segunda-feira, 11 de novembro de 2019

GOLPE CÍVICO-POLICIAL-MILITAR INTERROMPE PERÍODO DE ESTABILIDADE E PROSPERIDADE DA BOLÍVIA

GOLPE CÍVICO-POLICIAL-MILITAR INTERROMPE PERÍODO DE ESTABILIDADE E PROSPERIDADE NA BOLÍVIA

Depois da explosão da onda neofascista dos últimos dias; dos sucessivos atentados contra manifestantes em defesa do voto dado nas eleições gerais de 20 de outubro; do sequestro, tortura e agressões humilhantes contra autoridades e dirigentes políticos e sindicais ligados ao partido do Presidente Evo Morales (MAS, Movimento Ao Socialismo); do motim (ou aquartelamento) do comando da Polícia Boliviana, que depois de um vai-não-vai se somou aos protestos anti-Evo; do incêndio e depredação de residências de membros do governo e de parentes do Presidente boliviano, e de ameaças explícitas de eliminação física, inclusive das maiores autoridades do país, no domingo, 10 de novembro, o general Williams Kaliman, em nome do comando conjunto das Forças Armadas da Bolívia, "sugeriu" a renúncia do comandante-chefe dessas forças e Presidente Constitucional do Estado Plurinacional da Bolívia eleito em 2014 e em pleno exercício do mandato presidencial até o dia 20 de janeiro de 2020, além de ter sido o mais votado nas últimas eleições.

Neste cenário de flagrante quebra institucional sem precedentes com a omissão expressa das forças da ordem ante a escalada de violência promovida por uma horda bestial rotulada de cidadania mas sobejamente municiada contra as bases políticas do governo, o Presidente Evo Morales Ayma e o Vice-presidente Álvaro García Linera, num ato de magnanimidade e elevado espírito de estadistas, em memoráveis discursos, manifestaram a difícil decisão de ter que renunciar aos mandatos e à continuidade do processo de transformações iniciadas em 2006 para evitar o derramamento de sangue do povo boliviano, sobretudo das pessoas mais humildes, vítimas de ações terroristas inéditas na América Latina, que fazem jus à origem do atual presidente do Comitê Cínico de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho (pronuncia-se "qué-macho") Vaca, ex-vice-presidente, entre 2002 e 2004, da União das Juventudes Cruzenhistas (uma versão boliviana da nefasta Juventude Hitlerista, de triste memória), bacharel em Direito, recém-convertido e novo missionário cristão pentecostal fundamentalista e sócio das empresas "Naturaleza y Vida" e "Navi Holding S/A" (esta última envolvida no escândalo Panamá Papers, em que empresas de "offshore" foram flagradas lavando quase um bilhão de dólares de origem suspeita para 67 empresas e 29 empresários bolivianos).

Analistas internacionais renomados, como Hugo Moldiz e Amaury Chamorro chamam a atenção para os requintes de crueldade no assédio de pessoas humildes com algum tipo de protagonismo nestes quase 14 anos do governo popular de Evo Morales. É impressionante o ódio incutido nessas hordas bestiais, a despeito de sua aparência saudável e bem nutrida, em sua maioria universitário(a)s de instituições públicas revitalizadas pelo governo contra o qual se insurgem como teleguiado(a)s. Profissionais com reputação jornalística ilibada se perguntam qual é a motivação para que seres ensandecidos possam agir de maneira tão estúpida e insensível, submetendo à humilhação e à tortura gente humilde que "cometeu o crime" de se sentir cidadã pela primeira vez na história da Bolívia. Aliás, além de ter tirado da linha da pobreza trinta por cento da população que hoje constitui a classe média boliviana, Evo-Álvaro mantiveram as reservas do tesouro nacional da Bolívia e a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima dos cinco por cento nos últimos 12 anos, contrariando a tendência dos países vizinhos, encalacrados em acertos com o FMI (Fundo Monetário Internacional) que não só acabaram com suas reservas como fizeram a sua economia entrar em estagnação, como é o caso do Brasil e da Argentina.

Acontece que, para os setores parasitários das elites bolivianas, acostumados às benesses do poder e a uma corrupção atávica (impune porque consentida) desde os tempos coloniais, uma economia superavitária não é razão de reconhecimento, orgulho ou comemoração -- ao contrário, é motivo de preocupação, pois os descendentes dos encarcerados e fora da lei desterrados para colonizar a América não aceitam até hoje que um "índio" vindo do campo possa ter capacidade igual ou superior que os seus saudáveis filhos. Maior é o ódio e a inveja, até porque, como em todo país latino-americano, o recalque e o ressentimento estão presentes em todas as famílias de todas as classes sociais, combustível para a intolerância e a rejeição contra as pessoas de origem proletária e indígena. Pior ainda quando se trata de ter que se submeter a uma aduana e uma polícia boliviana com carreira de Estado, ao igual que as forças armadas, profissionalizadas com dignidade e meritocracia. Tudo em vão, pois o "El Macho" ou "Qué Macho" encontrou o ponto "g" de sua submissão em menos dias que o imaginável...

Por outro lado, a cega ânsia de humilhar, torturar e matar os membros do governo que assegurou plena soberania à Bolívia também demonstra o acerto de Evo e Álvaro no combate à corrupção e ao narcotráfico entranhados desde os nefastos tempos da ditadura sanguinária de Hugo Banzer Suárez, que, em 1976, desviou os 500 milhões de dólares do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) destinados para o financiamento do plantio do algodão para a produção da cocaína em escala industrial (como demonstra René Bascopé Aspiazu, em "La veta blanca", de 1983), o que da noite para o dia tornou uma vintena de "amigos" do coronel que se autopromoveu a general em pleno exercício da ditadura, em 1971. Os mesmos que financiaram o golpe travestido de "protestos" muito bem remunerados em uma centena de cidades e povoados bolivianos, sobretudo nas fronteiras com o Brasil, graças às amizades entre Branko Marinkovic e altos assessores do atual governo direitista brasileiro.

Como bem disse Noam Chomsky, do alto de sua experiência política como observador americano consciente das "proezas" do poder profundo dos Estados Unidos, Evo Morales, se não for deposto, tem que ser morto. Essa é a determinação de Donald Trump a seus fantoches na Bolívia. Depois de que a Casa Branca trouxe de volta a Doutrina Truman, parida durante a Guerra Fria, e a entrelaçou à Doutrina Monroe, aquela do século XIX, de "a América para os americanos", a América Latino ficou mais exposta ao estado de humor do inquilino da Casa Branca. Sobre isso, já dizia o ditador mexicano Porfírio Díaz, referindo-se ao destino de seu país, "Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos"...

Juan Evo Morales Ayma e Álvaro García Linera entram para a História como estadistas que deram às imensas camadas populares bolivianas a dignidade saqueada junto com as riquezas e prometidas pelos colonizadores e descendentes ao longo da República como um "regalo", um presente, nunca entregue. Assim como no Brasil, precisou ser um presidente oriundo das classes proletárias para fazer com desenvoltura e abnegação aquilo que nunca passou de promessa de malandro para surrupiar a joinha da moça casadoira. Só que não (como dizem os jovens), pois somos testemunhas privilegiadas que, por durante quase 14 anos -- e antes do bicentenário da independência da Bolívia, que se comemorará em 2025 --, o povo boliviano conheceu, viveu e desfrutou. E quem conhece não esquece, ainda que fantoches messiânicos como o "Qué Macho!" teimem em intimidar, assediar, ameaçar, sequestrar, torturar, agredir e matar...

Ahmad Schabib Hany

Nenhum comentário: