Réquiem para Werton Benevides
Junior
A
eternização, no início de abril, do arquiteto Werton Augusto Benevides Junior
causou a todos os que tiveram a felicidade de conhecê-lo um profundo pesar. É
verdade que só se eterniza quem já atingiu um nível de sublimidade singular, um
grau de desprendimento único, coisas que o agora saudoso e querido Amigo
atingiu com a maior brevidade. Mas não há palavras capazes de justificar como
uma pessoa com tamanhas qualidades possa ter deixado este conturbado mundo logo
quando era mais que imprescindível: inteligência, vontade de contribuir e
generosidade a serviço de uma coletividade tão necessitada como a nossa...
Nascido
em Corumbá, filho de família proletária (o saudoso pai, Seu Werton, taxista),
Werton era o caçula de três grandes seres, que são (foram) Jorge Benevides
(falecido há aproximadamente cinco anos, ex-líder estudantil do curso de
Agronomia do então Centro Universitário de Dourados da então UFMS, ao lado do
igualmente querido Gumercindo, o Guma que ajudou Chico Mendes em Xapuri, Acre,
e depois foi trabalhar, por meio de concurso público, no Itamaraty, em Brasília)
e a querida Gegê (que me perdoe, mas não conheci seu nome, embora tivesse sido
colega e amiga de uma de minhas irmãs, e que vim saber que recentemente
trabalhava na Secretaria de Saúde de Campo Grande).
Desde
tenra juventude esse ex-companheiro de república de estudantes, nos fins da
década de 1970, sempre se caracterizou por sua inesgotável paixão pela Vida. Talentoso
e de uma alegria e humor sem fim, contagiava entusiasmo a todos aqueles que com
ele conviviam. Ele era o caçula, o mascote de uma turma numerosa e diversa,
como o povo corumbaense e ladarense, tão bem representados nessa réplica
miniaturizada dos habitantes do coração do Pantanal e da América do Sul. Isso
no início da transição para a democracia, fins da década de 1970 e começo dos
anos 1980.
Sob
a liderança do querido e saudoso Oscar Rodrigues Brandão, mais experiente e responsável
por todos nós e que se eternizou no início do segundo ano de convívio, aos 23
anos, vítima de uma doença silenciosa, estavam no início de 1979 os Amigos Raul
Herrera, Arilson Aranda, Ronaldo Ribera, Tadeu Bueno, Bento Figueiredo, José
Carlos Machado e José Guilherme Bueno (depois, obviamente, chegaram outros,
igualmente queridos). Werton, tão logo chegou a Campo Grande, foi logo se
enturmando, embora fosse o único “menor de idade” de toda a rapaziada.
Por
meio de amigos do irmão mais velho, Jorge Benevides, conheceu os então jovens
arquitetos Celso e Eudes Costa, e não demorou muito para Werton trabalhar como
desenhista. E foi graças à generosidade desse agora saudoso Amigo que pude, um
tempo depois, conhecer os dois arquitetos, à época em que eram responsáveis
pela construção da nova sede da Santa Casa de Campo Grande, e pedir a eles uma
cópia simplificada desse seu projeto, o que o fizeram prontamente, pois nessa
época eu tinha uma irmã fazendo a graduação em Arquitetura na Bolívia e, em
tempos em que não havia internet nem buscadores eletrônicos, era um sacrifício “garimpar”
plantas de projetos exitosos e arrojados como o dos irmãos Costa, tanto que ela
fez questão de registrar sua colaboração em seu trabalho de graduação. O triste
é que não demorou muito, e num acidente, o genial arquiteto Eudes Costa veio a
falecer.
Depois
que retornei a Corumbá, em 1984, somente nos vimos, por puro acaso, em 2008, em
Campo Grande, num dos terminais de integração de transporte coletivo da
capital. Ele havia encerrado seu mandato de presidente do Sindicato dos
Arquitetos de Mato Grosso do Sul (Sindarq-MS), e estava feliz por ter
conseguido fazer valer o salário-mínimo profissional para a categoria. Mas a
sua maior realização, segundo me contara nos poucos minutos de nosso breve e
casual encontro, fora o projeto de moradias de interesse social voltado para as
camadas populares de todo o estado.
Sempre
com brilho nos olhos e sorriso largo, refletindo seu jeito de poeta, sonhador,
realizador e sobretudo cidadão engajado nas melhores causas. E, creio, não há
causa melhor que a de propiciar moradia a que mais precisa, o nosso povo
explorado e excluído. Werton fez história, fez e realizou sonhos, utopias,
concretudes e, mais que isso, habitats, em seu sentido mais apropriado.
Lembro-me que, logo que o conheci, me contava, em meio à gostosa gargalhada que
lhe era peculiar, que seus pais o levaram à sede do glorioso Riachuelo Futebol
Clube, nos altos da Rua Frei Mariano, para que participasse de um show de
calouros de uma das emissoras de rádio da cidade. Ele, com apenas, 5 aninhos,
diante de uma multidão que se apertava na plateia, não conseguia ir além da
primeira estrofe, e a mãe, entusiasmada, a incentivá-lo incansavelmente...
Essa
é a carinhosa imagem que tenho do Werton, um eterno aprendiz, e como uma
criança perene, generoso, risonho, alegre e solícito. Acho que se eternizou
para atender a algum chamado para a próxima dimensão, eis que nestes anos de
ressaca de um tempo abominável projetos generosos como o que ele vinha
realizando não encontrarão fontes de financiamento...
Obrigado,
Amigo Werton, por ter-nos ensinado tanto, e até sempre!
Ahmad Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário