sexta-feira, 30 de agosto de 2024

UFPantanal: desafios e fortalezas

UFPantanal: desafios e fortalezas

O projeto de criação da Universidade Federal do Pantanal na fronteira Brasil-Bolívia traz desafios e fortalezas enormes. Cabe à sociedade civil e à sociedade científica transpor os desafios e consolidar suas fortalezas, isto é, suas melhores características e possibilidades.

Enganam-se os que esperam que entremos na onda das fakenews e outras farsas próprias do chamado pós-modernismo e suas bizarrices, como a mais recente, o tal ‘Diablo Quetal’, uma nova edição remasterizada do inominável, indizível e, sobretudo, imprestável. Isso é fruto do parasitismo em que vivemos, associado, obviamente, a um conjunto de absurdos de uma sociedade decadente em que criminosos endinheirados servem de referência para as novas gerações e os valores éticos foram transformados em algo inútil, descartável, obsoleto. Na verdade, o ‘pragmatismo’ pós-moderno deu lugar ao cinismo fascista.

Vamos, portanto, continuar tratando da necessária formação cidadã e profissional dos seres humanos, das pessoas, das novas gerações, para não virarem reféns da precarização do trabalho, do subemprego, do trabalho semelhante ao escravo, do crime organizado e, inclusive, dos espertalhões que posam de ‘muito inteligentes’ por recorrer a ferramentas que são perigosas armas de destruição em massa, como a inteligência artificial nas mãos erradas.

Uma Universidade Federal no coração do Pantanal e da América do Sul, quase seis décadas depois de concretizado o sonho dos primeiros cursos universitários em Corumbá, por meio da criação, em 1967, do Instituto Superior de Pedagogia (ISP), cuja primeira sede foi o imponente prédio em estilo neoclássico do antigo Grupo Escolar Luiz de Albuquerque, onde desde 1977, ano do bicentenário de fundação do município, funciona o ILA, isto é, a atual Casa de Cultura Luiz de Albuquerque.

Entre as principais fortalezas de uma universidade pública federal nesta fronteira com os dois países -- Bolívia e Paraguai -- que com o Brasil partilham o rico e diverso Bioma Pantanal estão a autonomia e gestão local, além da agilidade na efetivação de respostas às demandas regionais e a interação com outras instituições de pesquisa e universidades nacionais e latino-americanas envolvidas nos diferentes campos de pesquisa nesta área do Planeta. Mais ainda: inovadora e inclusiva em sua concepção, essa universidade terá a seu favor um conjunto de fatores que favorecerão o desenvolvimento regional em consonância com os clamores de amplos setores da população local e parâmetros científicos hodiernos.

Estarão presentes os desafios históricos como autonomia administrativo-financeira, gestão local plena, fluidez de recursos financeiros, participação dos diferentes segmentos da comunidade acadêmica nas decisões relevantes e, sobretudo, constituição de equipes de pesquisa efetivas (não as conhecidas euquipes que ao longo dos últimos anos prevaleceram em detrimento da continuidade e perenidade de projetos interrompidos por causa da contínua transitoriedade, intensa rotatividade, de docentes pesquisadores, aprovados em concursos para trabalhar no Campus do Pantanal mas que migraram para outros campi comprometendo a qualidade e o desempenho dos cursos e atividades de pesquisa do mais antigo campus do interior do estado).

Não é de hoje a justificativa, transformada em mantra, de que a localização e a falta de condições materiais oferecidas em Corumbá contribuem para o compasso de espera em que se encontra o atual CPAN/UFMS. Nas décadas de 1970 e 1980, quando a precariedade e insuficiência de recursos eram muito maiores, o então Centro Pedagógico da UEMT, depois Centro Universitário da UFMS, era de longe um centro de referência na pesquisa e na oferta de cursos que atraíam estudantes tanto da Bolívia como do Paraguai. Porque é o nível do curso oferecido e a qualidade das pesquisas que servem de referência para a procura de uma universidade.

Com autonomia e gestão administrativo-financeira plenas, não haverá risco de vermos as recorrentes ameaças de suspensão da oferta de vagas em cursos como Letras Inglês (cuja volta já foi assegurada para 2025) e Letras Espanhol e ver a avalanche de docentes lotados no campus de Corumbá rumo à capital ou a outros campi em nome de uma suposta ‘otimização de recursos humanos’. Ou termos que assistir à falta de pesquisas urgentes, exequíveis, por pesquisadores locais, da realidade imediata deste riquíssimo Bioma em decorrência das mudanças climáticas, quando, em parceria com as universidades que vêm desenvolvendo pesquisas de interesse imediato, poderiam ser empreendidas ações conjuntas, ainda que pontuais, de modo a preparar futuros grupos de pesquisa com esse foco.

Registrado pela história

Em junho de 1984, quando o então CEUC sediou o emblemático VII Seminário de Pesquisa e Extensão (SEPE) comparado a uma ‘mini-SBPC’ pelo ex-coordenador do CNPq Célio Cunha -- um dos participantes do rico evento científico --, Corumbá foi palco das articulações que asseguraram mais tarde a oferta do curso de Jornalismo em Campo Grande. Acontece que, nos bastidores daquele importante evento, acontecia a transição consensual, depois da primeira gestão da UFMS, em que o saudoso Professor Jair Madureira foi cacifado para ser o segundo reitor da universidade recém-federalizada.

