GINÁSIO
INDUSTRIAL DR. JOÃO LEITE DE BARROS
O Professor Elias Nemir era o
diretor e a Professora Mary Nachif a vice-diretora. Ao não receber autorização
da Delegacia Regional de Ensino, em 1973, para oferecer o científico aos
alunos, a ‘festa de formatura’ foi a grande despedida desse educandário com seu
pioneiro projeto de ginásio industrial, de 1962.
Quarenta e oito anos atrás, num 8 de dezembro
(sábado), no ginásio do Riachuelo Futebol Clube, fazíamos a nossa festa de
despedida do desde 1972 denominado primeiro grau. Sob o glamour de uma clássica
formatura, com direito a convite, missa e culto ecumênico, desde o dia 6 de
dezembro estávamos a postos, para, mais que comemorar a conclusão do antigo
ginásio, celebrar a nossa Amizade para o resto de nossas Vidas...
O diretor era o querido Professor Elias Francisco
Machado Nemir e a vice-diretora a também querida Professora Mary Calix Nachif,
tendo como antecessor o saudoso Professor José Eduardo Scaffa Chelotti, muito
dinâmico e generoso na direção da escola – aliás, construída em grande parte
pelos próprios alunos e alunas no horário destinado à disciplina de Educação
Física, como a quadra, a cantina e o modesto auditório. Além do Centro Cívico
(exigido pelo regime de 1964 a partir de 1972), tínhamos Clube de Leitura,
Clube de Ciências e Clube da Matemática, cuja dinâmica dependia da dedicação
dos alunos.
Como milhares de crianças, adolescentes, jovens e
adultos em Corumbá e Ladário, fui dos privilegiados a estudar em um projeto
vanguardista anterior ao regime de 1964. Em dezembro de 1969 fiz o Exame de
Admissão (era esse o nome oficial para ingressar no antigo ginásio, de acordo
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1962) e, dez dias
depois, vi meu nome entre os aprovados para estudar no concorrido Ginásio
Industrial Dr. João Leite de Barros, cujo diretor, o saudoso Professor Chelotti,
na primeira semana de aulas recebia, um a um, todos os alunos como se fossem
únicos.
Não posso esquecer que meu ingresso ao Ginásio
Industrial foi por conta da qualidade do ensino da Escola Batista de Corumbá,
cuja regente, a querida Professora Irlene Maria dos Santos Bareiro (na época
noiva do Irmão de nosso colega e Amigo Roque Bareiro, aliás, que já celebraram
bodas de ouro), se dedicava a sanar todas as dúvidas que por ventura tivéssemos
acerca da gama de assuntos das seis disciplinas exigidas no concorrido exame
seletivo, incluindo a temida redação. Daí minha gratidão à Professora Irlene, à
Professora Dalva (diretora da Escola e Mãe do Arnon e da Manon) e ao saudoso
Pastor Cosmo Gomes de Souza (titular da Primeira Igreja Batista e depois colega
de meu saudoso Irmão Mohamed no curso de Psicologia no então CPC/UEMT), que nos
recebia recitando o versículo João 3:16, gravado até hoje em nossa memória.
Hoje é Escola Estadual Dr. João Leite de Barros,
cujo endereço, desde 1976, é outro: rua Cabral, 761, no centro de Corumbá. O
prédio, tombado pelo IPHAN, de autoria do genial arquiteto e humanista Oscar
Niemayer (feito antes de seu célebre projeto-piloto de Brasília), foi
inaugurado em 1951 para o Colégio Estadual Maria Leite (o memorável CEML),
atualmente em outro endereço, à rua Portocarrero, 94, centro – e o curioso é
que nesse período o vice-governador de Mato Grosso era o Dr. Cássio Leite de
Barros e o secretário de Educação e Cultura, o Dr. Salomão Baruki, dois
corumbaenses aguerridos. Mas não conseguiram impedir que fosse cometido esse
desatino contra dois educandários históricos, cada qual por suas razões
específicas.
Entre 1969 e 1973, o então Ginásio Industrial
(depois Escola Estadual, por força da Lei nº 5.692/1971) Dr. João Leite de
Barros se situava no mesmo terreno da atual Escola Estadual Dr. Gabriel Vandoni
de Barros (mas o acesso ao Ginásio Industrial era pela rua Nossa Senhora de
Fátima, que atravessa a avenida Nossa Senhora da Candelária, acesso do atual
Vandoni). Criado em 1962, o nome foi uma homenagem ao ex-deputado João Leite de
Barros, sendo sua sede provisória o prédio da Seleta Sociedade Caritativa e
Humanitária (SSCH), Quadro de Corumbá, na confluência da Silva Jardim e
Albuquerque, no entorno da Vila Mamona. Somente em 1967, sob a direção do
Professor Chelotti, é que o ‘Industrial’, como era carinhosamente chamado pela
comunidade, teve sua sede própria entregue, ainda que incompleta. Por isso a
comunidade escolar, inclusive alunos, precisou “pôr a mão na massa” para
melhorar as condições físicas da escola.
