sábado, 21 de janeiro de 2017

GERALDO ESPÍNDOLA COMENTA "UM RIO, UMA GUERRA", DE LUIZ TAQUES

O rio e a guerra
Por Geraldo Espíndola

Meu querido amigo:
gostei muito do seu livro
Um Rio, Uma Guerra.

Quanta memória!

Levou-me ao Forte Coimbra,
à guerra na nossa terra, e que agora faz 150 anos.

Lembrei-me do Marçal de Souza, AMERÍNDIA, lembra?
Meu coração tem uma sombra
entristecida pela grande Nação Indígena,
massacrada e espoliada injustamente.
Sem a presença deles, os índios,
nem água de rios teríamos para beber.

Parabéns pelo seu trabalho, guerreiro poeta do meu tempo.
Seus livros estão na minha cabeceira a me emocionar.
E o velho rio que passa em sua cidade natal,
a Corumbá que eu tanto amo, a me inspirar.

Saudações pantaneiras.

Geraldo Espíndola é cantor, autor de

“Vida Cigana”, entre outros grandes sucessos da MPB.

"SI SE CALLA EL CANTOR, CALLA LA VIDA..."

"SI SE CALLA EL CANTOR, CALLA LA VIDA..."

"Qué ha de ser de la Vida si el que canta no levanta su voz en las tribunas, por el que sufre, por el que no hay ninguna razón que lo condene a andar sin manta!" (Horacio Guarany, “Si se calla el cantor”)

Compositor e cantor de iluminada capacidade criativa -- e, sobretudo, imenso compromisso com a emancipação e verdadeira integração dos povos latino-americanos --, Horacio Guarany se eternizou no fatídico dia 13 de janeiro, a segunda sexta-feira do ano em que a humanidade celebra o centenário da Revolução Bolchevique. Ano também, não nos iludamos, em que a corja de meliantes que saqueiam o mundo, inclusive nossa América Latina cada vez mais rastejante, ganha um novo amo e senhor na Casa Branca (ou seria casa mal assombrada?).

Dono de uma voz grave e de uma estatura imponente, suas melodiosas e reflexivas composições ganharam o mundo e povoaram docemente os generosos sonhos, a utopia por justiça e igualdade, de mais de quatro gerações de jovens pelo mundo afora, provavelmente pela doce e eterna Mercedes Sosa. Quem não se sentiu, alguma vez, tentado a cantarolar, ao menos, o hino da liberdade intitulado "Si se calla el cantor", cujo clamor à consciência e à rebeldia nos contagia com seus versos permanentemente contemporâneos: "Si se calla el cantor, calla la Vida, porque la Vida, la Vida misma es todo un canto..."

Fins de 1974, dois meses depois da trágica eternização de meu querido Irmão Mohamed Schabib Hany, eu ouvia pela primeira vez, na terna e telúrica voz de nossa saudosa Mercedes Sosa, numa fita cassete (de áudio) trazida desde Cochabamba pelas minhas Irmãs Wadia, Zamzam e Soad, "Si se calla el cantor". Foi amor à primeira vista. Mas era, como todo amor proibido, para se guardar em segredo, escondido, pois, assim como Geraldo Vandré, Chico Buarque e Taiguara, esses compositores e intérpretes eram a razão de ser da censura que cerceou por uma ou duas gerações os horizontes da juventude amputada de nosso tempo. Sequelas que ainda teimam minar nossas esperanças e anseios por um mundo igualitário, justo, solidário e libertário.

Quando a (mal)ditadura de Rafael Videla, Emilio Massera e Orlando Agosti condenou à morte o presente e o futuro da Argentina (e, por extensão, de toda a América Latina), ao lado de Augusto Pinochet, Emílio Médici, Alfredo Stroessner e Hugo Banzer, com o abominável "Plano Condor" (eu diria "Plano Kissinger") e sua peçonhenta Operação Cone Sul, Horacio Guarany, Mercedes Sosa e Atahualpa Yupanqui estavam em verdadeira peregrinação humanitária por todos os nossos países, levando a "luz e a esperança aos de embaixo" do Trópico do Equador, disseminando, no meio das trevas assassinas, o melhor que a espécie humana pode produzir, isto é, arte, amor pelo próximo, consciência de classe, solidariedade e resistência democrática, legado usufruído por todo(a)s nós!

Eraclio Catalín Rodríguez Cereijo, o eterno Horacio Guarany, não saiu de cena, não deixou sua missão. Foi somar-se, com sua inesgotável inquietude juvenil e talento intrépido, aos seus companheiros de luta e ofício na eterna lide-lira da utopia transformadora, generosa, solidária, criativa, companheira e libertária. Ao lado de eternamente grandes, como Mercedes Sosa, Jorge Cafrune, Benjo Cruz, Victor Jara, Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, Nicolás Guillén, Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, Vinícius de Moraes, Elis Regina, Papete, João Cabral de Mello Neto, Fernando Brant e Nara Leão, está agora a partilhar o cântico de luta e de amor da juventude desassossegada de todos os tempos com as novas gerações, os jovens de hoje e de amanhã, para que, no dizer do também eterno e terno Charlie Chaplin, "o sonho que sempre nos acalentou renasça em outros corações".

Até sempre, eterno e altivo Horacio Guarany, como o povo que homenageou com o seu emblemático nome artístico, ou melhor, nome de guerra, da boa guerra, da luta pela paz, luz, esperança: "Pueblo, escucha, únete a la lucha! / Lucha, lucha, no deja de luchar... / Pueblo unido, nunca vencido!" (“Pueblo, escucha!”)


Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

"DE MÃOS DADAS" (OU POR QUE LUÍZA RIBEIRO MERECE TOTAL SOLIDARIEDADE)

DE MÃOS DADAS

(OU POR QUE LUÍZA RIBEIRO MERECE TOTAL SOLIDARIEDADE)

A ex-vereadora Luíza Ribeiro (PPS), de Campo Grande, foi nomeada, há pouco mais de uma semana, para assessorar Roberto Freire, novo ministro da Cultura no governo golpista e antinacional de Michel Temer. No entanto, nove dias depois, Luíza preferiu pedir demissão a ter que se submeter ao constrangimento de ter que se explicar por suas posições políticas em defesa do Estado Democrático de Direito.

Em vez do maniqueísta deboche e apedrejamento – igual, aliás, ao cometido contra a Presidenta Dilma pelos seus algozes –, Luíza Ribeiro é digna de todo apoio, solidariedade total e irrestrita. Por tudo que fez antes e depois dessa malograda nomeação, sobre a qual tenho minhas considerações mas que não vem ao caso. É só lembrarmos que a ex-vereadora, por sinal coerentemente atuante e corajosa (ao contrário de muito misógino-machista que tremeu de medo quando o Puccinelli e assemelhados falaram grosso por não haver obedecido suas ordens), é agente político, e não Madre Teresa de Calcutá.

Reiterando: Luíza merece todo nosso apoio e solidariedade pelo constrangimento a que foi submetida pela maior decepção da história da esquerda brasileira (que, depois de Mikhail Gorbatchev, a maior fraude da história da esquerda mundial), Roberto Freire – que não está à direita, mas em franca decadência –, este espectro de político que simplesmente foi abduzido nos momentos mais decisivos da história nos últimos anos, e reaparece no colo da direita golpista para ocupar um cargo-recompensa sem nunca ter gerido política cultural em seu estado (Pernambuco), do qual se evadiu para a São Paulo de Alkmin, Goldman, Serra e Nicomedes, digo, Aloysio.

Luíza Ribeiro é das pioneiras na política do estado coronelista de Mato Grosso do Sul. Desde o início de sua militância, ainda adolescente e em plena ditadura, foi e é do mesmo partido, o ex-PCB, hoje PPS. Conheci-a ainda adolescente, membro da gestão “Coração de Estudante” na União Campo-grandense de Estudantes (UCE), e com a mesma contundência e convicção foi assumindo funções (e não cargos) por acatar as decisões de seu partido. Assim como Fausto Matto Grosso, Marcelo Barbosa Martins e Carmelino Rezende, o fato de ela ser “do Partidão” encontrou muito mais dificuldades de empreender uma carreira rápida na política (esse é o custo de ser socialista, ainda que de um partido que nos últimos anos tem perdido a sua identidade socialista).

A despeito dos sucessivos erros do PPS (como o próprio PT, o PDT e o PSB, que na ânsia de ganhar eleições, se deixaram descaracterizar ideologicamente nas últimas décadas), particularmente Luíza Ribeiro se revelou uma hábil e competente gestora de políticas públicas durante a primeira gestão do Governador Zeca do PT, quando ela foi secretária de Justiça e Cidadania, bastante elogiada pelo primeiro governador de esquerda da história de Mato Grosso do Sul. Disciplinada, ela somente deixou o governo, ao lado do Professor Fausto Matto Grosso, então secretário do Planejamento, e da vereadora licenciada Célia Costa, da Cultura, por uma decisão do PPS regional, de se afastar de Zeca do PT, embora em todo o Brasil, em 2002, o PPS apoiasse a eleição de Lula à presidência da República, tanto que Ciro Gomes, na época pelo PPS, foi ministro da Integração Nacional.

Execrar, ou permitir execrar Luíza Ribeiro impunemente, é consolidar o atraso, o golpismo, essa misoginia doentia, que vem crescendo, ganhando espaço (inclusive nas últimas eleições) em todos os cantos do Brasil desde que Dilma Rousseff foi golpeada com o maior acinte, como jamais visto na história. Aliás, como ato de desagravo, é preciso acolher essa aguerrida mulher para o interior da grande frente em defesa do Estado Democrático de Direito, do qual também participam outras grandes mulheres como Kátia Abreu, ex-presidente da Federação Nacional da Agricultura e ex-ministra da Agricultura de Dilma Rousseff.

O sectarismo, irmão-gêmeo da intolerância, não pode dar lugar à política de alianças em favor de um novo tempo para o povo brasileiro, a razão de ser da política, do Estado de Direito, da Democracia e, sobretudo, da inesgotável luta por uma sociedade melhor, mais justa, solidária e libertária, qualquer que seja o nome que quiserem dar a esse estágio civilizatório.

Nos sábios versos de Carlos Drummond de Andrade, em “De mãos dadas”: “Estou preso ao mundo e vejo meus companheiros. Andam taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”