Evento que testemunhei como enviado do jornal em que trabalhava na época, conheci o Professor Cláudio Almeida da Conceição e sua pesquisa de aproveitamento do aguapé como fonte de energia e importante despoluente das águas pantaneiras; a pesquisa ictiológica pioneira do Professor Wilson Uieda, em que propiciava relevantes contribuições para a ciência ao revelar o comportamento peculiar de espécies nativas de peixes do Pantanal; as pioneiras pesquisas sobre jacaré, dos pesquisadores Eliezer José Marques, Francisco Roberto dos Santos Breyer e Masao Uetanabaro, e sobre a capivara, dos pesquisadores Francisco Breyer e Cleber Rodrigues Alho, em que a parceria UFMS-Embrapa contribui sobremaneira para a transformação, em novembro de 1984, da então UEPAE Corumbá em Centro de Pesquisas Agropecuárias do Pantanal, hoje Embrapa Pantanal, tendo como carro-chefe os projetos de aproveitamento econômico do jacaré, de Francisco Breyer, e da capivara, de Cléber Alho, sob a chefia do pesquisador Araê Book e a coordenação técnica do pesquisador Arnildo Pott.

Evidência desse protagonismo em território corumbaense foi, também, a realização, em parceria com a UFMS, do Primeiro Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do Pantanal, realizado no fim de outubro e início de novembro de 1984, quando o presidente da Embrapa e o ministro da Agricultura inauguraram o que hoje é Embrapa Pantanal. O coordenador do evento, Pesquisador Eduardo Künze Bastos, ictiólogo que depois se mudou para Brasília, contou com o apoio do Professor Arnaldo Yoso Sakamoto, do CEUC/UFMS, para a organização e realização desse importante conclave científico, de que participaram pesquisadores de diversas instituições de pesquisa do Brasil, inclusive da UFMS.

Anos depois, durante a gestão do Professor Celso Pierezan como reitor da UFMS, Masao Uetanabaro foi, ao lado de Eliezer Marques, dos responsáveis pela implantação da base de pesquisa do Pantanal, que coordenou por quase uma década. Esse importante centro de estudos, na verdade, foi uma velha reivindicação dos pesquisadores pioneiros do Centro Pedagógico, depois Centro Universitário de Corumbá.

Teimosia cidadã

Graças à teimosia cidadã do médico e Professor Salomão Baruki, ex-vereador cujo partido, o PSD de Juscelino Kubitschek de Oliveira, tinha sido proscrito ao lado do PTB de Leonel Brizola e de João Goulart. Amigo do engenheiro Pedro Pedrossian, da coligação PSD-PTB que derrotara em 1965 o candidato da UDN ao governo de Mato Grosso apoiado pelo novo regime instaurado em 1964, pecuarista Lúdio Martins Coelho, Salomão Baruki recorreu ao cenário do emblemático desfile comemorativo de 1967 do centenário da Retomada de Corumbá para fazer com que o governador Pedrossian anunciasse no palanque das autoridades da solenidade da Retomada de Corumbá a criação do Instituto Superior de Pedagogia como marco do início da oferta de ensino universitário em Corumbá.

Então governador recém filiado à ARENA, Pedrossian estava isolado por causa das pressões dos oriundos da UDN, que viam no governador um traidor nas hostes do partido de sustentação do regime. Como sua vitória sobre Lúdio havia sido assegurada no último bastião do trabalhismo getulista, Corumbá, ele, Pedrossian precisava anunciar um conjunto de obras importantes, entre elas o Instituto Superior de Pedagogia. Corumbá, no ano anterior, 1966, tivera seu candidato favorito derrotado por meio de um estratagema questionado no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, quando o médico Breno Medeiros Guimarães, candidato da ARENA, ganhou por pequena diferença de votos o favorito daquelas eleições -- o advogado e então deputado estadual Rômulo do Amaral, eleito pelo PSP de Adhemar de Barros e que se filiara ao MDB --, graças à urna da área rural, do Leque, região da Nhecolândia, em que não apareceu um voto sequer, nem do representante do MDB, ao candidato oposicionista.

Sob a responsabilidade do líder do governo na Assembleia Legislativa, o deputado José Ferreira de Freitas, foi constituída uma comissão responsável pelos estudos e preparação do projeto de criação e funcionamento do futuro instituto, a qual foi integrada pelos médicos Lécio Gomes de Souza, Cleto Leite de Barros e Salomão Baruki, pela Professora Edy Assis de Barros e pelo engenheiro civil Luiz Pedro Ametlla (titulares), que escolheram o Professor Salomão seu primeiro presidente e mais tarde diretor. Em tempo recorde, a 13 de novembro de 1967, era publicado o decreto que criava o Instituto Superior de Pedagogia, que no ano seguinte começou a funcionar com cinco primeiros cursos: História, Letras, Pedagogia, Psicologia e Ciências (depois Ciências Biológicas e Matemática).

Ahmad Schabib Hany

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