terça-feira, 7 de junho de 2016

ABRIL, A FACE OCULTA DOS OLIGOPÓLIOS MIDIÁTICOS

(REPUBLICAÇÃO DE TEXTO DE 9 DE AGOSTO DE 2015)

ABRIL, A FACE OCULTA DOS OLIGOPÓLIOS MIDIÁTICOS

Parodiando Chacrinha, nessa editora quase nada se cria, quase tudo se copia...

Dias atrás, a revista Veja, da Editora Abril, teve que reconhecer, depois de algumas semanas de reiteradas manifestações de repúdio do público, que o documento de uma conta de banco suíço usado como base de uma “denúncia” contra o senador Romário (PSB-RJ) era falso e os, digamos, jornalistas envolvidos na produção e edição da matéria caluniosa sequer tinham feito o mais elementar procedimento, desde os tempos de Gutemberg: checar a fonte e a procedência da “denúncia”. Carro-chefe da Abril, a Veja tem se valido de uma prática recorrente de antijornalismo a toda prova, pondo a perder a sua gênese de projeto editorial bem-sucedido, com um time de Jornalistas renomados, como Mino Carta (fundador e primeiro diretor,  depois de ter criado a Quatro Rodas para a mesma editora e o Jornal da Tarde para a empresa da família Mesquita, a S.A. O Estado de S. Paulo), Fernando Morais, Audálio Dantas, Hugo Estenssoro, Hélio Campos Mello, Walter Firmo, Antônio Carlos Fon, Sílvio Lancelotti, Tárik de Souza e Jairo Arco e Flecha.
Quase todo(a) brasileiro(a) – ou estrangeiro(a) residente no Brasil –, nos últimos 65 anos, tem desenvolvido alguma empatia pela Abril, seja por conta das revistas infantis, fascículos, publicações dirigidas, revistas para o público jovem ou adulto, feminino ou masculino, e obras clássicas do saudoso Círculo do LivroGuia do Estudante e Almanaque Abril. Se revisitarmos o Brasil dos primeiros 50 anos dessa que outrora foi a vanguarda das editoras brasileiras, quando a internet sequer era algo na ficção, veremos a dimensão de suas contribuições para o desenvolvimento cultural e editorial do País.
E não é preciso ser um aficionado colecionador de revistas ou “enciclopédias” e obras clássicas adquiridas por fascículos ou correio para lembrar ou reconhecer nomes que ficaram na memória coletiva, como Jeronymo Monteiro, Luis Carta, Domingo Alzugaray, Mino Carta, Odylo Costa (vírgula) Filho, Mylton Severiano, Audálio Dantas, Fernando Morais, José Hamilton Ribeiro, Amilton Almeida Filho, Tárik de Souza, Sílvio Lancelotti, Hugo Estenssoro, Antonio Carlos Fon, Walter Firmo, Elifas Andreatto, Hélio Campos Mello, Alberto Dines, Hugo Estenssoro, Waldir Igayara de Souza, Claudio de Souza, Sílvio Fukumoto, Maria Christina Pinheiro, Ziraldo Alves Pinto, Mauricio de Sousa, Eli Barbosa, entre outros não menos importantes.
No entanto, a despeito do período de inovações introduzidas ao mercado editorial brasileiro, a Editora Abril, desde a sua fundação, em 1950 – sob o nome de Editora Primavera Ltda. –, é uma pródiga usina de clonagens que não respeitou os mais elementares princípios éticos e, pior, nem reconheceu direitos autorais de terceiros. O fundador, Victor Civita, indiscutivelmente um ousado e competente empreendedor, recebeu graciosamente de seu irmão mais velho, Cesar Civita (este, sim, fundador e inovador da Abril, em 1941 na Argentina e em 1966 no México), a ideia de se estabelecer no Brasil com cópia do projeto editorial por ele realizado no país platino – a estratégia, o nome, a logomarca, os títulos e até parte de sua produção editorial, por sinal, pioneira e inovadora, de fazer inveja aos demais concorrentes latino-americanos.


Mas como “desde a sua fundação”? É que, como Victor Civita e seus sócios eram todos estrangeiros – e, portanto, não podiam, por razões legais, ser titulares numa empresa do ramo editorial –, precisaram de um brasileiro de nome ilibado para assumir a titularidade. Assim, ainda com o nome de “Editora Primavera Ltda.”, o Jornalista, radialista e escritor de ficção científica Jeronymo Monteiro aparecia como diretor (isto é, editor) para que pudesse se instalar em uma modesta sala à rua Líbero Badaró, 158, no centro de São Paulo, aquela que mais tarde se transformaria na poderosa Abril dos Civita, como se vê nos expedientes acima deste parágrafo, copiados de duas edições diferentes da revista Raio Vermelho, disponível no site Guia dos Quadrinhos, bem como em alguns trabalhos acadêmicos do Brasil, Argentina, México e Itália.
Jeronymo Barbosa Monteiro, que nada deve aos Civita por sua brilhante biografia, é o “Pai da Ficção Científica Brasileira”, e como primeiro diretor da mais antiga revista de histórias em quadrinhos em circulação no Brasil batizara alguns dos personagens Disney com os nomes de Tio Patinhas, Huguinho, Zezinho e Luizinho, por exemplo. Autor de verdadeiros clássicos da ficção científica – entre eles “Três meses no século 81”, “A cidade perdida” e “Tangentes da realidade” –, em nosso país de pouca leitura, tornou-se célebre desde que fez roteiro para uma série de radiodramaturgia para as rádios Nacional e Tupi. Mas precisou usar o pseudônimo anglo-saxão Ronnie Wells para ganhar reconhecimento no gênero.
Como muito(a)s brasileiro(a)s digno(a)s, Jeronymo Monteiro foi preso em 1964, experiência que relatou em um dos contos de sua obra derradeira, com o sugestivo título de “O copo de cristal”. Foi diretor do suplemento Gazeta Juvenil de A Gazeta de São Paulo, e editor na Editora La Selva e na versão brasileira de Isaac Asimov Magazine, renomada revista internacional de ficção científica, além de ter criado, em 1957, a memorável seção Panorama, na Folha Ilustrada da Folha da Manhã (a partir de 1960, Folha de S. Paulo), tendo sido substituído por sua filha, Theresa Monteiro, a partir de 1971. Curiosa e acintosamente passou a ser ignorado pelos ex-patrões depois de ter deixado a Abril, em 1951, para dar continuidade ao seu projeto literário-editorial até morrer, em 1970, mesmo tendo apresentado o seu sucessor a Victor Civita, o então jovem Jornalista Cláudio de Souza, um amigo seu e autor de reconhecidos relatos sobre a generosidade e o talento deste brasileiro que ajudou a abrir as portas do País à família de imigrantes que construiu um império midiático, mas padece do mal da ingratidão.


Portanto, ao contrário da lenda de que “tudo começou com um pato” (paródia à afirmação de Walt Disney, de que “tudo começou com um rato”), a primeira publicação da ex-“Editora Primavera Ltda.” foi Rayo Rojo, isto é,Raio Vermelho. Por quê? É que a Editora Brasil-América Ltda. (EBAL), de Adolfo Aizen (também chamado de “Pai das Histórias em Quadrinhos do Brasil”), publicava, em sociedade com Victor Civita, entre 1946 e 1948,Seleções Coloridas com as primeiras histórias dos personagens Disney, negócio avalizado pelo representante de Walt Disney para a América Latina, César Civita, que além de editor da Abril argentina era ex-funcionário da Editora Mondadori, de Roma, representante da Disney na Itália, na década de 1930, até fugir, por ser judeu, da perseguição nazifascista. Acima deste parágrafo vemos algumas edições da revista Seleções Coloridas, de 1946 e 1947, cujo primeiro episódio principal, “O ‘crack’ Pato Donald”, foi publicado originalmente na edição nº. 45 de El Pato Donald, da Editorial Abril (Argentina) com o título “Donald, el gran goleador”, além de primeiras edições de Raio Vermelho e Rayo Rojo.

Faremos, agora, um parêntese para adentrar nos bastidores das logomarcas. O Folhetim, de saudosa memória – versão paulistana do também saudoso semanário irreverente Pasquim –, era um suplemento dominical da então vanguardista Folha de S. Paulo (sob a direção do genial Jornalista Claudio Abramo), fundado por Tarso de Castro, Nelson Merlin e Fortuna, que circulou entre 1976 e 1988. Pois bem, ele trazia uma insinuante seção do chargista e ilustrador Fortuna chamada Diz, Logotipo!, na qual os leitores participavam, ora enviando logotipos recortados ou fotocopiados da mídia impressa, ora criando legendas, sempre com a irreverência que caracterizava esses hoje saudosos jornalistas. Nem a logomarca da Abril escapou ao escárnio do(a)s leitore(a)s. Até porque as diferentes logomarcas podem, sim, dizer muito, tal como o saudoso Fortuna ensinava nos idos da década de 1980.
Há quem diga que as logomarcas “chupadas” sob as ordens de Roberto Civita, o primeiro-filho do fundador da Abril brasileira, causaram diversas vezes desconforto e até constrangimento entre os diretores mais profissionais, como Jeronymo Monteiro, Mino Carta, Luis Carta, Domingo Alzugaray e Claudio de Souza. Detentores de uma competência a toda prova, os ex-diretores da Abril contribuíram para o desenvolvimento editorial brasileiro dentro e fora da casa dos Civita: Jeronymo Monteiro dirigiu a Editora La Selva e a bem-sucedida edição brasileira Isaac Asimov Magazine; Mino Carta fundou a Encontro Editorial e mais tarde a Editora Confiança, da CartaCapital; Luis Carta, com Fabrizio Fazano, a Carta Editorial, da Vogue Brasil; Domingo Alzugaray, a Editora Três, da StatusPlanetaRepórter TrêsIstoé Gente etc, e, com Mino Carta, a Encontro Editorial, da Istoé e do memorável embora meteórico Jornal da República; Claudio de Souza, com Domingo Alzugaray, a Ideia Editorial, de Mister MagooDon PilotoCapitão BigbomTico e TecaPuff-PuffZartanPlaycolt etc.


Ao usar, com pródiga maestria, o nome Abril, a ainda modesta congênere brasileira usou também, com sutil inversão (como se estivesse ao espelho), a arvorezinha símbolo da Editorial Abril (argentina), como se pode constatar nas figuras logo acima. Mas há uma explicação para a inversão original, dada por Cesar Civita a uma pesquisadora italiana cuja tese de doutorado na Universidade de Bolonha tratou de sua façanha: muitas edições tipográficas de sua editora, compostas em oficinas de terceiros, trouxeram a logomarca acidentalmente invertida – isso nos idos de 1940, como a imagem acima à esquerda.
Em 1968, quando a Abril brasileira já se impunha como potência editorial (então estava constituída a Abril Cultural, dos fascículos, discos e livros; a Sociedade Anônima Impressora Brasileira – SAIB –, futura Gráfica Abril; Abril Educação, ainda que incipiente, com tímidos livros paradidáticos e didáticos, e até a Distribuidora Abril – depois Distribuidora Nacional de Publicações, DINAP –, para se libertar do monopólio exercido então pela Distribuidora Fernando Chinaglia, do Rio de Janeiro), a arvorezinha símbolo da Editorial Mex-Abril (criada em 1966 na Argentina expressamente para a Mex-Abril, do México, por uma agência de publicidade que prestava serviços para a Editorial Abril, em Buenos Aires) foi estilizada, sem perder a concepção original publicada em todos os produtos editoriais da Mex-Abril entre 1966 e 1969, como se pode constatar nas imagens abaixo deste parágrafo, retiradas da revista Nocturno mexicana de 1967 (23 de junho de 1967).


Os dois primeiros títulos – Raio Vermelho (Rayo Rojo, em espanhol) e O Pato Donald (El Pato Donald, em espanhol) – também foram, digamos, “emprestados” da Abril argentina para o pai de Roberto Civita, aquele que levou o fundador da Abril brasileira a dividir em vida o patrimônio para não deixar o irmão Richard Civita partilhar da direção do até então exitoso grupo editorial. Foi, aliás, o primeiro-filho, com uma sugestiva “ajuda” da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nos tempos da ditadura, que “trocou” com Armando “nada a declarar” Falcão (o mesmo sinistro da Lei Facão) os seus melhores diretores (Mino Carta, Luis Carta, Domingo Alzugaray, Claudio de Souza etc) por empréstimos para quitar as contas contraídas com a construção do majestoso prédio da Avenida Otaviano Alves de Lima (Freguesia do Ó), São Paulo, os equipamentos gráficos de última geração para a ex-SAIB e os hotéis Quatro Rodas Nordeste nas paradisíacas praias brasileiras – estes, aliás, objeto de uma CPI no Congresso Nacional, em 1982, em que um dos filhos de Civita e um dos então diretores da Abril brasileira foram convocados para depor, além de alguns serviçais da ditadura, acostumados à impunidade – ou, na linguagem atual, “blindagem” – que até 2005 era assegurada aos membros da elite brasileira (fac-símile do Diário do Congresso Nacional, de 6 de dezembro de 1982, mais abaixo).



