Réquiem para a Dama da Música
Popular Brasileira
Neste
Primeiro de Maio, pela primeira vez em tantas décadas, sua voz, sua lucidez e
sua solidariedade infinitas não estarão nos tão necessários atos de celebração,
resistência e protestos pelos cantos do Brasil. Mas a dignidade aguerrida da
eternamente querida Beth Carvalho, a Dama da Música Popular Brasileira, estará
em meio a nossa saudade, nossa melancolia, nossa tristeza...
Que
tempos malditos, me perdoem o desabafo necessário, do fundo da alma! No mesmo
dia em que canalhas traidores do digno Povo Venezuelano tentam mais um golpe
contra a soberania de seu país, e, pior, com o apoio oficial do fantoche
canalha e incompetente que por meio de manipulações tornaram “presidente” o
débil mental que desgraça a maior democracia do hemisfério, a nossa grande dama
do samba e da dignidade se eterniza, como a protestar contra tanta atrocidade...
Não
esqueço de seu primeiro grande sucesso, no tempo dos festivais de MPB. Era 1968
(“o ano que não terminou”, como bem disse o genial Zuenir Ventura em sua obra-prima)
quando sua voz altiva irrompeu no silêncio imposto por outros canalhas
fardados, tão fantoches como os de hoje, entoando “Andança”, uma belíssima
composição de Danilo Caymmi, Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, uma pérola da bossa-nova,
acompanhada pelos Golden Boys: “Já me fiz a guerra por não saber / Que esta
terra encerra meu bem querer / E jamais termina meu caminhar / Só o amor ensina
onde vou chegar / Me leva amor... / Amor / Me leva amor / Por onde for quero
ser seu par / Me leva amor / Me leva amor / Por onde for / Quero ser seu par.”
Uma
artista completa: voz e presença de palco impecáveis, consciência política
responsável, generosidade e solidariedade a toda prova... Pelo menos por duas
vezes esteve em Corumbá (MS), sempre em momentos de grandes causas: no início
do processo de redemocratização, apoiando a Aliança Democrática e seus
candidatos em 1985 e no Movimento pela Ética na Política no início dos anos
1990, deixando sempre claro que era uma incondicional apoiadora do aguerrido Brizola
no Rio de Janeiro, como depois de conhecer o incansável Lula passou a apoiá-lo
em todo o Brasil, apesar de seus problemas de saúde.
Não
por acaso, uma das mais belas músicas do século XX é de sua autoria e
interpretação, o samba “Coisinha do Pai”. Ainda que muitos preconceituosos e
reacionários torcessem o nariz por seu apoio incondicional aos movimentos populares
por justiça social (trabalhadores sem-terra, sem-teto, desempregados,
estudantes, professores, favelados, músicos populares e revelações da cultura
popular) neste país em que o que mais abunda é a injustiça, é inegável que não
deixem de balançar seus corpos ao som de “Chora” e outros clássicos
interpretados e/ou compostos por ela.
Sem
dúvida, hoje o Brasil ficou enormemente mais pobre. Silencia a voz que
generosamente embalou por certo os melhores momentos de diversas gerações e,
sobretudo, deu vez aos imensos contingentes humanos tratados como insetos por
uma sórdida e canhestra elite de imbecis que preferem ficar de quatro ante os
abutres e sua nefasta cobiça pelas riquezas ímpares do país-continente, vocacionado
para ser potência mundial da paz, não dos túmulos, mas da justiça e da
fraternidade, e cujo povo é a jóia da coroa, como nunca relegado à indigência,
como sempre, em nome da (sic) “modernidade”...
Até
sempre, querida Beth Carvalho, grande Dama da MPB e da vanguarda da humanidade,
e obrigado por ter existido!
Ahmad Schabib Hany
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