Ahmad Schabib Hany

domingo, 1 de janeiro de 2017

11 frases selecionadas do livro que é a maior cacetada que Moro já levou

11 frases selecionadas do livro que é a maior cacetada que Moro já levou
Por Paulo Nogueira
Postado em 01 Jan 2017
O maior petardo contra Moro em 2016 veio na forma de um livro: O Caso Lula. É uma reunião de artigos e ensaios de advogados e juristas sobre o confronto crescente entre Moro e Lula no âmbito da Lava Jato. Alguns dos autores pertencem à equipe de defesa de Lula.
O único pecado do livro é seu linguajar. É uma coisa de advogado para advogado. Um esforço para tornar os textos mais simples — não estou dizendo superficiais — teria multiplicado consideravelmente o alcance do livro.
Um capítulo particularmente merece atenção especial. O autor é Sílvio Ferreira da Rocha, e o título “A imparcialidade do juiz”.
Rocha nos relembra sobre o atributo essencial de um juiz: não apenas ser imparcial — mas parecer imparcial. Quando isso não acontece, a sociedade não respeita a Justiça.
Selecionei onze frases deste capítulo, e compartilho-as aqui.
1) Todo juiz em relação ao qual possa haver razões legítimas para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processo.
2) A imparcialidade é uma garantia processual de que o processo será justo. A imparcialidade judicial reclama a neutralidade do órgão julgador; ela significa desinteresse e neutralidade; consiste em colocar entre parênteses as considerações subjetivas do julgador. É a ausência de preconceitos.
3) A imparcialidade é o fundamento de legitimidade do poder de julgar.
4) A imparcialidade é essencial para o apropriado cumprimento dos deveres do cargo de juiz. Aplica-se não somente à decisão, mas também ao processo de tomada de decisão.
5) A imparcialidade é a qualidade fundamental requerida de um juiz e o principal atributo do judiciário. A imparcialidade deve existir tanto como uma questão de fato como uma questão de razoável percepção.
6) A percepção de imparcialidade é medida pelos padrões de um observador razoável. A percepção de que o juiz não é imparcial pode surgir de diversos modos. Por exemplo, da percepção de um conflito de interesses, do comportamento do juiz na corte, ou das associações e atividades de um juiz fora dela.
7) Basta a percepção de que um juiz não é imparcial para afastá-lo da condução do processo.
8) Qualquer juiz a cujo respeito houver razão legítima para temer uma falta de parcialidade deve retirar-se.
9) O juiz deve estar alerta para evitar comportamento que possa ser percebido como uma expressão de parcialidade ou preconceito. Fora da corte, também o juiz deve evitar deliberado uso de palavra ou conduta que poderia razoavelmente dar margem a uma percepção de falta de imparcialidade.
10) A percepção de parcialidade corrói a confiança pública, pois se um juiz parece parcial a confiança do público no judiciário se corrói.
11) Um observador razoável terá a impressão de quebra de imparcialidade ao ver um magistrado que conduz procedimento criminal ser sistematicamente homenageado por declarados desafetos dos investigados ou dos réus.

Compartilhado do Amigo Joel de Carvalho Moreira

CRISE NO MPF:"Dallagnol não se preocupa com crise, pois seu salário está garantido", diz Eugênio Aragão

