UFPantanal:
desafios e fortalezas
O projeto de criação da
Universidade Federal do Pantanal na fronteira Brasil-Bolívia traz desafios e
fortalezas enormes. Cabe à sociedade civil e à sociedade científica transpor os
desafios e consolidar suas fortalezas, isto é, suas melhores características e
possibilidades.
Enganam-se os que esperam que entremos na onda das
fakenews e outras farsas próprias do chamado pós-modernismo e suas bizarrices,
como a mais recente, o tal ‘Diablo Quetal’, uma nova edição remasterizada do inominável,
indizível e, sobretudo, imprestável. Isso é fruto do parasitismo em que
vivemos, associado, obviamente, a um conjunto de absurdos de uma sociedade
decadente em que criminosos endinheirados servem de referência para as novas
gerações e os valores éticos foram transformados em algo inútil, descartável,
obsoleto. Na verdade, o ‘pragmatismo’ pós-moderno deu lugar ao cinismo fascista.
Vamos, portanto, continuar tratando da necessária
formação cidadã e profissional dos seres humanos, das pessoas, das novas
gerações, para não virarem reféns da precarização do trabalho, do subemprego,
do trabalho semelhante ao escravo, do crime organizado e, inclusive, dos
espertalhões que posam de ‘muito inteligentes’ por recorrer a ferramentas que
são perigosas armas de destruição em massa, como a inteligência artificial nas mãos
erradas.
Uma Universidade Federal no coração do Pantanal e
da América do Sul, quase seis décadas depois de concretizado o sonho dos
primeiros cursos universitários em Corumbá, por meio da criação, em 1967, do
Instituto Superior de Pedagogia (ISP), cuja primeira sede foi o imponente
prédio em estilo neoclássico do antigo Grupo Escolar Luiz de Albuquerque, onde
desde 1977, ano do bicentenário de fundação do município, funciona o ILA, isto
é, a atual Casa de Cultura Luiz de Albuquerque.
Entre as principais fortalezas de uma universidade
pública federal nesta fronteira com os dois países -- Bolívia e Paraguai -- que
com o Brasil partilham o rico e diverso Bioma Pantanal estão a autonomia e
gestão local, além da agilidade na efetivação de respostas às demandas
regionais e a interação com outras instituições de pesquisa e universidades
nacionais e latino-americanas envolvidas nos diferentes campos de pesquisa
nesta área do Planeta. Mais ainda: inovadora e inclusiva em sua concepção, essa
universidade terá a seu favor um conjunto de fatores que favorecerão o
desenvolvimento regional em consonância com os clamores de amplos setores da
população local e parâmetros científicos hodiernos.
Estarão presentes os desafios históricos como autonomia
administrativo-financeira, gestão local plena, fluidez de recursos financeiros,
participação dos diferentes segmentos da comunidade acadêmica nas decisões
relevantes e, sobretudo, constituição de equipes de pesquisa efetivas (não as
conhecidas euquipes que ao longo dos últimos anos prevaleceram em
detrimento da continuidade e perenidade de projetos interrompidos por causa da
contínua transitoriedade, intensa rotatividade, de docentes pesquisadores,
aprovados em concursos para trabalhar no Campus do Pantanal mas que migraram
para outros campi comprometendo a qualidade e o desempenho dos cursos e
atividades de pesquisa do mais antigo campus do interior do estado).
Não é de hoje a
justificativa, transformada em mantra, de que a localização e a falta de
condições materiais oferecidas em Corumbá contribuem para o compasso de espera
em que se encontra o atual CPAN/UFMS. Nas décadas de 1970 e 1980, quando a
precariedade e insuficiência de recursos eram muito maiores, o então Centro
Pedagógico da UEMT, depois Centro Universitário da UFMS, era de longe um centro
de referência na pesquisa e na oferta de cursos que atraíam estudantes tanto da
Bolívia como do Paraguai. Porque é o nível do curso oferecido e a qualidade das
pesquisas que servem de referência para a procura de uma universidade.
Com autonomia e gestão administrativo-financeira
plenas, não haverá risco de vermos as recorrentes ameaças de suspensão da
oferta de vagas em cursos como Letras
Inglês (cuja volta já foi assegurada para 2025) e Letras Espanhol e ver a avalanche de docentes lotados no campus
de Corumbá rumo à capital ou a outros campi em nome de uma suposta ‘otimização
de recursos humanos’. Ou termos que assistir à falta de pesquisas urgentes, exequíveis,
por pesquisadores locais, da realidade imediata deste riquíssimo Bioma em decorrência
das mudanças climáticas, quando, em parceria com as universidades que vêm
desenvolvendo pesquisas de interesse imediato, poderiam ser empreendidas ações
conjuntas, ainda que pontuais, de modo a preparar futuros grupos de pesquisa
com esse foco.
Registrado pela história
Em junho de 1984, quando
o então CEUC sediou o emblemático VII Seminário de Pesquisa e Extensão (SEPE)
comparado a uma ‘mini-SBPC’ pelo ex-coordenador do CNPq Célio Cunha -- um dos
participantes do rico evento científico --, Corumbá foi palco das articulações
que asseguraram mais tarde a oferta do curso de Jornalismo em Campo Grande.
