Para
lembrar o Líbano e a Palestina
Em 1977, no dia 22 de novembro,
Mahoma Hossen Schabib escreveu uma emocionada crônica em que, a uma só vez,
homenageava o Líbano, sob intenso bombardeio pelas forças entreguistas da
Falange Libanesa, e a Palestina, ao som da saudosa cantora Fairouz e sua
emblemática ‘Jerusalém’, em árabe ‘Al Quds’.
Não há como não deixar de observar o 22 de
novembro sem me lembrar de meu saudoso e querido Pai Mahoma Hossen Schabib e
sua inesgotável capacidade de manifestar poética e politicamente sua indignação
pela traição de expressiva parcela de governantes árabes que, na trilha do
nefasto Anwar Sadat, deixaram a um só tempo os povos irmãos palestino e libanês
à sanha perversa do sionismo e de seus associados hachemitas e falangistas, os
responsáveis diretos e indiretos pela súbita eternização de Gamal Abdel Nasser
em 1970.
Assim como o Diário de Corumbá, da Família
do saudoso Jornalista Carlos Paulo Pereira, a Rádio Clube de Corumbá, à época
sob a direção da Odontóloga Laurita Anache, Amiga de meu Pai, divulgavam suas
crônicas de forma generosa e fraternal. Em 22 de novembro de 1977, às pressas,
levou sua crônica, por mim datilografada, para ser lida no programa do saudoso
Joãozinho Gente Boa, JGB (João de Oliveira Neves), período vespertino. Três anos depois da súbita
eternização de meu saudoso Irmão Mohamed e um ano do trágico massacre de Rásen-Hache
(em que meu Pai perdera 36 familiares na frente setentrional da guerra civil
instigada pelo Estado sionista liderado por Golda Meir e Moshe Dayan, no afã de
expulsar a OLP, Organização para a Libertação da Palestina, do território
libanês).
Seriam 14h30m, aproximadamente. Lá estava
ele tocando a campainha do consultório da Doutora Laurita Anache, a uns 60 metros do estúdio da emissora. O original
datilografado da crônica sobre o Líbano e o LP da amada Fairouz intitulado ‘Al-Quds’
[Jerusalém, em árabe], faixa que ele escolhera como trilha sonora de sua
crônica. Para evitar eventuais erros, Doutora Laurita pedira ao jovem
radialista João de Oliveira Neves que gravasse no ‘Estúdio B’ para depois levar
ao ar. Entramos juntos ao moderno estúdio, cheio de recursos [até então eu só
conhecia o velho estúdio da Rádio Difusora Mato-grossense, ciceroneado pelo
querido Amigo Juvenal Ávila de Oliveira, então diretor musical da Pioneira]. Primeiro JGB fizera rápida leitura do texto, por conta de alguns
termos árabes. Depois ouvira com atenção a faixa do LP de Fairouz, ‘Al-Quds’, e
pedira ao sonoplasta que deixasse a parte inicial, instrumental, para preâmbulo
de sua leitura, mais ou menos 1m30s,
e com seu profissionalismo emblemático, deu ênfase ao tom emocionado da
crônica.
Como ‘Al-Quds’ no dia da Independência do Líbano?
Primeiro, naquele tempo não havia o acesso digital à discografia dos grandes
cantores e cantoras árabes, em sua maioria fãs e discípulos de Gamal Abdel
Nasser. Ele comprara, em uma de suas viagens a São Paulo, um LP de Fairouz
intitulado ‘Al-Quds’, em homenagem ao heroico povo palestino. Também como forma
de, ao mesmo tempo, homenagear a Palestina e seu povo milenar, igualmente
vítimas da sordidez do colonialismo, que traíra acordos anteriores pactuados
por meio de Thomas Edward Lawrence [o famigerado Lawrence da Arábia] com a coroa
britânica para combater ao lado dos britânicos o império turco-otomano, também
europeu, que desde o século XVI colonizava tiranicamente toda a Arábia,
inclusive a Palestina.
Como a maioria de seus contemporâneos, meu saudoso
Pai era um pan-arabista, isto é, seguidor do Movimento pela Reunificação da
Arábia, em contraposição à maldita herança colonial franco-britânica e o
funesto Acordo Sykes-Picot, de dividir a Arábia em mandatos e protetorados
[eufemismos para colonizar, em pleno século XX, mais da metade da África e
um-terço da Ásia], de olho nas riquezas naturais e, sobretudo, na posição
geopolítica do imenso território árabe. M. H. Schabib, como assinava seus
artigos em vários idiomas, dizia sempre que não se faz acordo com algozes de
outros povos, pois o mesmo farão com o seu, e foi isso que o Reino Unido fez
com os líderes árabes que se aliaram ao ocidente para se livrar do jugo
turco-otomano em 1914.
PATRIOTAS E ‘PATRIOTAS’...
