O mercado se preocupa com a responsabilidade
fiscal, a sociedade civil se preocupa com a responsabilidade social, e cabe à
cidadania (que é a própria sociedade civil e o Estado) a preocupação com a
responsabilidade política.
Em tempos de ‘responsabilidade fiscal’ e ‘responsabilidade
social’, precisamos ficar bem antenados com a ‘responsabilidade política’. Isto
é, o compromisso inarredável de todo e toda cidadã com o Estado de Direito, a
Democracia, construído com muito denodo e sacrifício pelas gerações que
venceram a (mal)ditadura 28 anos atrás. A cidadania, que é a sociedade civil
articulada ao Estado, tem que estar atenta, vigilante, porque não são poucos --
e são muito poderosos -- os inimigos da Democracia. Olho vivo...
Ninguém se esqueceu da tentativa de golpe de 8 de
janeiro, concebida, planejada, preparada, executada e monitorada por meliantes
subordinados ao inominável, covarde que fugiu para os EUA. Também, todo cuidado
é pouco com as vivandeiras travestidas de ‘bastiões da democracia’, como a FSP
e assemelhados, que vivem a fazer ruir a frágil e delicada frente democrática
que alicerça o governo de reconstrução nacional. Mais que intransigência, é
preciso prudência, ponderação. Isso é responsabilidade política. É disso que
precisamos neste momento delicado do país.
Por outro lado, a ‘responsabilidade social’ é a que
se encontra em evidência, até por conta dos ‘ISOs’ da Vida... Lembram-se do ‘ISO
9000’? E aí vieram as atualizações: 9001, 9009 etc. Não só ONGs, ou OSCIPs (de
acordo com a legislação brasileira, de 1999), mas pessoas comuns vêm se
dedicando às ações solidárias não só de pessoas em situação de violência e
vulnerabilidade (social, econômica, cultural, política, religiosa etc), mas de
povos e biomas e, inclusive, de animais de pequeno, médio e grande porte
vítimas de maus tratos, abandono ou mesmo de perda de tutoria (por morte ou
doença do tutor).
Com as tragédias reveladas depois da avalanche
obscuro-totalitária do inominável, veio o resgate, por sinal necessário e
oportuno, da empatia presente: a agonia silenciosa do povo Yanomami na
Amazônia, o choro contido dos sobreviventes desalojados do litoral norte de São
Paulo, a angústia e o desespero dos sírios e turcos no coração da Eurásia, o
recrudescimento da apartação (apartheid,
em inglês, herança colonial britânica na África do Sul) nos territórios da Palestina
milenar há 75 anos sob ocupação impune, em outros países do Oriente Médio,
Golfo Pérsico, da África e da América Latina. Ucrânia? Sim, também, mas não
como a imprensa corporativa ocidental tem manipulado: a venda cínica de tanques,
mísseis e até aviões não representa promoção da paz, mas sanha sanguinária (e
lucrativa) colonial do ocidente, para assegurar a sobrevida do império
britânico-estadunidense, de triste memória.
Já quem defende com unhas e dentes a ‘responsabilidade
fiscal’ é o mercado, isto é, os rentistas que não vivem do mercado de consumo,
que não se encontram no setor de produção industrial ou de alimentos (a
agroindústria) nem dos diversos setores do grande comércio (atacadistas,
varejistas, supermercadistas etc). Eles recebem o pomposo nome de ‘investidores’,
eis que são os que participam da jogatina, da roleta russa, chamada de bolsa de
valores -- mas bem que poderia se chamar de cassino do Paulo Guedes.
O tal ‘posto Ipiranga’ do inominável foi a fórmula
encontrada pelos senhores da avenida Paulista -- e aí eu me justifico: divirjo
dos mestres que teimam em remeter para outro endereço, a avenida Faria Lima, mas
a Paulista é a que melhor representa o ranço da casa grande, pois foi
construída no tempo dos barões do café --para ‘sacramentar’ uma aliança espúria que, como em todo golpe, rifou a
população brasileira (especialmente trabalhadores, aposentados, indígenas,
afrodescendentes, desempregados, informais, mulheres, população lgbtqia+, sem
teto, sem terra, moradores de rua etc), a soberania nacional, científica e
popular e, sobretudo, a Vida, a existência de todos os que habitam estes país e
não fazem parte da reduzidíssima parcela (que não chega a 1% dos habitantes
deste país-continente) dos descendentes da casa grande e de seus agregados.
Para esclarecer que não se trata de convicção, mas
de constatação (eis uma das poucas coisas boas de ser, digamos, ‘vivido’, ‘experiente’,
ou, melhor, de ter ‘tempo de janela’ e não se deixar ‘emprenhar pelo ouvido’):
Guedes, o ‘posto Ipiranga’ que na juventude foi estagiário dos ‘Chicago’s boys’
que serviram à ditadura sanguinária do ultrafascista Augusto Pinochet no Chile,
prestou-se ao papel de feitor (jamais gestor) da Economia com o único propósito
de proteger os poderosos que conspiraram contra o Estado Democrático de Direito
em 2016. Como o ‘brimo’ Temer não tinha cacife para tentar sua ‘reeleição’
(queimadíssimo e sem qualquer apoio popular), só lhes restaram um acordo à
escocesa com o inominável e sua familícia, via Guedes, que teve carta branca
mais que qualquer outro sinistro para fazer as suas perversidades, tudo
mancomunado com os agiotas, usureiros, avarentos, sanguessugas e parasitas
(para não falar de fora da lei, contraventores, contrabandistas, traficantes,
criminosos, milicianos, jagunços, grileiros, garimpeiros, madeireiros, golpistas,
mercadores da fé, vivandeiras, terraplanistas, charlatães, negacionistas,
quadrilheiros e matadores de aluguel).
Eles (Guedes e o inominável) são, digamos, ‘amigos’
do atual presidente do Banco Central, neto de Roberto Campos -- os mais jovens
provavelmente não conheçam, um obscuro político cuiabano que teve seus quinze
minutos de fama quando compôs o gabinete ministerial, como titular do Planejamento,
do primeiro marechal do ciclo de mandarins ‘indiretos’ do regime de 1964,
Castelo Branco. Nessa ocasião, um assessor, ligado ao prestigiado economista
conservador, Luiz Octavio Bulhões (então da Fazenda de Castelo Branco), insistiu-lhe
para que criasse um mecanismo de proteção dos preços, e por extensão, dos
salários, chamado de ‘correção monetária’. Só que com a disputa entre a ‘linha
dura’ (de Médici) e os ‘liberais’ (de Castelo Branco), acabou mandado à
embaixada de Londres por algum tempo. Reapareceu em 1982 como candidato por seu
estado, Mato Grosso, à Câmara dos Deputados (depois se reelegeu pelo Rio de
Janeiro), sempre ao lado dos remanescentes da ditadura, como Paulo Maluf e Fernando
Collor.
O tal ‘deus mercado’ não tem qualquer
empatia. Seu negócio são os lucros, os juros, a agiotagem, que denominam pelo
sublime e charmoso eufemismo de segurança jurídica. Tudo uma farsa. O negócio
deles é a manutenção de um sistema caduco e decrépito, que para se manter
destroem, ‘flexibilizam’, os direitos laborais, sociais, civis, difusos e por
aí afora... Ou a volta do Brasil para o mapa da fome foi mero acaso, foi?!
Enquanto 1% da população ficou muuuuito mais rica, nada menos que 58,7% da
população (ou seja, 152 milhões e 200 mil habitantes) passaram a padecer de insegurança
alimentar leve (e grave são nada menos que 15,8% da população, isto é, 33
milhões e 100 mil pessoas)...
Já reparou que, desde 1964, o chamado
setor financeiro só tem tido superávit ano após ano? É a legislação ‘paternal’
de Roberto Campos (avô) e Luiz Octavio Bulhões (Professor Bulhões), do tempo de
Castelo Branco, que nunca foi mexida. As ‘reformas econômicas’ feitas por
Henrique Meirelles no tempo do ‘brimo’ Temer e por Guedes no tempo do
inominável blindaram ainda mais os interesses dos rentistas e associados: o tal
‘teto de gastos’ (na verdade, limite em 80% do orçamento para os investimentos
sociais e de infraestrutura, enquanto o pagamento dos serviços financeiros do
Estado brasileiro não tem limites).
Olho vivo, leitor(a): o ‘mercado’, que
nem se abalou com a tentativa de golpe em 8 de janeiro (basta ver os índices
das bolsas da semana subsequente aos atos golpistas), não está nem aí para a
agenda social e de desenvolvimento soberano do governo de reconstrução
nacional. O que vale para o ‘mercado’ (ou seja, os rentistas) é o lucro diário
de seus investimentos, o resto, como disse o inominável quando era um imbecil
membro do baixíssimo clero da Câmara Federal, é resultado da ineficiência da
cavalaria brasileira, porque nos EUA a cavalaria acabou com os povos
originários...
Na Campanha da Fraternidade de 2023, a CNBB
escolheu o tema ‘Fraternidade e fome’ e o lema ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’.
Embora o Brasil seja um dos maiores exportadores de
alimentos do Planeta, a população ficou desassistida por pelo menos seis anos
com a sistemática redução dos recursos do orçamento e o desmonte das políticas
públicas sociais a partir de 2016. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatísticas (IBGE), 33 milhões e 100 mil pessoas estão em situação de insegurança
alimentar grave -- em outras palavras, estão abaixo da linha da pobreza, o que exige
uma ação emergencial de enfrentamento à fome.
O abandono de políticas de distribuição de renda e
de garantia de emprego formal fez com que a insegurança alimentar leve atingisse
152 milhões e 200 mil pessoas, isto é, 58,7% da população do país, um
verdadeiro retrocesso nas condições de vida dos brasileiros. Conectada à
dramática realidade de dezenas de milhões de brasileiros em todas as regiões, a
Campanha da Fraternidade tem como meta despertar a solidariedade neste período
da Quaresma, quando a comunidade católica guarda recolhimento para se preparar
para a Páscoa, por meio do jejum, da caridade e de preces.
Como faz desde 1965, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) lançou como lema da Campanha da Fraternidade de 2023 “Dai-lhes
vós mesmos de comer” (Mt 14, 16), cujo tema é “Fraternidade e fome”. Mais que
mais um conjunto de iniciativas para o enfrentamento da fome, o propósito é o
engajamento dos católicos e católicas do país em um gesto fraternal direto, ao
longo do período de recolhimento da Quaresma. Como essas iniciativas se
fortalecem, é esperada que prossiga durante o tempo que for preciso mantê-la.
Isso, aliás, ocorreu em 1993, quando o Sociólogo Herbert
de Souza, o Betinho, conseguiu envolver toda a sociedade brasileira na grande e
até então inédita mobilização nacional conhecida como Ação da Cidadania Contra
a Fome, a Miséria e Pela Vida. Em comitês espalhados por todo o país e em
algumas comunidades de brasileiros no exterior, a Ação da Cidadania despertou a
consciência coletiva para uma mazela que vem desde quando o Brasil era uma
sociedade escravista e excludente. Essa rede nacional, apesar dos mais de
trinta anos que se passaram, permanece articulada e atuante, sempre discreta,
mas efetiva: suas normas éticas proíbem a realização de imagens em que os
destinatários dos donativos possam ter a sua dignidade mais uma vez aviltada
com esse tipo de exposição.
Naquele ano que entrou para a história, o
articulador no âmbito da CNBB era Dom Mauro Morelli, então Arcebispo de Nova
Iguaçu e São João do Meriti, na Baixada Fluminense, que foi nomeado por Itamar
Franco como Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Sem
interferir na grande mobilização contra a fome, Itamar deu liberdade para a
Ação da Cidadania atuar em todos os municípios do país com apoio de instituições
federais, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Experiência
fundamental que Lula, em seu primeiro mandato, replicou no pioneiro programa de
enfrentamento da fome, o ‘Brasil sem Fome’, que durante os oito anos de seus
dois mandatos anteriores à Lava Jato e os quase seis anos dos dois mandatos de
Dilma Rousseff foi efetivo para tirar o país do mapa da fome, mas em menos de sete
anos de políticas excludentes perdeu-se tudo e ficou ainda mais grave que em 1993,
quando iniciou a campanha do Betinho.
‘Folha de
S.Paulo’, porta-voz do recalque da casa grande
A cada trinta dias, o atual publisher do mofando jornalão dos Campos Elíseos, aquele que ‘puxou o
tapete’ da própria irmã para tomar-lhe o cargo e agradar o sinistro Paulo
Guedes, o inominável e o amo e senhor deles, manda seus vassalos e vândalos
fazerem ataques sistemáticos ao Governo de Reconstrução Nacional para afagar o
‘mercado’, que também atende pelo nome de Roberto Campos Neto e seus
assemelhados da avenida Paulista.
Prezado(a) leitor(a), pergunte a um recalcado da
casa grande sobre o motivo de tanto ódio ao metalúrgico que se revelou o grande
estadista admirado indistintamente pelas maiores potências do Planeta e,
sobretudo, reconhecido e amado pelas amplas camadas da população brasileira --
não por acaso conseguiu vencer o inominável a despeito de todo o aparelhamento
do Estado, incluindo generecos como Heleno e o juizeco Moro e os cúmplices da
Leva Jeito.
Se for sincero, esse recalcado da casa grande dirá
que odeia porque não pode tolerar um ‘da senzala’ fazendo ‘tanto sucesso’
enquanto o seu fantoche tresloucado só conseguiu despertar no concerto das
nações risadinhas discretas de constrangimento e deboche, farto deboche, como
naquela reunião multilateral em que a primeira-dama do Canadá o identificou
como ‘aquele tiozinho’ perdido, que não sabe o que está fazendo...
Mas haverá outro tipo de recalcado, digamos, ‘mais
intelectualizado’, leitor da Folha de S.Paulo, que encherá o peito, com
muita soberba e empáfia, para proclamar que a mídia revelou que ele não
conseguirá governar desta vez... Por que motivo? Bom, antes dos dois mandatos
em que se saiu vitorioso (com aprovação de mais de 87% da população), era por
‘falta de preparo e experiência’. Por que será agora?
E deu a pista a Falha, digo, Folha de
S.Paulo -- que daqui para frente grafarei, como na década de 1970, FSP --,
aquela mesma que na semana seguinte à tentativa de golpe postou uma foto fake
de Lula com um tiro no peito no alto da primeira página, ao lado da chamada de
capa. Em um editorial carregado de preconceitos, fazendo jus à sua triste
história, que nos anos de chumbo colocou sua frota de veículos para transportar
cadáveres de perseguidos pela ditadura na Operação Bandeirantes (a OBAN, de
triste memória): porque ele (Lula) ‘não soube envelhecer’ (sic).
Detalhe: o patriarca da oligarquia da FSP morreu
com mais de 95 anos, e mais lúcido que o atual publisher. Pois é, aquele
mesmo que depois de colaborar com os torturadores (como Sérgio Paranhos Fleury
e Brilhante Ustra) decidiu dar uma guinada e transformá-la em jornal com
credibilidade, e contratou Jornalistas (letra maiúscula) como Claudio Abramo,
Newton Carlos, Alberto Dines, Ruy Lopes, Perseu Abramo, Getúlio Bittencourt,
Pedro Del Pichia, Tarso de Castro, Plínio Marcos, Samuel Wainer, Carlos Alberto
Luppi, João Ubaldo Ribeiro, Mauro Santayana, Luiz Alberto Bahia, Josué
Guimarães, Gilberto Dimenstein, Ricardo Kotscho, Martha Alencar, Irede A.
Cardoso, Newton Rodrigues, Eduardo Matarazzo Suplicy, Radhá Abramo, Paulo
Francis, Nelson Merlin, Sérgio Augusto, Joelmir Beting, Clóvis Rossi, Mino
Carta, Washington Novaes, Alexandre Gambirásio, Aloysio Biondi, Oswaldo Mendes
e até o querido e saudoso Mylton Severiano (da Silva), que substituiu o Tarso
de Castro algum tempo no saudoso Folhetim.
Recalcado não tem remédio. Esse infeliz não se
apercebeu de que Lula está salvando o PSDB? Ao chamar Geraldo Alckmin, um dos
fundadores do partido de Mário Covas (a despeito de não ter sido eleito em 1989
presidente da República, é a maior expressão da Social Democracia brasileira).
Como assim? Ao chamar Alckmin para fazer a dobradinha com ele e colocá-lo como
gestor das políticas de (re)industrialização do Brasil, Lula, de forma discreta
e prudente, está ajudando os verdadeiros tucanos a se reerguerem da gentalha
que Aéreo Never trouxe para apoiá-lo, como João Dória Jr., tão playboyzinho
quanto o garoto mimado que desonrou a memória de Tancredo Neves.
Lula sabe que depende de seu governo de
reconstrução nacional a sobrevivência da Democracia (e até a própria
sobrevivência do PT). Por ser um político racional, bastante lúcido e,
sobretudo, responsável, sabe que, sem perder suas raízes e compromissos com as
camadas populares e a esquerda nacional (da qual ele é oriundo), precisará
governar de mãos dadas com os baluartes da Social Democracia brasileira e com
setores racionais e lúcidos da direita civilizada. Daí por que tem atuado com
muita ponderação e prudência desde antes do dia em que as urnas o sagraram
tricampeão presidencial. Diferentemente do inominável, Lula terá que compor a
governabilidade (re)construindo legendas que, como o PT, construíram o Estado
Democrático de Direito a partir da Constituinte, e não com base no
‘toma-lá-dá-cá’. Ou não entenderam por que o ex-presidente José Sarney foi tão
prestigiado e, ainda que não estivesse presente, o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso foi tratado com cordialidade?
Mas com o atual Frias, nada é surpreendente, nada é
fora da ‘ordem’ por ele emanada. Diferentemente do pai e do irmão -- e
provavelmente da irmã que depôs --, é incapaz de perceber até onde vão suas
preferências e o que é Jornalismo. Se ele fosse até o arquivo (ou memória) do
jornalão que chegou aos 100 anos com uma mentalidade do tempo de sua fundação,
teria oportunidade de ler ou assistir aos depoimentos de Octavio Frias de
Oliveira ou de Otávio Frias Filho e começaria a compreender por que o pai e o
irmão não execravam Claudio Abramo e todos os seus ‘amigos subversivos’.
Dos anais da FSP consta algo que virou lenda:
procurado pelo patriarca Frias, ainda sócio de Carlos Caldeira Filho (meados da
década de 1960, consumado o golpe), Abramo sem titubeio confirmara, olhando
para os olhos do empresário, de que, sim, era ‘comunista’, ‘autoritário’ e
‘nervoso’ -- mas não como o futuro patrão entendera. Quando o chamou para
trabalhar com ele, pôde constatar que é bom negócio trabalhar com ‘subversivos’,
pois eles não agradam a ninguém e dão credibilidade ao seu local de trabalho.
Depois de contratar Abramo, e, por extensão, todos os ‘seus amigos’, o jornalão
só perdeu em sua maioria quando foram morrendo ou ficando tão velhinhos que já
não podiam trabalhar.
É claro que o patriarca Frias de Oliveira pagou
caro por ter mudado de lado: em 1977, ante a imprevisibilidade do coronel
Antônio Erasmo Dias, então secretário de Segurança Pública de São Paulo, que
invadira a redação de seu principal jornal (no caso a FSP), não teve opção
menos dolorosa que demitir Cláudio Abramo e todos os pivôs do imbróglio
(crônica em que o colunista Lourenço Diaféria homenageara um sargento do
Exército morto ao salvar um menino que caíra num lago com ariranhas e
intitulara sua coluna assim: “Herói. Morto. Nós”). Era uma homenagem ao herói
que salvara a vida de uma criança numa praça de São Paulo, ante a estátua do
Duque de Caxias, patrono do Exército.
Depois disso, a FSP nunca mais fora a mesma, apesar
de o velho patriarca ter feito de tudo para não perder Claudio Abramo, que
virou titular da coluna São Paulo na Página 2 (dos editoriais e opinião),
depois correspondente em diversos lugares da Europa e ao final da Vida
secretário-geral do Conselho Editorial do jornalão. Não demorou muito, e Abramo
acabou falecendo, precocemente, em agosto de 1987, antes de ver a conclusão dos
trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, pela qual ele tanto lutara,
inclusive dentro do jornal que dirigira.
Em síntese, o atual Frias reproduz sua
senilidade precoce, ou melhor, sua decrepitude extemporânea, por meio de
edições panfletárias exaladas do recalque da casa grande. Ou a oligarquia troca
seu feitor, ou a FSP, e todo o Grupo Falha, terá o mesmo fim dos Civita e de
sua Abril, detonada pelo igualmente finado Roberto Civita, que também pôs de
escanteio o irmão Richard e deixou todo o prestígio de uma editora pioneira descer
a ladeira. Mas a ladeira da ética, da reputação...
‘Folha de S.Paulo’, porta-voz do recalque da casa grande
A cada trinta dias, o atual publisher do mofando jornalão dos Campos Elíseos, aquele
que ‘puxou o tapete’ da própria irmã para tomar-lhe o cargo e agradar o
sinistro Paulo Guedes, o inominável e o amo e senhor deles, manda seus vassalos
e vândalos fazerem ataques sistemáticos ao Governo de Reconstrução Nacional
para afagar o ‘mercado’, que também atende pelo nome de Roberto Campos Neto e
seus assemelhados da avenida Paulista.
Prezado(a) leitor(a), pergunte a um recalcado da
casa grande sobre o motivo de tanto ódio ao metalúrgico que se revelou o grande
estadista admirado indistintamente pelas maiores potências do Planeta e,
sobretudo, reconhecido e amado pelas amplas camadas da população brasileira -- não
por acaso conseguiu vencer o inominável a despeito de todo o aparelhamento do
Estado, incluindo generecos como Heleno e o juizeco Moro e os cúmplices da Leva
Jeito.
Se for sincero, esse recalcado da casa grande dirá
que odeia porque não pode tolerar um ‘da senzala’ fazendo ‘tanto sucesso’ enquanto
o seu fantoche tresloucado só conseguiu despertar no concerto das nações
risadinhas discretas de constrangimento e deboche, farto deboche, como naquela
reunião multilateral em que a primeira-dama do Canadá o identificou como ‘aquele
tiozinho’ perdido, que não sabe o que está fazendo...
Mas haverá outro tipo de recalcado, digamos, ‘mais
intelectualizado’, leitor da Folha de
S.Paulo, que encherá o peito, com muita soberba e empáfia, para proclamar
que a mídia revelou que ele não conseguirá governar desta vez... Por que
motivo? Bom, antes dos dois mandatos em que se saiu vitorioso (com aprovação de
mais de 87% da população), era por ‘falta de preparo e experiência’. Por que
será agora?
E deu a pista a Falha,
digo, Folha de S.Paulo -- que daqui
para frente grafarei, como na década de 1970, FSP --, aquela mesma que na
semana seguinte à tentativa de golpe postou uma foto fake de Lula com um tiro no peito no alto da primeira página, ao
lado da chamada de capa. Em um editorial carregado de preconceitos, fazendo jus
à sua triste história, que nos anos de chumbo colocou sua frota de veículos
para transportar cadáveres de perseguidos pela ditadura na Operação
Bandeirantes (a OBAN, de triste memória): porque ele (Lula) ‘não soube envelhecer’
(sic).
Detalhe: o patriarca da oligarquia da FSP morreu
com mais de 95 anos, e mais lúcido que o atual publisher. Pois é, aquele mesmo que depois de colaborar com os
torturadores (como Sérgio Paranhos Fleury e Brilhante Ustra) decidiu dar uma
guinada e transformá-la em jornal com credibilidade, e contratou Jornalistas (letra
maiúscula) como Claudio Abramo, Newton Carlos, Alberto Dines, Ruy Lopes, Perseu
Abramo, Getúlio Bittencourt, Pedro Del Pichia, Tarso de Castro, Plínio Marcos,
Samuel Wainer, Carlos Alberto Luppi, João Ubaldo Ribeiro, Mauro Santayana, Luiz
Alberto Bahia, Josué Guimarães, Gilberto Dimenstein, Ricardo Kotscho, Martha
Alencar, Newton Rodrigues, Eduardo Matarazzo Suplicy, Radhá Abramo, Paulo
Francis, Nelson Merlin, Sérgio Augusto, Joelmir Beting, Clóvis Rossi, Mino
Carta, Washington Novaes, Alexandre Gambirásio, Aloysio Biondi, Oswaldo Mendes e até o querido
e saudoso Mylton Severiano (da Silva), que substituiu o Tarso de Castro algum
tempo no saudoso Folhetim.
Recalcado não tem remédio. Esse infeliz não se
apercebeu que é Lula que está salvando o PSDB? Ao chamar Geraldo Alckmin, um
dos fundadores do partido de Mário Covas (a despeito de não ter sido eleito em
1989 presidente da República, é a maior expressão da Social Democracia
brasileira). Como assim? Ao chamar Alckmin para fazer a dobradinha com ele e
colocá-lo como gestor das políticas de (re)industrialização do Brasil, Lula, de
forma discreta e prudente, está ajudando os verdadeiros tucanos a se reerguerem
da gentalha que Aéreo Never trouxe para apoiá-lo, como João Dória Jr., tão playboyzinho quanto o garoto mimado que
desonrou a memória de Tancredo Neves.
Lula sabe que depende de seu governo de
reconstrução nacional a sobrevivência da Democracia (e até a própria
sobrevivência do PT). Por ser um político racional, bastante lúcido e,
sobretudo, responsável, sabe que, sem perder suas raízes e compromissos com as camadas
populares e a esquerda nacional (da qual ele é fruto), precisará governar de
mãos dadas com os baluartes da Social Democracia brasileira e com setores
racionais e lúcidos da direita civilizada. Daí por que tem atuado com muita
prudência e ponderação desde antes do dia em que as urnas o sagraram tricampeão
presidencial. Diferentemente do inominável, Lula terá que recompor a
governabilidade (re)construindo legendas que, como o PT, construíram o Estado
Democrático de Direito a partir da Constituinte, e não com base do ‘toma-lá-dá-cá’.
Ou não entenderam por que o ex-presidente José Sarney foi tão prestigiado e,
ainda que não estivesse presente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi
tratado com cordialidade?
Mas com o atual Frias, nada é surpreendente, nada é
fora da ‘ordem’ por ele emanada. Diferentemente do pai e do irmão -- e
provavelmente da irmã que depôs --, é incapaz de perceber até onde vão suas
preferências e o que é Jornalismo. Se ele fosse até o arquivo (ou memória) do
jornalão que chegou aos 100 anos com uma mentalidade do tempo de sua fundação,
teria oportunidade de ler ou assistir aos depoimentos de Octavio Frias de
Oliveira ou de Otávio Frias Filho e começaria a compreender por que o pai e o
irmão não execravam Claudio Abramo e todos os seus ‘amigos subversivos’.
Dos anais da FSP consta algo que virou lenda:
procurado pelo patriarca Frias, ainda sócio de Carlos Caldeira Filho (meados da
década de 1960, consumado o golpe), Abramo sem titubeio confirmara, olhando
para os olhos do empresário, de que, sim, era ‘comunista’, ‘autoritário’ e ‘nervoso’
-- mas não como o futuro patrão entendera. Quando o chamou para trabalhar com
ele, pôde constatar que é bom negócio trabalhar com ‘subversivos’, pois eles
não agradam a ninguém e dão credibilidade ao seu local de trabalho. Depois de
contratar Abramo, e, por extensão, todos os ‘seus amigos’, o jornalão só perdeu
em sua maioria quando foram morrendo ou ficando tão velhinhos que já não podiam
trabalhar.
É claro que o patriarca Frias de Oliveira pagou
caro por ter mudado de lado: em 1976, ante a imprevisibilidade do coronel
Antônio Erasmo Dias, então secretário de Segurança Pública de São Paulo, que
invadira a redação de seu principal jornal (no caso a FSP), não teve opção
menos dolorosa que demitir Cláudio Abramo e todos os pivôs do imbróglio (crônica
em que o colunista Lourenço Diaféria homenageara um sargento do Exército morto ao salvar um menino que caíra num lago com ariranhas e intitulara sua coluna assim: “Herói. Morto. Nós”. Era uma homenagem
ao herói que salvara a vida de uma criança numa praça de São Paulo,
ante a estátua do Duque de Caxias, patrono do Exército.
Depois disso, a FSP nunca mais fora a mesma, apesar
de o velho patriarca ter feito de tudo para não perder Claudio Abramo, que
virou titular da coluna São Paulo na página 2 (dos editoriais e opinião),
depois correspondente em diversos lugares da Europa e ao final da vida
secretário-geral do Conselho Editorial do jornalão. Não demorou muito, e Abramo
acabou falecendo, precocemente, em agosto de 1987, antes de ver a conclusão dos
trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, pela qual ele tanto lutara,
inclusive dentro do jornal que dirigira.
Em síntese, o atual Frias reproduz sua senilidade precoce, ou melhor, sua decrepitude, por meio de edições panfletárias exaladas do recalque da casa grande. Ou a oligarquia troca seu feitor, ou a FSP, e todo o Grupo Falha, terá o mesmo fim dos Civita e de sua Abril, detonada pelo igualmente finado Roberto Civita, que também pôs de escanteio o irmão Richard e pôs todo o prestígio de uma editora pioneira a descer a ladeira, mas a ladeira da ética...
