"SI
SE CALLA EL CANTOR, CALLA LA VIDA..."
"Qué ha de
ser de la Vida si el que canta no levanta su voz en las tribunas, por el que
sufre, por el que no hay ninguna razón que lo condene a andar sin manta!"
(Horacio Guarany, “Si se calla el cantor”)
Compositor e cantor de iluminada capacidade criativa -- e, sobretudo,
imenso compromisso com a emancipação e verdadeira integração dos povos
latino-americanos --, Horacio Guarany se eternizou no fatídico dia 13 de
janeiro, a segunda sexta-feira do ano em que a humanidade celebra o centenário
da Revolução Bolchevique. Ano também, não nos iludamos, em que a corja de
meliantes que saqueiam o mundo, inclusive nossa América Latina cada vez mais
rastejante, ganha um novo amo e senhor na Casa Branca (ou seria casa mal
assombrada?).
Dono de uma voz grave e de uma estatura imponente, suas melodiosas e
reflexivas composições ganharam o mundo e povoaram docemente os generosos
sonhos, a utopia por justiça e igualdade, de mais de quatro gerações de jovens
pelo mundo afora, provavelmente pela doce e eterna Mercedes Sosa. Quem não se
sentiu, alguma vez, tentado a cantarolar, ao menos, o hino da liberdade
intitulado "Si se calla el cantor", cujo clamor à consciência e à rebeldia
nos contagia com seus versos permanentemente contemporâneos: "Si se calla el cantor, calla la Vida, porque
la Vida, la Vida misma es todo un canto..."
Fins de 1974, dois meses depois da trágica eternização de meu querido
Irmão Mohamed Schabib Hany, eu ouvia pela primeira vez, na terna e telúrica voz
de nossa saudosa Mercedes Sosa, numa fita cassete (de áudio) trazida desde
Cochabamba pelas minhas Irmãs Wadia, Zamzam e Soad, "Si se calla el cantor".
Foi amor à primeira vista. Mas era, como todo amor proibido, para se guardar em
segredo, escondido, pois, assim como Geraldo Vandré, Chico Buarque e Taiguara,
esses compositores e intérpretes eram a razão de ser da censura que cerceou por
uma ou duas gerações os horizontes da juventude amputada de nosso tempo.
Sequelas que ainda teimam minar nossas esperanças e anseios por um mundo
igualitário, justo, solidário e libertário.
Quando a (mal)ditadura de Rafael Videla, Emilio Massera e Orlando Agosti
condenou à morte o presente e o futuro da Argentina (e, por extensão, de toda a
América Latina), ao lado de Augusto Pinochet, Emílio Médici, Alfredo Stroessner
e Hugo Banzer, com o abominável "Plano Condor" (eu diria "Plano
Kissinger") e sua peçonhenta Operação Cone Sul, Horacio Guarany, Mercedes
Sosa e Atahualpa Yupanqui estavam em verdadeira peregrinação humanitária por
todos os nossos países, levando a "luz e a esperança aos de embaixo"
do Trópico do Equador, disseminando, no meio das trevas assassinas, o melhor
que a espécie humana pode produzir, isto é, arte, amor pelo próximo, consciência
de classe, solidariedade e resistência democrática, legado usufruído por
todo(a)s nós!
Eraclio Catalín Rodríguez Cereijo, o eterno Horacio Guarany, não saiu de
cena, não deixou sua missão. Foi somar-se, com sua inesgotável inquietude
juvenil e talento intrépido, aos seus companheiros de luta e ofício na eterna
lide-lira da utopia transformadora, generosa, solidária, criativa, companheira
e libertária. Ao lado de eternamente grandes, como Mercedes Sosa, Jorge
Cafrune, Benjo Cruz, Victor Jara, Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, Nicolás
Guillén, Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Pablo Neruda, Gabriel García
Márquez, Vinícius de Moraes, Elis Regina, Papete, João Cabral de Mello Neto,
Fernando Brant e Nara Leão, está agora a partilhar o cântico de luta e de amor
da juventude desassossegada de todos os tempos com as novas gerações, os jovens
de hoje e de amanhã, para que, no dizer do também eterno e terno Charlie
Chaplin, "o sonho que sempre nos acalentou renasça em outros
corações".
Até sempre, eterno e altivo Horacio Guarany, como o povo que homenageou
com o seu emblemático nome artístico, ou melhor, nome de guerra, da boa guerra,
da luta pela paz, luz, esperança: "Pueblo,
escucha, únete a la lucha! / Lucha, lucha, no deja de luchar... / Pueblo unido,
nunca vencido!" (“Pueblo, escucha!”)
Ahmad Schabib Hany
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