruto daquilo que os colonizadores franceses chamaram de ‘Pacto Libanês’, em que forjaram uma ‘democracia’ segmentada, em que a maioria não é protagonista, razão da revolução libanesa de 1958 e da guerra civil de 1975-1996.

Em 1975, quando criamos o Clarim Estudantil, M. H. Schabib nos dera uma entrevista em que afirmava ‘sou libanês, infelizmente’, que usamos como título, e em duas laudas explicávamos a razão dessa afirmação: por conta do secessão territorial árabe, que levara a governos fantoches em todos os Estados criados pelo ente colonial, que aos poucos foram sendo emancipados pelo povo. Naquele momento começava a guerra civil que destruiria o Líbano, seu progresso e seu porvir, pois as maiores vítimas foram as novas gerações, cuja expressiva parcela se envolveu em quadrilhas organizadas de tráfico de armas, drogas e alta tecnologia. Meu Pai já não estava entre nós quando a tragédia iniciada em agosto de 1975 com um atentado sionista contra um ônibus com refugiados palestinos levara pelos ares corpos de inocentes e o porvir de dois povos irmãos vitimados pela cobiça incessável do maldito sionismo travestido de ‘fé’, não muito diferente do que ocorre em nossos dias.

Ante a omissão sórdida dos governantes árabes é que, com a vitória da revolução iraniana de 1978, aos poucos as forças de resistência tanto palestinas quanto libanesas se articulam e viram os ‘monstros terroristas dos coitadinhos sionistas’: Hizbullah, Hamas e Jihad, entre outros. O chamado Eixo da Resistência, com a participação da Síria [e por isso perseguida pelos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e o Estado sionista inominável, por meio da ‘primavera árabe’ ou de ‘revoluções coloridas’, década passada], são hoje a única resistência contra o neocolonialismo travestido de ‘democracia ocidental’, protagonizado pelo império decadente cujo fim está próximo, leve o tempo que levar [não há império que resista à falta de dinheiro, drama do Tesouro dos EUA, que tem em dívidas três vezes mais que o PIB estadunidense], e que vê com desespero nova ordem econômica vir à tona, sob a sigla BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul].

Mas o servilismo, o chamado ‘complexo de vira-latas’, de lambe-botas dos colonizadores de olhos azuis, faz com que parte das elites econômicas latino-americanas (e brasileiras) -- afinal, por que a Leva Jeito de dois semianalfabetos, Esterco Mor(d)o e Anal Urinol, foi tão eficaz para destruir o Estado Democrático de Direito e toda a infraestrutura industrial de vanguarda brasileira (construção civil, naval, petroleira, mineira etc), representada por empresas cem-por-cento nacionais como a Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Mendes Junior, Affonseca, A. Gaspar etc, dilapidadas para beneficiar as concorrentes estrangeiras -- o que põe por terra o falso patriotismo desses serviçais do império da cobiça.

Lembre-se, Amigo/a leitor/a: enquanto houver cidadãos altivos e resistentes na face da Terra -- entre os quais árabes ou latino-americanos --, os fantoches e serviçais do império não encontrarão sossego nem passividade. Porque o porvir da humanidade está no Sul Global, como ficou patente neste G20. Daí por que devemos proteger o Estadista do século XXI, o Presidente Lula, a despeito de eventuais diferenças pontuais com ele e sua equipe. Avanti, Popolo!

Ahmad Schabib Hany

https://www.youtube.com/watch?v=M4EYQVcRY-E - "Al-Quds" ["Jerusalém"] - Fairouz

https://www.youtube.com/watch?v=tVOx0-jS3hk - "La Patria" - Luis Rico

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