Exclusivo: o papel do general Augusto Heleno na tentativa de golpe em 8 de janeiro
O general Augusto Heleno foi um dos mentores intelectuais dos ataques do 8 de janeiro, desmontou a estrutura de segurança que permitiria garantir a integridade da Presidência e era a grande referência militar para os grupos extremistas. Seu papel será julgado pelo STF
ESTRATEGISTA General Augusto Heleno fortaleceu a área de segurança e inteligência do governo e era referência para os extremistas (Crédito: Gabriela Biló)
Os inquéritos sobre os ataques de 8 de janeiro exibem números impressionantes. Dos 1.398 presos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 835. Destes, 645 são classificados como “incitadores”, 189 como “executores” e 1 é um agente público citado por omissão. Mas nenhum militar entrou na mira da PGR. Em breve as apurações sobre a invasão à sede dos três Poderes tomarão um novo rumo. Também será averiguada a participação dos generais mais próximos a Jair Bolsonaro. Entre eles, destaca-se aquele que tinha o controle sobre o aparato de segurança e informações do governo e era o responsável por órgãos que deveriam ter se antecipado aos acontecimentos e agido diante dos riscos de ataque: o general Augusto Heleno. Ele deve ser investigado por seu papel como um dos mentores intelectuais do golpe de 8 de janeiro.
O general deixou no final de dezembro a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que controlava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Será investigado porque desmontou o GSI para que o órgão ficasse totalmente inerte no dia 8. Tirou militares de posições importantes do órgão e da Abin para deixá-los sem reação. “Heleno foi de uma conivência abissal”, diz um ministro do Supremo. O militar só deixou gente da confiança dele nos principais postos, e essa ação foi o que mais contribuiu para a falta de um projeto de reação do governo no dia do golpe.
Muitas dúvidas ainda pairam sobre a atividade dos subordinados no dia dos atentados. Um dos homens de confiança de Heleno, o coronel do Exército José Placídio Matias dos Santos, participou dos eventos e pediu nas redes sociais que as Forças Armadas “entrassem no jogo, desta vez do lado certo”. Ainda conclamou o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, a “cumprir o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade”. O oficial depois apagou as mensagens, mas o recado foi dado. Há muitas questões não esclarecidas. No dia da invasão, o secretário do Consumidor do Ministério da Justiça, Wadih Damous, denunciou em um vídeo o roubo de armas e munições em uma sala do GSI no Planalto. Segundo ele, os invasores tinham informação de que naquele local havia armamentos e documentos. “Isso significa informação.” Também há relatos de que militares do GSI tentaram facilitar a saída de depredadores pelo térreo do prédio, sem serem presos.
Personalidades do mundo jurídico destacam o papel central de Augusto Heleno na preparação para o golpe, mas dizem que será difícil caracterizar o papel do militar encontrando ordens executivas de sua autoria ligando-o aos eventos. Por outro lado, sua culpabilidade poderá ser fundamentada pela conivência ou pelas falhas deliberadas na estrutura que montou e comandou para garantir a segurança da Presidência – e que deixou de atuar no 8 de janeiro. Mas a omissão é um crime difícil de provar. Será preciso averiguar “de baixo para cima” a cadeia de comando para identificar as responsabilidades.
O ex-ministro do GSI é visto como um dos principais, se não o principal, articulador de uma tentativa de golpe de Estado que começou a ser conspirada meses antes das invasões. Fontes ligadas à Segurança Pública e ouvidas por ISTOÉ relatam que Heleno teria usado o aparato técnico do órgão que comandava e a influência nas Forças Armadas para evitar a posse do presidente Lula. As articulações que aconteciam nos bastidores eram retratadas a apoiadores com veemência após a vitória de Lula. E no dia dos ataques isso teria se refletido, entre outras ações, na facilitação do acesso de radicais ao Planalto. “Você acha que alguém entra assim do jeito que entrou?”, questionou uma das fontes. Um almirante influente no governo Bolsonaro e próximo de Augusto Heleno teria enfatizado várias vezes a seus subordinados e em reuniões de segurança que o novo presidente não governaria. “Foi uma tentativa de golpe. Ele não se consumou porque não conseguiram consolidar a maioria no Exército”, disse outra pessoa sob condição de anonimato.
As tentativas de consolidação dessa “maioria” necessária para executar um plano golpista não foram poucas, conforme os relatos colhidos por ISTOÉ. Várias reuniões teriam ocorrido com a intermediação de Heleno. Pelo menos três fontes diferentes citam uma ocasião específica – após o segundo turno – em que estavam presentes Heleno, o general Walter Braga Netto e representantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica. A pauta: como articular um possível golpe de Estado. Dentre os participantes do encontro, somente o membro da Aeronáutica teria sido contra a tratativa e se revoltado com a ideia proposta. Mas a revolta foi ignorada pelos demais, e um dos resultados dessa reunião, ainda segundo as fontes ouvidas pela reportagem, foi a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. “Não foi uma brincadeira, estivemos a um passo do golpe”, frisou um dos informantes.
Desde que assumiu o núcleo mais sensível no Planalto, o GSI, Augusto Heleno aumentou enormemente o papel do órgão. Passou a controlar a área de segurança, monitorando todas as informações sobre os grupos radicais. Por sua atuação, ele sempre foi uma referência para os extremistas. Em novembro de 2021, a ativista Sara Winter revelou à ISTOÉ que foi orientada diretamente por Heleno, no Palácio do Planalto, na época em que ela articulava o “Acampamento dos 300”. “Ele pediu para deixar de bater na imprensa e no [Rodrigo] Maia e redirecionar todos os esforços contra o STF”, disse ela. No dia 13 de junho de 2020, o grupo marchou em direção ao STF e atacou a sua sede com fogos de artifício, numa “advertência”. O papel do general entre radicais aumentou após a eleição de Lula e especialmente depois que Bolsonaro deixou o País. Um dos posts mais compartilhados na época traz uma manifestante que mostrava um link do Diário Oficial supostamente transferindo a Presidência para Heleno. Seria uma “estratégia” de Bolsonaro. Militantes divulgaram nas redes que “Bolsonaro passou todo o poder para o GSI”, ou então que “o general Heleno é o presidente da República. Ele é o melhor estrategista do País, talvez do mundo”.
Catalisador do golpe
Essa busca de “mensagens ocultas” pode até ter um fundo de verdade, aponta um jurista. Uma resolução publicada no dia 23 de dezembro pelo próprio Augusto Heleno estabeleceu grupos de trabalho técnicos em diversos ministérios sob a coordenação do GSI. “Tudo parece inocente”, mas as más intenções se revelam mais tarde e há um teor “perigoso”, pondera o especialista. Normas como essa poderiam ser empregadas como catalisadores da ala militar hostil ao resultado das urnas. Funcionariam em conjunto com outros documentos golpistas que circularam em Brasília após as eleições, um fato reconhecido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, publicamente. Em depoimento à Polícia Federal, mais tarde, o político disse que se tratava de “uma metáfora”. Já a minuta apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, citada acima, tinha um conteúdo golpista bem explícito. Era o esboço de um decreto para o então presidente Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE, revertendo o resultado do pleito presidencial e delegando na prática ao Ministério da Defesa a condução do processo eleitoral. Torres, que diz desconhecer a origem da minuta, está preso pela sua omissão nos atentados, quando comandava a Secretaria de Segurança do DF.
Estabelecer a materialidade das iniciativas golpistas é um desafio. Depois de 30 de outubro, circularam áudios no WhatsApp com a voz de Augusto Heleno em que o general dizia com voz serena, mas assertiva, que a eleição havia sido fraudada e que ele não podia adiantar medidas que estavam em discussão, pois “há ainda muita coisa em jogo”. O GSI desmentiu e considerou o áudio como “fake de péssima qualidade”. O jornal O Estado de S.Paulo o submeteu a dois peritos, que disseram não ser possível atribuir a voz ao general. Mas uma gravação vazada após evento da Abin, em 14 de dezembro de 2021, reproduz o general criticando as atitudes de “dois ou três” ministros do STF. Nesse áudio, ele disse que um dos Poderes está tentando “esticar a corda até ela arrebentar”. “Tenho que tomar dois lexotan na veia por dia para não levar Bolsonaro a tomar uma atitude mais drástica em relação ao STF”, afirmou na ocasião.
E não há dúvidas sobre o sentido de suas manifestações públicas. Quando ocorreu uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado no dia 30 de novembro, em que vários bolsonaristas questionaram o resultado das urnas, o general conclamou: “Vamos lá discutir os temas que nos afligem. Coragem, força e fé. O Brasil acima de tudo”.
Para Leonardo Nascimento, do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, as manifestações do general Heleno ao longo do tempo contribuíram para galvanizar os grupos bolsonaristas que participaram do 8 de janeiro. Segundo o pesquisador, as declarações e postagens do ex-ministro do GSI foram fundamentais também para que se criasse em torno dele uma certa “mística”. Nascimento vem monitorando grupos bolsonaristas em redes sociais nos últimos anos e acompanha de perto os efeitos das manifestações de Bolsonaro sobre seus seguidores. O ex-presidente seria o “grande oráculo de desinformação” desses grupos, nos quais tudo o que fala tem ressonância direta. Na sua ausência, ganharam mais importância as declarações de ‘sub-oráculos’, caso de Heleno. O próprio general teria se colocado nesse papel. “Heleno sempre foi o que mais deu declarações no sentido da ruptura institucional. Foi sempre o ministro que cumpria esse papel de verbalizar essa possibilidade, essa intenção.”
Sem papas na língua
O general Heleno é conhecido entre os apoiadores por falar sem “papas na língua”. Em julho do ano passado, durante uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, ele defendeu o sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, alocado no GSI, que gravou um vídeo defendendo um golpe militar. Heleno alegou que se tratava da ação de um cidadão brasileiro que tinha “o direito de se pronunciar”. Parlamentares avaliam como graves os indícios de participação de Heleno em ações golpistas. A deputada federal Dandara Tonantzin (PT) protocolou um requerimento para convidar o general a prestar esclarecimentos. “O depoimento poderá trazer elementos importantes sobre a inação da atuação do GSI no dia 8 de janeiro”, justifica. Já para o deputado Rogério Correa, também do PT, o histórico de Heleno é repleto de conspirações. Em 2020, o parlamentar fez parte do grupo de deputados que protocolaram um pedido de impeachment no STF do então ministro do GSI, após ele falar em “consequências graves” caso Bolsonaro fosse obrigado a entregar o celular no inquérito que apurava se o então presidente havia interferido na PF. “Ele já ameaçava com o golpe desde aquela época. E o 8 de janeiro tem tudo a ver com isso”, enfatiza.
Depois do 8 de janeiro, Heleno sumiu das redes sociais – seus últimos tuites são do dia 7 de janeiro. Ao longo do ano passado, ele vinha se mantendo bastante ativo nas redes, fazendo campanha eleitoral para Bolsonaro e retuitando posts do então presidente, além de atacar Lula, a quem chamava de “ex-presidiário”. A atividade nas redes mudou depois do segundo turno, quando, além do tuíte celebrando a audiência pública golpista do dia 30 de novembro, Heleno fez apenas algumas poucas publicações, em grande parte para contestar reportagens.
O historiador e cientista político Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ, lembra o “DNA golpista” de Heleno, que na década de 1970, ainda capitão, atuou como ajudante de ordens do então ministro do Exército Sylvio Frota, que tentou articular um golpe contra o presidente Ernesto Geisel. “Ele já naquela época estava conspirando e fez parte daquela tentativa fracassada de ‘golpe dentro do golpe’, perpetrado pela chamada linha dura dos militares”, diz o professor. “Foi muito grave, não só pela tentativa de ruptura, mas porque foi contra um general presidente, contra um superior hierárquico”, destaca. O professor lembra que posteriormente o ex-ministro foi favorecido pelo governo do PT, que o nomeou para o Haiti. “Isso contribuiu para essa mítica de que eles estiveram em combate, de que são guerreiros. Mas não se lembra que lutaram contra uma população faminta. E esses militares voltam ao Brasil se dizendo aptos a administrar o Estado”, diz. “Vimos militares lotados no GSI participando dos acampamentos antidemocráticos em frente a quartéis. Heleno não sabia? Ou foi ele que incentivou ou mesmo deu a ordem? Porque aí a participação dele muda de patamar. Passa a ser também por ação, e não só por omissão.”
