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DE DEZEMBRO DE 1968: O AVANÇO DAS TREVAS
A avidez com que a linha-dura
ia fechando o tempo, em fins de 1968, depois de apear o marechal Castelo Branco
do Planalto, e com ele o estrategista Golbery, já prenunciava o real desejo de
parte dos golpistas de 1964: tomar para si o controle total da condução
política deste país de dimensões continentais.
Sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. Cinquenta e
três anos atrás, o tempo fechava no país de dimensões continentais cuja
democracia sempre foi motivo de admiração de todos os povos do à época chamado
de Terceiro Mundo (ou integrante do Movimento dos Países Não Alinhados, de cuja
formação original o líder árabe Gamal Abdel Nasser fazia parte). O Jornalista e
escritor Mohamed Heikal, Amigo e confidente de Nasser, fizera um artigo em que
revelava certa preocupação com o Brasil pós-1964.
Se, por um lado, Jânio Quadros, com sua política
externa autônoma (isto é, soberana, livre da influência do Departamento de
Estado dos Estados Unidos), chegou a ponto de condecorar um dos líderes da
Revolução Cubana, o médico guerrilheiro Ernesto Guevara de la Serna, o temido
Che, seu sucessor João Goulart não hesitou em promover a tão sonhada integração
latino-americana, a despeito das pressões das elites conservadoras, muito bem
articuladas com a Casa Branca, cujo ocupante passava a ser o facínora Lyndon
Johnson depois do assassinato nunca elucidado do primeiro (e único) presidente
católico, John Kennedy. Não é preciso ser analista internacional para
compreender que o motivo do assassinato de Kennedy (e depois do irmão, Robert,
já candidato em 1968) estava ligado aos interesses dos falcões do Pentágono e
da máfia cubana dos EUA.
Nunca é demais destacar a falta de tato dos
extremistas, sobretudo de direita, não só no Brasil, como em todo o mundo:
ainda que, habilmente, o marechal Castelo Branco tivesse saído de cena em meio
às disputas entre grupos castrenses, a afoita liderança da linha-dura não
queria deixar de marcar posse em sua conquista. Além de ter promovido uma caça
às bruxas no interior da caserna, perseguindo os militares institucionalistas e
os ligados à liderança moderada de Golbery, o setor extremista, representado
por figuras como Sylvio Frota, Hugo Abreu, Ednardo D’Ávila Mello e Orlando
Geisel (irmão de Ernesto Geisel, do grupo de Golbery e que durante o mandato de
Emílio Garrastazu Médici foi presidir a Petrobrás), sempre se destacou pelas
medidas extremadas e nem sempre acertadas.
Em nome da defesa da democracia, violentaram o
Estado de Direito. Assim foi outorgado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), imposto
à Nação num momento em que a sociedade se apercebia de que o golpe de 1964 não
tinha sido para defender a democracia. O autoritarismo estava dando lugar à
ordem democrática emanada pela Constituição de 1946, fruto de uma Assembleia
Constituinte arejada e fortalecida pelos ensinamentos pós-1945. Se o
nazifascismo, então, havia deixado lições profundas, a doutrina da segurança
nacional emprenhada pela lógica da guerra-fria produziu um monstrengo que
roubou a concórdia, a harmonia e o bem-estar social nos anos subsequentes ao
golpe de 1964.
O discurso do ‘combate à corrupção’ deu lugar à
mais bizarra perseguição à ‘subversão’: na falta de uma agenda propositiva para
o país, o fascismo tupiniquim engendrou uma onda efêmera em que o fantasma do ‘perigo
vermelho’ estava na ordem do dia. Porém, essa narrativa não resistiu ao mandato
de Médici e, nos primeiros meses do mandato de Geisel a realidade já se impunha
e fazia com que o sóbrio general de ascendência alemã construísse uma agenda
mais aberta às demandas da sociedade, a despeito dos atos de sabotagem
orquestrados pelos sequazes da linha-dura do regime, que se recusavam a recuar,
ainda que milimetricamente, para assegurar uma transição menos vergonhosa às
instituições impregnadas de sangue no bojo de uma guerra suja e descabida contra
seus próprios concidadãos.