Corumbá, como todo o Brasil, vivia entre 1970 e 1973
o fechamento do regime de 1964. Eram perceptíveis, entretanto, os sobressaltos
decorrentes da inimaginável vitória acachapante dos candidatos do PSD e aliados
(trabalhistas, socialistas e até comunistas), em 1965, sobre os da UDN – em
Mato Grosso, a vitória de Pedro Pedrossian contra Lúdio Martins Coelho –, que
se revelaram determinantes para a saída do marechal Humberto Alencar Castello
Branco do Palácio do Planalto ao lado do ideólogo de 1964, general Golbery do
Couto e Silva e a sua substituição pelos generais da linha dura, entre eles
Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. Os líderes civis de 1964,
entre eles Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, também saíram derrotados em seus
estados (da Guanabara e de Minas, onde os peessedistas Negrão de Lima e Israel
Pinheiro foram vitoriosos). Ainda que fraca, a oposição se articulou numa
frente ampla, logo reprimida pelos novos ocupantes dos principais cargos da
República, e nem as manifestações dos estudantes, intelectuais, artistas,
cientistas, advogados, trabalhadores sindicalizados e clérigos de diferentes
denominações religiosas os sensibilizavam.
Obviamente, o coração do Pantanal e da América do
Sul amargava um elevado preço não só político, mas econômico e social, pelos
cruentos tempos que desabavam sobre os horizontes do país. De principal centro
econômico do estado, em vinte e um anos (quando encerrara melancolicamente o regime),
o então entreposto comercial pujante e cosmopolita estava à deriva, sem rumos,
como o governo do estado recém-criado (sobretudo, por casuísmo político, pois o
partido de sustentação do regime, a ARENA, estava na iminência de perder a
confortável maioria nas duas casas do Congresso Nacional, e era necessário fazer,
a toque de caixa, alguns truques, como criar a figura do senador biônico,
indicado pela bancada majoritária nos estados, coincidentemente da ARENA, além
da fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, dois estados
tradicionalmente oposicionistas, e a divisão de Mato Grosso, estado
predominantemente governista, o que aumentaria significativamente o número de parlamentares
do partido situacionista).
A tradição política trabalhista da Corumbá
cosmopolita, responsável pela vitória pedrista em 1965, causou o isolamento
político e econômico da Cidade Branca. Além de eleger e reeleger o comerciário
Cecílio de Jesus Gaeta deputado estadual oposicionista (pero no mucho) durante todo o regime, o eleitorado de Corumbá foi
privado de eleger seu prefeito ao longo desse período, que, como Área de
Segurança Nacional (igual Ladário), tinha seu prefeito nomeado com base numa
lista tríplice pelo presidente da República. Mas o esvaziamento político ficou
muito mais perceptível depois da divisão do estado.
Muitos não entendem por que em Corumbá e Ladário
não há muita simpatia pelo estado de Mato Grosso do Sul, nascido para ser
modelo e que virou novelo em tempos da ditadura resultante do golpe de 1964.
Acontece que, com a divisão de Mato Grosso, além da divisão do Pantanal (que
trouxe muito prejuízo à população da região ao segmentar a ligação histórica e
econômica do bioma), as elites cuiabanas tinham fortes vínculos com o Pantanal
todo, o que Campo Grande não oferecia. Isso levou quase uma década para ser
notado pelo governo do novo estado, na verdade no segundo mandato do governador
Wilson Barbosa Martins, o primeiro a ser eleito pelo voto direto em 1982 (e
tornou a ser eleito de novo em 1994, novamente sucedendo Pedro Pedrossian).
Se o troca-troca de prédios históricos das Escolas
Maria Leite e João Leite de Barros, por si só, já antevissem, como premonição,
o desastre para a população pantaneira que foi a divisão de Mato Grosso e
criação de Mato Grosso do Sul, as primeiras décadas do novo estado não foram
suficientes para acolher com cordura e respeito os anseios centenários de
Corumbá e de Ladário, baluartes do progresso e da integração internacional do sul
de Mato Grosso e centro gerador de tributos para bancar a hipertrofiada máquina
estatal, em que as oligarquias, tanto nortistas como sulistas, mantinham seu clientelismo
atávico desde os tempos dos capitães-generais, ainda durante a colonização.
Enfim, tal qual o destino das escolas Maria Leite
e João Leite de Barros, os horizontes da laboriosa, hospitaleira e
culturalmente diversa população de Corumbá e Ladário foram preteridos (muitas
vezes até com acintoso deboche) pelos tecnocratas e políticos provincianos a
serviço das novas-velhas oligarquias sulistas. O imponente prédio do Maria
Leite, projetado por Oscar Niemayer, não mais faz parte da história daquela comunidade
(até porque ‘aquela comunidade’ perdeu sua identidade ou emigrou em busca de
novos horizontes), como também o emblemático projeto de Ginásio Industrial
deixou de existir em 1976, véspera da súbita e antidemocrática (porque
realizada sem consulta aos diversos segmentos populacionais) divisão do
Pantanal, e que coincide com a perda de identidade do João Leite de Barros,
hoje instalado em prédio que não lhe pertence historicamente, ainda que a
comunidade escolar do querido ‘JLB’ teime resistir, re-existir (até porque em
seu modesto prédio original foi construído o Vandoni)...
O centenário Maria Leite e o sexagenário João
Leite de Barros têm em comum muito mais que adversidades decorrentes da
perversidade das elites políticas regionais: têm a história, a trajetória de
centenas de milhares de outrora (e atuais e futuros) jovens em formação, muitos
dos quais possivelmente célebres ou competentes profissionais em cujo âmago
trazem a Vida de Professores e Professoras (com letras maiúsculas) que
dedicaram suas Vidas para forjar o caráter e formar a base científica e
humanística de cidadãos laboriosos e probos, desejosos de um porvir justo,
generoso e progressista para as sociedades humanas, a começar pela longeva
(milenar) sociedade corumbaense e ladarense.
Ahmad
Schabib Hany
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