Novos generais
Após os atentados de 8 de janeiro, Lula disse que não foi avisado pelos serviços de inteligência sobre o risco iminente. Mas um relatório sigiloso enviado pelo GSI ao Congresso aponta que o governo foi informado. O alerta teria sido produzido pela Abin e compartilhado com órgãos federais. Na época, o ministro responsável pelo GSI era o general da reserva Gonçalves Dias, indicado por Lula. Por isso, Dias passou a ser visto com reservas pelos petistas. A hipótese de uma conspiração antidemocrática sempre esteve no radar do novo governo. Um exemplo foi quando o GSI tentou fazer parte do esquema de segurança do governo de transição, mas a equipe que cuidava da proteção do presidente eleito explicou aos agentes que a participação deles seria desnecessária. A desconfiança estaria pautada nas suspeitas de que a estrutura estava sendo utilizada com viés golpista. “A certeza é que houve leniência do GSI, antes, durante e depois. Às 6h da manhã o acesso [do Planalto] já estava liberado”, disse uma pessoa que acompanhou as reuniões de segurança após o ato terrorista. “Era a primeira semana de governo, a maioria que estava era a turma antiga”, acrescentou, sobre a equipe que compunha o GSI. Só em janeiro, pelo menos 13 militares do órgão, foram exonerados.
Segue lentamente o trabalho de despolitizar os quartéis. Na terça-feira, 14, o Alto-Comando do Exército definiu os nomes de três generais promovidos a quatro estrelas. Entre eles está Luiz Fernando Baganha, ex-secretário-executivo de Augusto Heleno no GSI. De acordo com uma fonte militar que já transitou na cúpula da caserna, são todos nomes sem atuação política. O Alto-Comando estaria tentando se desvincular “o mais rapidamente possível” da “encrenca” na qual os militares se meteram nos últimos quatro anos. “Os generais da ativa estão focados nisso, sabem o dano causado pelo envolvimento com Bolsonaro e agora só querem ‘tocar o barco’, fazer ‘coisa de soldado’”, afirma o oficial. “Sobrou um monte de trabalho pro Exército, um monte de gente pra punir.” Apesar de ter atuado como braço-direito de Heleno, Baganha não é considerado da sua cota pessoal. Teria trabalhado ao lado dele no GSI de forma “absolutamente circunstancial”. Mas outros nomes ligados a Heleno foram preteridos. O principal é Carlos José Russo Assumpção Penteado, que também foi seu secretário-executivo no GSI e estava no cargo nos ataques de 8 de janeiro.
A movimentação nos bastidores é lenta. O novo chefe do GSI apenas no dia 26 de janeiro abriu uma sindicância para apurar a atuação de funcionários do órgão. O governo tem resistido a apoiar uma investigação extensiva sobre o papel dos militares, em parte para evitar ampliar a resistência que existe na caserna contra o petismo. Lula também tenta impedir a abertura da CPI dos Atos Golpistas. A PF já investiga ações e omissões que permitiram as invasões, inclusive da parte de agentes do GSI. Mas há ministros do STF incomodados com a falta de empenho da corporação e do Ministério da Justiça em relação aos militares. A responsabilização deles é atualmente um dos temas mais nevrálgicos. Muitos gostariam que, no caso dos fardados, tudo ficasse restrito ao Superior Tribunal Militar (STM). Mas, com a disposição do STF de levar adiante a investigação e trazer o caso para sua jurisdição, será difícil evitar esse encontro com a verdade. É um passo importante para evitar que o País volte a enfrentar novas ameaças autoritárias.
Generais serão investigados
Além de Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos também estão na mira do STF
Além de Augusto Heleno, o STF decidiu investigar outros dois generais de Bolsonaro que foram decisivos para os atos de 8 de janeiro: Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Junto com Heleno, os dois foram autores intelectuais do golpe, supõe-se. Braga Netto é visto como tendo um papel-chave. Afinal, ele tinha ascendência com as tropas e era o candidato a vice de Bolsonaro.
Foi ministro da Casa Civil a partir de fevereiro de 2020 até março de 2021, quando o ex-presidente demitiu o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes das três Forças: Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica). Esse episódio representou a maior crise militar desde a demissão do ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977. Na época, Frota articulava um golpe contra Geisel, e tinha como ajudante de ordens exatamente Augusto Heleno. Braga Netto então assumiu o Ministério da Defesa e só se afastou em abril do ano passado, para concorrer como vice na chapa de reeleição de Bolsonaro.
O outro general que está severamente envolvido com o golpe é Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria de Governo e da Casa Civil, que chegou inclusive a organizar a “live”, em julho de 2021, em que Bolsonaro iria apresentar evidências de que houve fraude das eleições. Na ocasião, o ex-presidente reconheceu que não tinha provas. Um técnico de informática que participou da transmissão, Marcelo Abrieli, declarou em depoimento à PF que antes dessa participação havia sido chamado ao Planalto por Ramos e que conhecia o general desde 2018, quando este ocupava a chefia do Comando Militar do Sudeste. Ramos foi também titular da Secretaria-Geral da Presidência até dezembro passado, e era amigo próximo de Bolsonaro desde os tempos da Academia das Agulhas Negras, nos anos 1970. Foi preterido para o posto de vice na chapa da reeleição, mas permaneceu atuando no círculo íntimo do presidente. Os três generais, segundo ministros do STF, podem ser considerados os principais articuladores militares da tentativa de golpe de Bolsonaro.
O título foi inspirado em versos do célebre poema "Caminante no hay camino", do poeta sevilhano Antonio Machado (http://www.poemas-del-alma.com/antonio-machado-caminante-no-hay-camino.htm). Sou Schabib Hany, revisor, tradutor e produtor de texto, membro fundador da OCCA Pantanal (Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente), entidade sócio-ambiental sediada no coração do Pantanal e da América do Sul), formada por membros remanescentes da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, inspirada pelo sociólogo Herbert de Souza, o saudoso Betinho. Membro articulador do Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá) e do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), de cuja coordenação colegiada sou integrante.