Até sempre, Seu Pontes!
Nesta
sexta-feira, dia 22 de março, quando se celebra o Dia Mundial da Água e em que
o povo se mobilizou, neste ano, contra o desmonte da Previdência Social, a
Amiga Célia de Souza enviou mensagem para minha Companheira, Solange, dando
conta da eternização, em Campo Grande, de um de nossos padrinhos de casamento e
Amigo de décadas e de intermináveis lutas cidadãs, o Senhor José Batista de
Pontes, a quem nós sempre chamamos afetuosamente por Seu Pontes.
Depois
de ter resistido por longo período a uma impiedosa enfermidade, Seu Pontes teve
encerrada a sua existência, de sucessivos desafios, na capital do estado, para
onde ele e sua Companheira de Vida, Professora Camila Rosalina Souza de Pontes,
se mudaram em 2011. Foi, aliás, naquele ano em que suspendeu suas intensas atividades
em Corumbá, iniciada em 1975, quando chegou como militar da Marinha a Ladário,
tendo feito memoráveis Amigos, entre os quais o Senhor Arrelus Reclus de Sant’Anna
(saudoso Pai da querida Amiga Tânia Nozieres de Sant’Anna, para ele um segundo
Pai) e o Senhor Antônio Isaías de Souza (o saudoso Mestrinho, Pai da querida
Amiga Célia Regina de Souza), além de sua esposa, a Professora Camila.
Praticamente
recém-chegado, e no intuito de melhorar as condições de vida de sua família,
Seu Pontes alugou, na esquina da avenida Rio Branco com a rua Cáceres, em
Corumbá, um restaurante com o sugestivo nome de “Sopoti”. Para atrair os
clientes, jovens em sua maioria, promoveu nas duas emissoras de rádio AM que à
época disputavam a audiência da população (Rádio Difusora Mato-grossense e
Rádio Clube de Corumbá) uma gincana com um atrativo prêmio para quem
descobrisse o que significava “sopoti”. Virou um auê, pois, sem internet e os
tais buscadores, os estudantes reviravam bibliotecas e recorriam aos renomados
professores corumbaenses e ladarenses para procurar o significado do misterioso
nome.
Estávamos
em 1977, e os jovens comunicadores Juvenal Ávila, Edson Moraes e o hoje saudoso
Augusto Alexandrino “Malah”, nas duas emissoras, capitalizavam a audiência. Mas,
para decepção de todos, o mistério foi revelado ao final da temporada pelo
próprio patrocinador: era simplesmente “só por ti”! (Talvez uma declaração de
amor à sua pretendida, a jovem Professora Camila...) Assim era o multifacético
Seu Pontes, e foi como tive o prazer de conhecê-lo, ao lado do Juvenal e dos
vencedores do Festival Estudantil da Canção, o mineiro de Alfenas Sidnei
Rezende (então companheiro da biomédica responsável da farmácia do Hospital de
Caridade, Graça Leão, a querida Dadá), Ênio Contúrbia, Tadeu Vicente Atagiba e Carlos
Lima, um jovem intérprete carioca que defendera a primeira colocada, cujo
estribilho era um verdadeiro hino à liberdade: “Eu tenho em mim uma razão / Eu
vejo em ti indecisão / Então, lute, dispute por seus ideais...”
Depois
do “Sopoti”, já casado com a Professora Camila, dedicou-se ao turismo, com a
implantação da “Selva Sol Tour”, uma das primeiras operadoras de turismo
contemplativo e de aventuras. Foi o primeiro franqueado na região da rede
“Albergue da Juventude”, em cujas instalações teve hóspedes célebres, como a
hoje precocemente fora das telas Ana Paula Arosio, então de apenas 16 anos. Por
conta dessa atividade, dedicou-se à causa do meio ambiente e foi um dos
primeiros defensores da “Codrasa”, ao lado de outro pioneiro do turismo, o
incansável Jota Carneiro, do “Expresso do Pantanal” e da “Vagão Tour”. Ambos
perderam uma fortuna nesse projeto, que só se tornaria uma área de preservação
ambiental (APA) em 2010, ainda no derradeiro governo de Luiz Inácio Lula da
Silva, um conterrâneo seu, mas por quem não nutria qualquer simpatia.
Nascido
em Pernambuco no final da década de 1940, Seu Pontes era tomado pela emoção
quando contava sobre sua infância de dificuldades no sertão nordestino, o que o
levara em tenra idade à Escola de Aprendizes de Marinheiro da capital de seu
estado, em 1965. Toda a sua formação inicial fora feita na Marinha, inclusive a
primeira profissão, de técnico em enfermagem. Somente depois de aposentado é
que pôde cursar Direito, tendo sido de uma das primeiras turmas do extinto
Instituto de Ensino Superior do Pantanal (IESPAN), já sob a direção da
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Foi, também, da primeira turma do
Mestrado em Estudos Fronteiriços do Campus do Pantanal (UFMS), cujo projeto
tratou dos direitos da infância e adolescência no Brasil e na Bolívia, um
estudo comparado. Além disso, dedicou-se à corretagem de imóveis, sendo um
rigoroso aplicador da legislação nessa atividade, com registro no CRECI (um dos
poucos em nossa região).