CRISE NO MPF
"Dallagnol não se preocupa com crise, pois seu salário está garantido", diz Eugênio Aragão
Por Sérgio Rodas
Postado em 31 dez. 2016, 13h28
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirmou ao chefe da força-tarefa da operação “lava jato”, Deltan Dallagnol, que ele e os demais procuradores da República que atuam no caso ajudaram a jogar a economia brasileira no buraco, mas que não se preocupam com isso porque “seus empregos não correm risco”.
Para Eugênio Aragão, Deltan Dallagnol tem que "baixar a bola" e atuar com discrição.
Reprodução
Em carta aberta a Dallagnol, Aragão — que também é procurador da República — criticou a postura messiânica dele nas redes sociais. Recentemente, o membro da força-tarefa da “lava jato” chamou a atenção daqueles que “vestem a camisa do complexo de vira-lata” e disse era “possível um Brasil diferente”.
Para o ex-ministro da Justiça, quem tem complexo de vira-lata, na verdade, são os integrantes do Ministério Público Federal que atuam no caso. A seu ver, eles idolatram os EUA sem conhecer a história desse país, que foi, pelo menos, tão “banhado em sangue” quanto o Brasil.
E essa idolatria aos norte-americanos e a atitude moralista de Dallagnol e seus colegas jogou o Brasil em uma recessão que já dura três anos e acabará por dar as chaves do mercado da construção civil a empresas dos EUA, declara Aragão.
“E vocês, narcisos, se acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem trazido de volta míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por práticas empresariais e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram para lograr essa casquinha? Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um milhão de empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar conteúdo tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém-reconstruída indústria naval brasileira.”
De acordo o último ministro da Justiça de Dilma Rousseff, Dallagnol, “à frente de sua turma, vai entrar na história como quem contribuiu decisivamente para o atraso econômico e político que fatalmente se abaterão sobre nós”.
Porém, o chefe da força-tarefa da “lava jato” não deve estar preocupado com a situação econômica do país, avalia Aragão. Afinal, “não são os seus empregos que correm risco”, diz ele ao seu colega de MPF. E eles não têm do que reclamar, ressalta o ex-ministro. Isso porque os integrantes do órgão ganham “muito bem”, recebem auxílios alimentação e moradia no valor de quase R$ 1 mil cada um e mais um “ilegal” auxílio-moradia “tolerado pela morosidade do Judiciário que vocês tanto criticam”.
“Vivemos numa redoma de bem-estar. Por isso, talvez, à falta de consciência histórica, a ideologia de classe devora sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada demais se milhões de famílias não conseguirem mais pagar suas contas no fim do mês, porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e perderam a perspectiva de se reinserirem no mercado num futuro próximo”, acusa Aragão.
E mais: Eugênio Aragão diz na carta que seus colegas de MPF usaram a bandeira do “combate à corrupção” como cortina de fumaça para derrubar Dilma Rousseff e aumentar o poder dos promotores e procuradores. Na visão do ex-ministro, eles também erraram o alvo ao fixar a corrupção como o pior problema do Brasil, quando esse “troféu” é, na realidade, da desigualdade econômico-social.
Devido a isso tudo, Aragão pede que Deltan Dallagnol “baixe a bola”, pare de perseguir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de “fazer teatro com PowerPoint”. “Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos poucos, como sempre, as máscaras caem e, ao final, se saberá quem são os que gostam do Brasil e os que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim, costumam padecer do complexo de vira-lata!”, finaliza.
Outros ataques
Essa não é a primeira carta de Eugênio Aragão a um integrante do MPF. Em setembro, o ex-ministro da Justiça enviou missiva ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontando que sua atuação não condiz com o que ele pregava antes de chegar ao cargo.
De acordo com Aragão, se antes ele era crítico da postura adotada pelo MPF durante a Ação Penal 470, o processo do mensalão, ele repete a fórmula de crucificar acusados na operação “lava jato”.
Posteriormente, Eugênio Aragão acusou o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da operação “lava jato”, de ser um criminoso. Em mensagem enviada ao professor alemão Markus Pohlmann, cuja universidade (de Heidelberg) recebeu o juiz para uma palestra, Aragão afirma que “Moro é um criminoso, também sob a perspectiva alemã. Ele se tornou punível quando violou sigilo funcional, para não falar em prevaricação”.
O e-mail do ex-ministro foi enviado junto com uma carta, assinada por 28 professores de Direito, História e Ciência Política, que questiona o fato de a Universidade de Heidelberg convidar Moro para falar sobre combate à corrupção. O evento ocorreu no dia 9 de dezembro, mas a carta foi enviada no dia 6. O documento elenca acusações contra o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Além de citarem que Moro determinou a ilegal condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor e vazou, “criminosamente”, gravações de conversas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, os professores dizem que o juiz viola a Constituição, leis e a soberania nacional, entregando informações à Justiça dos Estados Unidos, “com quem dialoga frequentemente, sobre andamento de processos brasileiros, permitindo que réus brasileiros firmem acordo de colaboração com a justiça dos EUA, em detrimento do interesse das empresas nacionais brasileiras”.