“La patria no
está en las promesas que nunca cumplí, / conciencia de hombres que nunca
juraron verdad. / La patria está en niños que vagan por mundos ajenos, /
hambrientos de besos y no son como aquellos que solo nacieron para hacer
maldad. / La patria está en manos callosas de hombres mineros, / que muestran senderos
y son los primeros que mueren por otros llevando una cruz, / llevando una cruz.”
(Luis Rico, ‘La Patria’, 1967)
Patriota de verdade [nada a ver com a patriotaria
latino-americana, na qual a brasileira está inserida, cínica lambe-botas dos
parasitas que saqueiam a riqueza, a vida e a cultura dos povos originários do
Planeta], M. H. Schabib reverenciava todas as datas cívicas, mas sempre
explicando que se tratava de civismo, e não de convicção política. Porque o
Líbano fora ‘tornado independente’ da Síria em 1943, em plena Segunda Guerra
Mundial, com o único afã de provocar uma cisão entre os árabes do oeste da
Ásia. Tão artificial quanto o Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Jordânia, o
Líbano foi fruto daquilo que os colonizadores franceses chamaram de ‘Pacto
Libanês’, em que forjaram uma ‘democracia’ segmentada, em que a maioria não é
protagonista, razão da revolução libanesa de 1958 e da guerra civil de 1975-1996.
Em 1975, quando criamos o Clarim Estudantil,
M. H. Schabib nos dera uma entrevista em que afirmava ‘sou libanês,
infelizmente’, que usamos como título, e em duas laudas explicávamos a razão
dessa afirmação: por conta do secessão territorial árabe, que levara a governos
fantoches em todos os Estados criados pelo ente colonial, que aos poucos foram
sendo emancipados pelo povo. Naquele momento começava a guerra civil que
destruiria o Líbano, seu progresso e seu porvir, pois as maiores vítimas foram
as novas gerações, cuja expressiva parcela se envolveu em quadrilhas
organizadas de tráfico de armas, drogas e alta tecnologia. Meu Pai já não
estava entre nós quando a tragédia iniciada em agosto de 1975 com um atentado
sionista contra um ônibus com refugiados palestinos levara pelos ares corpos de
inocentes e o porvir de dois povos irmãos vitimados pela cobiça incessável do
maldito sionismo travestido de ‘fé’, não muito diferente do que ocorre em
nossos dias.
Ante a omissão sórdida dos governantes árabes é
que, com a vitória da revolução iraniana de 1978, aos poucos as forças de
resistência tanto palestinas quanto libanesas se articulam e viram os ‘monstros
terroristas dos coitadinhos sionistas’: Hizbullah, Hamas e Jihad, entre outros.
O chamado Eixo da Resistência, com a participação da Síria [e por isso
perseguida pelos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e o Estado
sionista inominável, por meio da ‘primavera árabe’ ou de ‘revoluções coloridas’,
década passada], são hoje a única resistência contra o neocolonialismo travestido
de ‘democracia ocidental’, protagonizado pelo império decadente cujo fim está
próximo, leve o tempo que levar [não há império que resista à falta de
dinheiro, drama do Tesouro dos EUA, que tem em dívidas três vezes mais que o
PIB estadunidense], e que vê com desespero nova ordem econômica vir à tona, sob
a sigla BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul].
Mas o servilismo, o chamado ‘complexo de
vira-latas’, de lambe-botas dos colonizadores de olhos azuis, faz com que parte
das elites econômicas latino-americanas (e brasileiras) -- afinal,
por que a Leva Jeito de dois semianalfabetos, Esterco Mor(d)o e Anal Urinol, foi tão eficaz para
destruir o Estado Democrático de Direito e toda a infraestrutura industrial de
vanguarda brasileira (construção civil, naval, petroleira, mineira etc),
representada por empresas cem-por-cento nacionais como a Odebrecht, Camargo
Corrêa, OAS, Mendes Junior, Affonseca, A. Gaspar etc, dilapidadas para
beneficiar as concorrentes estrangeiras -- o que põe por terra o falso
patriotismo desses serviçais do império da cobiça.
Lembre-se, Amigo/a leitor/a: enquanto houver
cidadãos altivos e resistentes na face da Terra -- entre os quais árabes ou
latino-americanos --, os fantoches e serviçais do império não encontrarão
sossego nem passividade. Porque o porvir da humanidade está no Sul Global, como
ficou patente neste G20. Daí por
que devemos proteger o Estadista do século XXI, o Presidente Lula, a despeito
de eventuais diferenças pontuais com ele e sua equipe. Avanti, Popolo!
Ahmad
Schabib Hany
https://www.youtube.com/watch?v=M4EYQVcRY-E - "Al-Quds" ["Jerusalém"] - Fairouz
https://www.youtube.com/watch?v=tVOx0-jS3hk - "La Patria" - Luis Rico
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