“E
AO MAU SÓ O CARINHO O TORNA PURO E SINCERO...”
“Y al malo solo el cariño lo vuelve puro y sincero…” Imortal compositora chilena, Violeta Parra compôs
em plena maturidade “Volver a los 17”, de cujos versos extraí o fragmento que
intitula este texto. Mais que justo reconhecimento (e homenagem), é porto
seguro para a travessia necessária, para alimentar nossas almas...
A despeito da censura criminosa imposta pelas
ditaduras sanguinárias das décadas de 1960, 1970 e 1980, a juventude
desassossegada pôde desfrutar da genialidade e coragem de cantores,
compositores, atores, dramaturgos, maestros e arranjadores que ousaram desafiar
os carrascos que posavam de ‘salvadores da pátria’. Ora pelas ondas do rádio ou
pelo curso da Vida, que, como a História, não tem amos nem senhores; nem lacaios
ou serviçais.
A vantagem de viver em fronteiras de largos
horizontes, como a Corumbá cosmopolita de então, foi ter podido desfrutar,
ainda que com muita discrição e prudência, da genial criação desses seres
iluminados que a Vida generosamente nos propiciou. A humilde hospedaria com que
meus Pais proveram nossa sobrevivência e formação, sem dúvida, foi um
emblemático local de sucessivos encontros fortuitos com pessoas que de hóspedes
casuais se tornariam Amigas para o resto de nossas Vidas.
Entre elas, Estela Martínez, jovem artista
plástica chilena, que, impressionada pela história de meu Irmão Mohamed, pintou
uma tela em sua homenagem, mas que precisou fugir de seu país para permanecer
viva; o querido e agora saudoso Jorge Ocampo Claros, estudante-convênio de
Pedagogia no Centro Pedagógico de Corumbá (UEMT), com quem trocávamos fitas de
músicas e livros ‘proibidos’; o sempre lembrado João Batista (sem a letra ‘p’)
Figueiredo, curiosamente homônimo do general-presidente que viria a suceder
Ernesto Geisel a partir de 1979, hippie
e ex-membro do movimento estudantil do Rio e cuja linda Companheira (Leila, Mãe
de Brisa e de Índia) era Amiga de Cláudia Lessin Rodrigues, uma das mais
antigas vítimas de feminicídio no Brasil; Denise Abranches, ex-estudante de
História e cineasta nos Estados Unidos, que se refugiou em 1968 para não ser eliminada
por participar da resistência ao regime no Rio; a farmacêutica Maria da Graça
Leão (Mãe do Sidney, da Savana e da Manuela), que trocou Alfenas por Corumbá e
que foi Companheira do cantor e compositor Sidney Rezende, até se mudar para
Cáceres (Mato Grosso); o saudoso Leodevar Rodrigues Jardim, ex-estudante de
Agronomia em São Paulo que, para sobreviver, foi trabalhar na Codrasa (Ladário)
como almoxarife e depois como cozinheiro, e por meio de quem fiz Amizade
(dessas com letra maiúscula) com o querido e saudoso Doutor Márcio Toufic
Baruki, bem como com o Tarcísio Nozé e a Guta, sua jovem Companheira,
apresentados por ele.
Obviamente, em Corumbá os jovens radialistas Juvenal
Ávila de Oliveira, Edson Moraes (na época assinava com a preposição ‘de’ antes
do Moraes, até porque o nome completo é Edson Henrique Figueiredo de Moraes) e Augusto
Alexandrino dos Santos (o querido ‘Malah’, que se eternizou em junho de 2013,
em Campo Grande) ousavam caminhar no fio da navalha e, nos estúdios das
emissoras Difusora e Clube (só AM), davam verdadeiras aulas de cultura popular
e até de contra cultura, que no Brasil foi representada pelo genial movimento
da Tropicália. Importante frisar que Juvenal inovou quando assumiu a direção
musical da Rádio Difusora Mato-grossense S/A, ao registrar, além do intérprete,
a autoria da composição, o gênero e o selo fonográfico, despertando, assim, no
ouvinte o interesse pela história da Música Popular Brasileira e demais gêneros
musicais – isso sem falarmos da excelente seleção musical, digna da radiofonia
nacional de vanguarda.
Nessa época, as duas únicas emissoras de rádio de
Corumbá tocavam, além do entulho da indústria fonográfica (chamado de ‘sucessos’,
por meio do velho esquema do ‘jabá’), as pérolas da Música Popular Brasileira e
da música latino-americana (na grande maioria regravadas por Elis Regina,
Simone, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gal Costa, Maria Bethânia, Fátima
Guedes – irmã do saudoso Beto Guedes –, Vanusa e Cláudia, com sua inesquecível “Não
chore por mim, Argentina”, um tributo à Evita Perón, uma espécie de mártir do
Povo Argentino).
Ao lado de “Gracias a la Vida”, também de Violeta
Parra – eternizada no Brasil na voz de Elis –, “Volver a los 17” – e que no
Brasil a belíssima interpretação de Milton e Chico se encontra na memória e no
coração dos jovens de então – é composição que constitui o cerne do cancioneiro
libertário de nossa América Latina. Este subcontinente que resiste, na medida
do possível, incólume às investidas torpes de estúpidos fantoches do império
fétido, ávido por nossas riquezas desde os malditos tempos coloniais.
Tanto uma como outra composição permanece atual
nestes tempos sombrios. Porém, o mais triste é que, como nunca, queridos
Companheiros e Companheiras com quem há pouco, inclusive, continuávamos a
empreender pelas transformações tão necessárias, dão a impressão de se haverem
cansado da luta, indo na contramão da História. Explico: neste momento de
frente contra o fascismo, de unidade pela defesa do Estado de Direito – ou, melhor,
do Estado Democrático de Direito, como consta da Constituição Cidadã –, é
preciso ter generosidade e grandeza para não cairmos em ciladas e fazermos o
jogo dos arremedos de fascistas encastelados.
“Gracias a la Vida / que me ha dado tanto / me dio el
corazón / que agita su marco / cuando miro el fruto / del cerebro humano / cuando
miro al bueno / tan lejos del malo…” Pois é. Precisamos não perder a
sensibilidade para saber distinguir as pessoas boas, tão distantes das más. Não
esqueçamos, contudo, de que “ao mau só o carinho o torna puro e sincero”...
Ahmad
Schabib Hany
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