Leia abaixo a íntegra da carta:
Carta aberta ao jovem colega Deltan Dallagnol
"Dennnichtsistschwerer und nichtserfordertmehrCharakter, alssich in offenemGegensatzzuseiner Zeit zubefinden und lautzusagen: Nein."
(Porque nada é mais difícil e nada exige mais caráter que se encontrar em aberta oposição a seu tempo e dizer em alto e bom som: Não!)
Kurt Tucholsky
Caro colega,
Acabo de ler por blogs de gente séria que você estaria a chamar atenção, no seu perfil de Facebook, de quem "veste a camisa do complexo de vira-lata", que seria "possível um Brasil diferente" e que a hora seria agora. Achei oportuno escrever-lhe esta carta pública, para que nossa sociedade saiba que, no Ministério Público, há quem não bata palmas para suas exibições de falta de modéstia.
Vamos falar primeiro do complexo de vira-lata. Acredito que você e sua turma sejam talvez os que menos autoridade têm para falar disso, pois seus pronunciamentos são a prova mais cabal de SEU complexo de vira-lata. Ainda me lembro daquela pitoresca comparação entre a colonização americana e a lusitana em nossas terras, atribuindo à última todos os males da baixa cultura de governação brasileira, enquanto o puritanismo lá no Norte seria a razão de seu progresso. Talvez você devesse estudar um pouco mais de história, para depreciar menos este país. E olha que quem cresceu nas "Oropas" e lá foi educado desde menino fui eu, hein... talvez por isso não falo essa barbaridade, porque tenho consciência de que aquele pedaço de terra, assim como a de seu querido irmão do Norte, foram os mais banhados de sangue humano ao longo da passagem de nossa espécie por este planeta. Não somos, os brasileiros, tão maus assim: na pior das hipóteses somos iguais, alguns somos descendentes dos algozes e a maioria somos descendentes das vítimas.
Mas essa sua teorização vulgar não diz tudo sobre SEU complexo. Você à frente de sua turma vai entrar na história como quem contribuiu decisivamente para o atraso econômico e político que fatalmente se abaterão sobre nós. E sabe por que? Porque você e sua turma são ignorantes e não conseguem enxergar que o princípio fiatiustitia et pereatmundus nunca foi aceito por sociedade sadia qualquer neste mundão de Deus. Summum jus, summainiuria, já diziam os romanos: querer impor sua concepção pessoal de justiça a ferro e fogo leva fatalmente à destruição, à comoção e à própria injustiça.
E o que vocês conseguiram de útil neste País para acharem que podem inaugurar um "outro Brasil", quiçá melhor do que aquele em que vivíamos? Vocês conseguiram agradar ao irmão do Norte, que faturará bilhões de nossa combalida economia, e conseguiram tirar as empresas nacionais do mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de infraestrutura. Tio Sam agradece. E vocês, narcisos, se acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem trazido de volta míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por práticas empresariais e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram para lograr essa casquinha? Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um milhão de empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar conteúdo tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém-reconstruída indústria naval brasileira.
Claro, não são seus empregos que correm risco. Ganhamos muito bem no Ministério Público, temos auxílio-alimentação de quase mil reais, auxilio-creche com valor perto disso, um ilegal auxílio-moradia tolerado pela morosidade do Judiciário que vocês tanto criticam. Temos um fantástico plano de saúde e nossos filhos podem frequentar a liga das melhores escolas do País. Não precisamos de SUS, não precisamos de Pronatec, não precisamos de cota nas universidades, não precisamos de Bolsa-Família e não precisamos de Minha Casa, Minha Vida. Vivemos numa redoma de bem-estar. Por isso, talvez, à falta de consciência histórica, a ideologia de classe devora sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada demais se milhões de famílias não conseguirem mais pagar suas contas no fim do mês, porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e perderam a perspectiva de se reinserirem no mercado num futuro próximo.
Mas você achou fantástico o acordo com os governos dos EEUU e da Suíça, que permitiu-lhes, na contramão da prática diplomática brasileira, se beneficiar indiretamente de um asset sharing sobre produto de corrupção de funcionários brasileiros e estrangeiros. Fecharam esse acordo sem qualquer participação da União, que é quem, em última análise, paga a conta de seu pretenso heroísmo global, e repassaram recursos nacionais sem autorização do Senado. Bonito, hein? Mas, claro, na visão umbilical corporativista de vocês, o Ministério Público pode tudo e não precisa se preocupar com esses detalhes burocráticos que só atrasam nosso salamaleque para o irmão do Norte! E depois você fala de complexo de vira-lata dos outros!
O problema da soberba, colega, é que ela cega e torna o soberbo incapaz de empatia.Mas como neste mundo vale a lei do retorno, o soberbo também não recebe empatia, pois seu semblante fica opaco, incapaz de se conectar com o outro.
A operação de entrega de ativos nacionais ao estrangeiro, além de beirar alta traição, esculhambou o Brasil como nação de respeito entre seus pares. Ficamos a anos-luz de distância da admiração que tínhamos mundo afora. Vocês atropelaram a Constituição: segundo ela, compete à presidenta da República manter relações com Estados estrangeiros, não ao musculoso Ministério Público. Daqui a pouco vocês vão querer até uma representação diplomática nas capitais do circuito Elizabeth Arden, não é?

Ainda quanto a um Brasil diferente, devo-lhes lembrar que "diferente" nem sempre é melhor e que esse servicinho de vocês foi responsável por derrubar uma presidenta constitucional honesta e colocar em seu lugar uma turba envolvida nas negociatas que vocês apregoam mídia afora. Esse é o Brasil diferente? De fato é: um Brasil que passou a desrespeitar as escolhas políticas de seus vizinhos e cultivar uma diplomacia da nulidade, pois não goza de qualquer respeito no mundo. Vocês ajudaram a sujar o nome do país. Vocês ajudaram a deteriorar a qualidade da governação, a destruição das políticas inclusivas e o desenvolvimento sustentável pela expansão de nossa infraestrutura com tecnologia própria.
E isso tudo em nome de um "combate" obsessivo à corrupção. Assunto do qual vocês parecem não entender bulhufas! Criaram, isto sim, uma cortina de fumaça sobre o verdadeiro problema deste pais, que é a profunda desigualdade social e econômica. Não é a corrupção. Esta é mero corolário da desigualdade, que produz gente que nem vocês, cheios de "self righteousness", fariseus com apretensão de serem justos e infalíveis, donos da verdade e do bem estar. Gente que pode se dar ao luxo de atropelar as leis sem consequência nenhuma. Pelo contrário, ainda são aplaudidos como justiceiros.
Com essa agenda menor da corrupção vocês ajudaram a dividir o país, entre os homens de bem e os safados, porque vocês não se limitam a julgar condutas como lhes compete, mas ousam julgar pessoas, quando estão longe de serem melhores do que elas. Vocês não têm capacidade de ver o quanto seu corporativismo é parte dessa corrupção, porque funciona sob a mesma gramática do patrimonialismo: vocês querem um naco do Estado só para chamar de seu. Ninguém os controla de verdade e vocês acham que não devem satisfação a ninguém. E tudo isso lhes propicia um ganho material incrível, a capacidade de estarem no topo da cadeia alimentar do serviço público. Vamos falar de nós, os procuradores da República, antes de querer olhar para a cauda alheia.
Por fim, só quero pontuar que a corrupção não se elimina. Ela é da natureza perversa de uma sociedade em que a competição se faz pelo fator custo-benefício, no sentindo mais xucro. A corrupção se controla. Controla-se para não tornar disfuncionais o Estado e a economia. Mas esse controle não se faz com expiação de pecados. Não se faz com discursinho falso-moralista. Não se faz com homilias em igrejas. Faz-se com reforma administrativa e reforma política, para atacar a causa do fenômeno e não sua periferia aparente. Vocês estão fazendo populismo, ao disseminarem a ideia de que há o "nós, o povo" de honestos brasileiros, dispostos a enfrentar o dragão da corrupção como um São Jorge redivivo. Você e eu sabemos que não existe isso e que não existe, com sua artificial iniciativa popular das "10 medidas", solução viável para o problema. Esta passa pela revisão dos processos decisórios e de controle na cadeia de comando administrativa e pela reestruturação de nosso sistema político calcado em partidos que não merecem esse nome. Mas isso tudo talvez seja muito complicado para você e sua turma compreenderem.
Só um conselho, colega: baixe a bola. Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint. Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos poucos, como sempre, as máscaras caem e, ao final, se saberá quem são os que gostam do Brasil e os que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim, costumam padecer do complexo de vira-lata!
Antes da próxima homilia diante de correligionários incautos, reflita sobre a lição do Evangelho:
"Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a trave que está no teu? Ou como poderás dizer ao teu irmão: 'Deixa-me tirar o cisco do teu olho', quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão." (Evangelho segundo São Mateus 7, 3-5)
Um forte abraço de seu colega mais velho e com cabeça dura, que não se deixa levar por essa onda de "combate" à corrupção sem regras de engajamento e sem respeito aos costumes da guerra.

Eugênio José Guilherme de Aragão
Compartilhado do Amigo Joel de Carvalho Moreira