Acontece que, nos bastidores daquele importante evento, acontecia a transição
consensual, depois da primeira gestão da UFMS, em que o saudoso Professor Jair
Madureira foi cacifado para ser o segundo reitor da universidade
recém-federalizada.
Evento que testemunhei
como enviado do jornal em que trabalhava na época, conheci o Professor Cláudio
Almeida da Conceição e sua pesquisa de aproveitamento do aguapé como fonte de
energia e importante despoluente das águas pantaneiras; a pesquisa ictiológica
pioneira do Professor Wilson Uieda, em que propiciava relevantes contribuições
para a ciência ao revelar o comportamento peculiar de espécies nativas de
peixes do Pantanal; as pioneiras pesquisas sobre jacaré, dos pesquisadores
Eliezer José Marques, Francisco Roberto dos Santos Breyer e Masao Uetanabaro, e
sobre a capivara, dos pesquisadores Francisco Breyer e Cleber Rodrigues Alho,
em que a parceria UFMS-Embrapa contribui sobremaneira para a transformação, em
novembro de 1984, da então UEPAE Corumbá em Centro de Pesquisas Agropecuárias
do Pantanal, hoje Embrapa Pantanal, tendo como carro-chefe os projetos de
aproveitamento econômico do jacaré, de Francisco Breyer, e da capivara, de
Cléber Alho, sob a chefia do pesquisador Araê Book e a coordenação técnica do
pesquisador Arnildo Pott.
Evidência desse
protagonismo em território corumbaense foi, também, a realização, em parceria
com a UFMS, do Primeiro Simpósio sobre Recursos Naturais e Socioeconômicos do
Pantanal, realizado no fim de outubro e início de novembro de 1984, quando o
presidente da Embrapa e o ministro da Agricultura inauguraram o que hoje é
Embrapa Pantanal. O coordenador do evento, Pesquisador Eduardo Künze Bastos,
ictiólogo que depois se mudou para Brasília, contou com o apoio do Professor Arnaldo
Yoso Sakamoto, do CEUC/UFMS, para a organização e realização desse importante
conclave científico, de que participaram pesquisadores de diversas instituições
de pesquisa do Brasil, inclusive da UFMS.
Anos depois, durante a
gestão do Professor Celso Pierezan como reitor da UFMS, Masao Uetanabaro foi,
ao lado de Eliezer Marques, dos responsáveis pela implantação da base de
pesquisa do Pantanal, que coordenou por quase uma década. Esse importante
centro de estudos, na verdade, foi uma velha reivindicação dos pesquisadores
pioneiros do Centro Pedagógico, depois Centro Universitário de Corumbá.
Teimosia cidadã
Graças à teimosia cidadã do médico e Professor
Salomão Baruki, ex-vereador cujo partido, o PSD de Juscelino Kubitschek de
Oliveira, tinha sido proscrito ao lado do PTB de Leonel Brizola e de João Goulart.
Amigo do engenheiro Pedro Pedrossian, da coligação PSD-PTB que derrotara em
1965 o candidato da UDN ao governo de Mato Grosso apoiado pelo novo regime
instaurado em 1964, pecuarista Lúdio Martins Coelho, Salomão Baruki recorreu ao
cenário do emblemático desfile comemorativo de 1967 do centenário da Retomada
de Corumbá para fazer com que o governador Pedrossian anunciasse no palanque
das autoridades da solenidade da Retomada de Corumbá a criação do Instituto
Superior de Pedagogia como marco do início da oferta de ensino universitário em
Corumbá.
Então governador recém filiado à ARENA, Pedrossian
estava isolado por causa das pressões dos oriundos da UDN, que viam no governador
um traidor nas hostes do partido de sustentação do regime. Como sua vitória
sobre Lúdio havia sido assegurada no último bastião do trabalhismo getulista,
Corumbá, ele, Pedrossian precisava anunciar um conjunto de obras importantes,
entre elas o Instituto Superior de Pedagogia. Corumbá, no ano anterior, 1966,
tivera seu candidato favorito derrotado por meio de um estratagema questionado
no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, quando o médico Breno Medeiros
Guimarães, candidato da ARENA, ganhou por pequena diferença de votos o favorito
daquelas eleições -- o advogado e então deputado estadual Rômulo do Amaral,
eleito pelo PSP de Adhemar de Barros e que se filiara ao MDB --, graças à urna
da área rural, do Leque, região da Nhecolândia, em que não apareceu um voto
sequer, nem do representante do MDB, ao candidato oposicionista.
Sob a responsabilidade do líder do governo na
Assembleia Legislativa, o deputado José Ferreira de Freitas, foi constituída
uma comissão responsável pelos estudos e preparação do projeto de criação e
funcionamento do futuro instituto, a qual foi integrada pelos médicos Lécio
Gomes de Souza, Cleto Leite de Barros e Salomão Baruki, pela Professora Edy
Assis de Barros e pelo engenheiro civil Luiz Pedro Ametlla (titulares), que
escolheram o Professor Salomão seu primeiro presidente e mais tarde diretor. Em
tempo recorde, a 13 de novembro de 1967, era publicado o decreto que criava o
Instituto Superior de Pedagogia, que no ano seguinte começou a funcionar com
cinco primeiros cursos: História, Letras, Pedagogia, Psicologia e Ciências (depois
Ciências Biológicas e Matemática).
Ahmad
Schabib Hany
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