Esse
seu temperamento rigoroso lhe trouxe inúmeros revezes na Vida, mas sua lealdade
na defesa intransigente da cidadania o tornou uma referência na efetivação do
controle social de políticas públicas em nossa região e no estado. Tudo começou
ao chegar à presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA) de Corumbá, em substituição ao Professor Reinaldo Santomo,
que se mudara para Campo Grande. Graças à coerência de Seu Pontes e à firmeza
de sua personalidade, foi possível adequar a legislação municipal às
recomendações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA). Fora uma batalha dura e cheia de pressões de toda natureza,
inclusive sobre a Professora Camila, que igualmente soube sair incólume, apesar
dos desgastes e significativas perdas de ordem pessoal.
Esteve,
lado a lado, na implementação de conquistas na área da Assistência Social, por
meio do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), e da Saúde mediante o
Conselho Municipal de Saúde (CMS) e o Conselho Gestor do Hospital de Caridade.
Sua resiliência e capacidade de persuasão o habilitaram à coordenação do
combativo Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário
(FORUMCORLAD), ao lado de outros cidadãos e cidadãs que a História haverá de perenizar,
como Irmã Antônia Brioschi, Irmã Zenaide Britto, Dona Cerise de Campos Barros,
técnico sanitarista Vergílio Alves de Morais e seu colega Rafael Candia
Fernandes, Professora Camila de Pontes e sua colega Cristiane Sant’Anna de
Oliveira, enfermeira Socorro de Maria Pinho, advogada Denise Mansano,
ferroviário e Professor Anísio Guilherme da Fonseca, Psicóloga Tânia Nozieres
de Sant’Anna e seu colega Aguinaldo Rodrigues, senhor Ariodê Martins Navarro e
seu colega (e ex-prefeito) Aurélio Quintiliano da Cruz, Dona Elígia Assad e sua
colega Vera Souza, as saudosas Heloísa Helena da Costa Urt e Dona Laura
Pinheiro, os saudosos Aurélio Mansilha Tórrez e Pastor Antônio Ribeiro de
Souza, entre outros dignos cidadãos e cidadãs que dedicaram o seu melhor a
serviço da cidadania e do Estado Democrático de Direito.
Esteve
à frente de muitas entidades, das quais faço questão de mencionar a OCCA
(Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente) e o CENPER (Centro Padre Ernesto
de Promoção Humana e Ambiental), de cujas coordenações foi membro-fundador.
Representando essas entidades, fez parte da área não governamental do Conselho
Municipal do Meio Ambiente (CMMA) e do Conselho Municipal da Cidade (CMC),
contribuindo proativamente com os trabalhos e efetivação do controle social e
da participação pública nesses lócus. Ironicamente, passou a ser alvo de
retaliações de seus próprios pares durante o exercício desses mandatos – para
os quais contribuía até financeiramente, diante da burocracia (ou má vontade do
gestor de plantão), o que foi determinante para decidir mudar-se com sua esposa
para a capital do estado.
Em
sua derradeira visita a Corumbá, quando tivemos a honra de tê-lo conosco em
casa (como nos tempos das intensas atividades pioneiras do FORUMCORLAD e da
OCCA), contou-nos que os fatores que o levaram para a capital foram de ordem
pessoal, mas não quis dar detalhes, que nessas questões era muito reservado. Ao
se despedir, no entanto, sentimos algo por causa da emotividade, mas logo
empreendeu viagem, pois precisava estar ainda naquele dia em Campo Grande.
Temos certeza de que viveu intensa e coerentemente com o que pensava, e seu
legado de cidadão altivo e ativo está vivo no cotidiano das novas gerações,
embora vivamos tempos cruentos de refluxo total, sobretudo na área da
cidadania.
Além
das gratas recordações, do aprendizado recíproco e de sua peculiar
generosidade, fica a imensa saudade de um Amigo que, bem ao seu estilo
singular, soube cativar, contribuir e sobretudo consolidar importantes passos
que já estão dados, ainda que eventuais mandarins de plantão possam tentar
ignorar, minimizar ou anular. Estamos convictos de que tudo teve a sua razão de
ser e se não pôde ter sido diferente não se deveu à obstinação do Amigo que
quando chegava, tinha uma forma de bater à porta ao seu jeito, e completava
“Carteiro... Telegrama!”
Acredito
que assim terá chegado até a sua nova morada, ao lado das tantas pessoas
queridas que nos deixaram, e que um dia não muito distante, espero, possamos,
ainda que dentro do sonho, da utopia que moveu nossas gerações, conquistar a
sociedade fraterna, solidária e justa pela qual tanto todos lutamos, em novas
consciências, novas mentes, novos corações, como bem nos ensinou Charles
Chaplin.
Força,
Professora Camila! Até sempre, Seu Pontes, grande Amigo, e obrigado por tudo
que nos ensinou e que partilhou conosco...
Ahmad Schabib Hany