O descontentamento crescente da população
brasileira perante a avassaladora perda de direitos e a intensificação de
confrontos entre diferentes setores sociais decididos aos enfrentamentos
fizeram com que esse setor se arvorasse como a solução para uma crise
previsível de consequências inimagináveis. Deu no que deu, sem respaldo popular
e acuada, a liderança imposta pela linha-dura recorreu às medidas de força:
imposição do AI-5, contra a vontade de uma expressiva parcela de lideranças que
apoiavam o regime; fechamento e cassação dos principais líderes de oposição do
Congresso Nacional; fechamento e cassação de ministros do Supremo Tribunal
Federal; declaração de guerra contra opositores do regime, dentro da lógica da
guerra-fria; imposição de uma nova carta magna sem qualquer participação da
sociedade (com o nome de “Emenda Constitucional nº 1”), além das perdas de
prerrogativas constitucionais, como o habeas corpus e a inalienabilidade
domiciliar (a qualquer momento da noite e da madrugada guarnições militares
adentravam em todos os lares do país ‘à caça de subversivos’).
Como em toda Família de imigrantes, ainda mais
libaneses em que a leitura é rotineira, o meu saudoso Pai enviara, no sábado,
alguma Filha até Seu Ney Vianna (nessa época o Seu Natércio Pinheiro e Seu
Lindolpho Cunha ainda não haviam instalado as suas bancas de jornais e
revistas, nas esquinas da Frei Mariano com a Treze e a Antônio Maria com a Treze)
trazer exemplares de seus três jornais imprescindíveis em momentos críticos (só
não aceitava O Globo por considerá-lo
muito ‘oficioso’), nesta ordem: Folha de
S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Não pude testemunhar
esse momento histórico em casa porque minha Irmã caçula e eu, assim que encerrava
o ano letivo, íamos passar as férias escolares (dezembro e janeiro) ao lado de
nossa Avó materna, Doña Guadalupe, em
Cochabamba, na Bolívia.
Meus saudosos Pais e meus Irmãos e Irmãs mais velhos,
em casa, incentivaram o olhar crítico, fosse por meio do rádio, de algumas
revistas (Realidade, Veja e Satiricón, de Buenos Aires), jornais alternativos (O Pasquim, Opinião, Movimento, Abertura Cultural, Leia Livros, Folha de Eva
e Presencia e Aquí, de La Paz) ou mesmo de fascículos de livros clássicos, que
tanto a Abril brasileira quanto a argentina editavam e eram de qualidade. As
famílias formadas por imigrantes contavam a seu favor a possibilidade do ‘olhar
de fora’, nem sempre visto com parcimônia pelas ditaduras latino-americanas.
Não por acaso, as estantes de meu saudoso Pai eram vasculhadas por horas
quando, durante as madrugadas, militares faziam blitze no interior de todas as
casas do centro de Corumbá.
Até por conta disso é que vejo com desconfiança o
discurso dos ‘órfãos’ e ‘viúvos’ da (mal)ditadura hoje se arvorando paladinos
da liberdade de expressão. Aliás, foi com tal discurso que empreenderam todos
os mais deslavados e cínicos atentados contra todos os direitos, fossem eles
individuais, sociais, coletivos, trabalhistas e difusos. Pior, contra a Vida,
que está acima dos direitos, por se tratar de princípio de direitos. Hoje, como
insólita estratégia de levar a perversa sanha fascista (ou melhor, nazifascista),
valem-se da pandemia para empreender suas mórbidas e funestas ações / omissões
na defesa dos interesses maiores da cidadania brasileira.
Que a sensatez vença a obsessão; o amor sincero, o
ódio, e a esperança o medo... Um Povo (com letra maiúscula) admirado por sua
hospitalidade e sua inesgotável capacidade de trabalhar (mais que a maioria dos
demais) tem honrados e dignos motivos para virar esta vergonhosa página da
história. Laborioso e generoso, o Brasil se reencontrará com a História e
retornará altivo e pujante ao concerto das Nações como potência de paz e de
enfrentamento à fome e à miséria. Feliz Natal, e que o Amor que inspira este
momento sagrado da cristandade renasça em todas as mentes e corações
sinceramente amantes da concórdia, da justiça social e da igualdade entre os
seres humanos.
Ahmad Schabib Hany
2 comentários:
Hoje, como insólita estratégia de levar a perversa sanha fascista (ou melhor, nazifascista), valem-se da pandemia para empreender suas mórbidas e funestas ações / omissões no sórdido ataque dos interesses maiores da cidadania brasileira.
(Correção de período do penúltimo parágrafo.)
Muito bom Shabbib! DITADURA NUNCA MAIS!
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