domingo, 12 de dezembro de 2021

GINÁSIO INDUSTRIAL DR. JOÃO LEITE DE BARROS

GINÁSIO INDUSTRIAL DR. JOÃO LEITE DE BARROS

O Professor Elias Nemir era o diretor e a Professora Mary Nachif a vice-diretora. Ao não receber autorização da Delegacia Regional de Ensino, em 1973, para oferecer o científico aos alunos, a ‘festa de formatura’ foi a grande despedida desse educandário com seu pioneiro projeto de ginásio industrial, de 1962.

Quarenta e oito anos atrás, num 8 de dezembro (sábado), no ginásio do Riachuelo Futebol Clube, fazíamos a nossa festa de despedida do desde 1972 denominado primeiro grau. Sob o glamour de uma clássica formatura, com direito a convite, missa e culto ecumênico, desde o dia 6 de dezembro estávamos a postos, para, mais que comemorar a conclusão do antigo ginásio, celebrar a nossa Amizade para o resto de nossas Vidas...

O diretor era o querido Professor Elias Francisco Machado Nemir e a vice-diretora a também querida Professora Mary Calix Nachif, tendo como antecessor o saudoso Professor José Eduardo Scaffa Chelotti, muito dinâmico e generoso na direção da escola – aliás, construída em grande parte pelos próprios alunos e alunas no horário destinado à disciplina de Educação Física, como a quadra, a cantina e o modesto auditório. Além do Centro Cívico (exigido pelo regime de 1964 a partir de 1972), tínhamos Clube de Leitura, Clube de Ciências e Clube da Matemática, cuja dinâmica dependia da dedicação dos alunos.

Como milhares de crianças, adolescentes, jovens e adultos em Corumbá e Ladário, fui dos privilegiados a estudar em um projeto vanguardista anterior ao regime de 1964. Em dezembro de 1969 fiz o Exame de Admissão (era esse o nome oficial para ingressar no antigo ginásio, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1962) e, dez dias depois, vi meu nome entre os aprovados para estudar no concorrido Ginásio Industrial Dr. João Leite de Barros, cujo diretor, o saudoso Professor Chelotti, na primeira semana de aulas recebia, um a um, todos os alunos como se fossem únicos.

Não posso esquecer que meu ingresso ao Ginásio Industrial foi por conta da qualidade do ensino da Escola Batista de Corumbá, cuja regente, a querida Professora Irlene Maria dos Santos Bareiro (na época noiva do Irmão de nosso colega e Amigo Roque Bareiro, aliás, que já celebraram bodas de ouro), se dedicava a sanar todas as dúvidas que por ventura tivéssemos acerca da gama de assuntos das seis disciplinas exigidas no concorrido exame seletivo, incluindo a temida redação. Daí minha gratidão à Professora Irlene, à Professora Dalva (diretora da Escola e Mãe do Arnon e da Manon) e ao saudoso Pastor Cosmo Gomes de Souza (titular da Primeira Igreja Batista e depois colega de meu saudoso Irmão Mohamed no curso de Psicologia no então CPC/UEMT), que nos recebia recitando o versículo João 3:16, gravado até hoje em nossa memória.

Hoje é Escola Estadual Dr. João Leite de Barros, cujo endereço, desde 1976, é outro: rua Cabral, 761, no centro de Corumbá. O prédio, tombado pelo IPHAN, de autoria do genial arquiteto e humanista Oscar Niemayer (feito antes de seu célebre projeto-piloto de Brasília), foi inaugurado em 1951 para o Colégio Estadual Maria Leite (o memorável CEML), atualmente em outro endereço, à rua Portocarrero, 94, centro – e o curioso é que nesse período o vice-governador de Mato Grosso era o Dr. Cássio Leite de Barros e o secretário de Educação e Cultura, o Dr. Salomão Baruki, dois corumbaenses aguerridos. Mas não conseguiram impedir que fosse cometido esse desatino contra dois educandários históricos, cada qual por suas razões específicas.

Entre 1969 e 1973, o então Ginásio Industrial (depois Escola Estadual, por força da Lei nº 5.692/1971) Dr. João Leite de Barros se situava no mesmo terreno da atual Escola Estadual Dr. Gabriel Vandoni de Barros (mas o acesso ao Ginásio Industrial era pela rua Nossa Senhora de Fátima, que atravessa a avenida Nossa Senhora da Candelária, acesso do atual Vandoni). Criado em 1962, o nome foi uma homenagem ao ex-deputado João Leite de Barros, sendo sua sede provisória o prédio da Seleta Sociedade Caritativa e Humanitária (SSCH), Quadro de Corumbá, na confluência da Silva Jardim e Albuquerque, no entorno da Vila Mamona. Somente em 1967, sob a direção do Professor Chelotti, é que o ‘Industrial’, como era carinhosamente chamado pela comunidade, teve sua sede própria entregue, ainda que incompleta. Por isso a comunidade escolar, inclusive alunos, precisou “pôr a mão na massa” para melhorar as condições físicas da escola.

Corumbá, como todo o Brasil, vivia entre 1970 e 1973 o fechamento do regime de 1964. Eram perceptíveis, entretanto, os sobressaltos decorrentes da inimaginável vitória acachapante dos candidatos do PSD e aliados (trabalhistas, socialistas e até comunistas), em 1965, sobre os da UDN – em Mato Grosso, a vitória de Pedro Pedrossian contra Lúdio Martins Coelho –, que se revelaram determinantes para a saída do marechal Humberto Alencar Castello Branco do Palácio do Planalto ao lado do ideólogo de 1964, general Golbery do Couto e Silva e a sua substituição pelos generais da linha dura, entre eles Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. Os líderes civis de 1964, entre eles Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, também saíram derrotados em seus estados (da Guanabara e de Minas, onde os peessedistas Negrão de Lima e Israel Pinheiro foram vitoriosos). Ainda que fraca, a oposição se articulou numa frente ampla, logo reprimida pelos novos ocupantes dos principais cargos da República, e nem as manifestações dos estudantes, intelectuais, artistas, cientistas, advogados, trabalhadores sindicalizados e clérigos de diferentes denominações religiosas os sensibilizavam.

Obviamente, o coração do Pantanal e da América do Sul amargava um elevado preço não só político, mas econômico e social, pelos cruentos tempos que desabavam sobre os horizontes do país. De principal centro econômico do estado, em vinte e um anos (quando encerrara melancolicamente o regime), o então entreposto comercial pujante e cosmopolita estava à deriva, sem rumos, como o governo do estado recém-criado (sobretudo, por casuísmo político, pois o partido de sustentação do regime, a ARENA, estava na iminência de perder a confortável maioria nas duas casas do Congresso Nacional, e era necessário fazer, a toque de caixa, alguns truques, como criar a figura do senador biônico, indicado pela bancada majoritária nos estados, coincidentemente da ARENA, além da fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, dois estados tradicionalmente oposicionistas, e a divisão de Mato Grosso, estado predominantemente governista, o que aumentaria significativamente o número de parlamentares do partido situacionista).

A tradição política trabalhista da Corumbá cosmopolita, responsável pela vitória pedrista em 1965, causou o isolamento político e econômico da Cidade Branca. Além de eleger e reeleger o comerciário Cecílio de Jesus Gaeta deputado estadual oposicionista (pero no mucho) durante todo o regime, o eleitorado de Corumbá foi privado de eleger seu prefeito ao longo desse período, que, como Área de Segurança Nacional (igual Ladário), tinha seu prefeito nomeado com base numa lista tríplice pelo presidente da República. Mas o esvaziamento político ficou muito mais perceptível depois da divisão do estado.

Muitos não entendem por que em Corumbá e Ladário não há muita simpatia pelo estado de Mato Grosso do Sul, nascido para ser modelo e que virou novelo em tempos da ditadura resultante do golpe de 1964. Acontece que, com a divisão de Mato Grosso, além da divisão do Pantanal (que trouxe muito prejuízo à população da região ao segmentar a ligação histórica e econômica do bioma), as elites cuiabanas tinham fortes vínculos com o Pantanal todo, o que Campo Grande não oferecia. Isso levou quase uma década para ser notado pelo governo do novo estado, na verdade no segundo mandato do governador Wilson Barbosa Martins, o primeiro a ser eleito pelo voto direto em 1982 (e tornou a ser eleito de novo em 1994, novamente sucedendo Pedro Pedrossian).

Se o troca-troca de prédios históricos das Escolas Maria Leite e João Leite de Barros, por si só, já antevissem, como premonição, o desastre para a população pantaneira que foi a divisão de Mato Grosso e criação de Mato Grosso do Sul, as primeiras décadas do novo estado não foram suficientes para acolher com cordura e respeito os anseios centenários de Corumbá e de Ladário, baluartes do progresso e da integração internacional do sul de Mato Grosso e centro gerador de tributos para bancar a hipertrofiada máquina estatal, em que as oligarquias, tanto nortistas como sulistas, mantinham seu clientelismo atávico desde os tempos dos capitães-generais, ainda durante a colonização.

Enfim, tal qual o destino das escolas Maria Leite e João Leite de Barros, os horizontes da laboriosa, hospitaleira e culturalmente diversa população de Corumbá e Ladário foram preteridos (muitas vezes até com acintoso deboche) pelos tecnocratas e políticos provincianos a serviço das novas-velhas oligarquias sulistas. O imponente prédio do Maria Leite, projetado por Oscar Niemayer, não mais faz parte da história daquela comunidade (até porque ‘aquela comunidade’ perdeu sua identidade ou emigrou em busca de novos horizontes), como também o emblemático projeto de Ginásio Industrial deixou de existir em 1976, véspera da súbita e antidemocrática (porque realizada sem consulta aos diversos segmentos populacionais) divisão do Pantanal, e que coincide com a perda de identidade do João Leite de Barros, hoje instalado em prédio que não lhe pertence historicamente, ainda que a comunidade escolar do querido ‘JLB’ teime resistir, re-existir (até porque em seu modesto prédio original foi construído o Vandoni)...

O centenário Maria Leite e o sexagenário João Leite de Barros têm em comum muito mais que adversidades decorrentes da perversidade das elites políticas regionais: têm a história, a trajetória de centenas de milhares de outrora (e atuais e futuros) jovens em formação, muitos dos quais possivelmente célebres ou competentes profissionais em cujo âmago trazem a Vida de Professores e Professoras (com letras maiúsculas) que dedicaram suas Vidas para forjar o caráter e formar a base científica e humanística de cidadãos laboriosos e probos, desejosos de um porvir justo, generoso e progressista para as sociedades humanas, a começar pela longeva (milenar) sociedade corumbaense e ladarense.

Ahmad Schabib Hany

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