E por falar em títulos “emprestados”, a Abril brasileira “adotou” – muitas vezes com logomarca e conteúdo, a exemplo de Raio Vermelho e O Pato Donald –, revistas de sucesso da congênere platina, como Noturno - Capricho (Nocturno, fotonovelas), Contigo (Contigo, idem), Ilusão (Idilio, idem), Claudia (Claudia, revista feminina; em homenagem a uma filha de César Civita precocemente falecida), Casa Claudia (Claudia Casa, decoração e interiores), Manequim (Maniquí, moda e corte-costura), Intervalo (TV, revista sobre a TV e seus artistas), Homem (Adam, revista masculina, antes de ser 100% Playboy), Quatro Rodas (de automobilismo, que, na Argentina, teve duas fases, a segunda com o nome Parabrisas, que circula até hoje, pela Editora Perfil, da família do dono da Editora Caras, associada à Abril brasileira), Realidade (Panorama, revista de reportagens) etc. Graças ao talento de Jornalistas como Mino Carta e Luis Carta (e às equipes que eles formaram), revistas como Quatro Rodas e, depois, Realidade passaram a ser referência na América Latina. Foi, aliás, o caso de Veja (e Leia) sob a direção de Mino (entre 1968 e 1975), mas, pouco depois, assim como Realidade, ficaram descaracterizadas quando passaram para o comando (literalmente “comando”) de profissionais submissos aos caprichos do primeiro-filho, Roberto Civita, indubitavelmente responsável pela decadência editorial, econômica e ética da editora que contribuiu, ainda que com evidentes contradições, para afirmar a identidade brasileira.
Expressão literal dessa decadência, o agora panfleto semanal denominado Veja teve a sua gênese forjada na história profissional de Jornalistas com letra maiúscula – tal qual a saudosa Realidade, retirada irresponsavelmente de circulação, em pleno auge, por iniciativa de Roberto Civita – como Mino Carta, tirado da direção da revista (e da editora) em 1975 para atender aos apelos bizarros do regime ditatorial e obter vantagens, como um milionário empréstimo do governo federal e a promessa de um canal de televisão que nunca lhes foi concedido, a ponto de a Abril Vídeo (e depois a TVA) não ter passado de caro devaneio do primeiro-filho. O nome Veja (e Leia) foi usurpado da célebre revista semanal argentina Vea y Lea, que circulou entre as décadas de 1940 e 1960. Esse título, a bem da verdade, não pertencia a César Civita (a Abril argentina possuiu duas semanais, Siete Días Ilustrados e Panorama Semanal, além de uma experiência frustrada anterior, dirigida por Carlos Civita, filho de Cesar, chamada Semana Gráfica), mas foi do país que ele escolhera o “empréstimo” feito, como podemos ver nas capas abaixo, publicação da Editorial Emilio Ramírez, respeitada concorrente dos Civita da Argentina.


Em síntese, usando a linguagem maniqueísta da decadente Veja de hoje, a farsa tem nome e endereço: Editora Abril, Avenida Otaviano Alves de Lima, 4400, Freguesia do Ó, São Paulo. A editora que se rendeu a interesses menores depois que o patriarca Victor Civita faleceu, em 1990, e que a partir de 2003, quando foi empossado o primeiro presidente operário do Brasil, passou a praticar a panfletagem e o antijornalismo, a serviço de propósitos inconfessáveis, ainda que tendo pago um elevado preço pela soberba. Desde então, uma sucessão de fracassos empresariais vem se acumulando, colocando todo o seu patrimônio financeiro e editorial numa iminente avalanche falimentar. Mas é em 1996, auge do neoliberalismo tucano, que a Abril brasileira começou a abrir mão de negócios de elevado significado estratégico por inépcia administrativa dos que herdaram de Victor Civita a outrora dinâmica editora.
Não bastasse a “adoção” nada ética de títulos, logomarcas, logotipos, produtos editoriais e conteúdos e a inescrupulosa permuta de diretores por empréstimos, absurdamente vergonhoso foi ter aceitado como sócio o grupo empresarial ligado à funesta política de apartheid da África do Sul e, pior ainda, ter-se submetido aos anacrônicos interesses da bizarra Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Washington (submissão anteriormente recusada por Cesar Civita, na Argentina, e Victor Civita, no Brasil, durante toda a guerra fria, período em que as editoras eram mais frágeis). Uma flagrante negação do legado dos patriarcas Civita e dos grandes Jornalistas que emprestaram seu talento, caráter, nome e dignidade àquela que aparentara ser um projeto editorial autêntico e de empoderamento da cidadania brasileira.


Mas a deslealdade com os membros de sua própria família, como o ocorrido com César Civita (foto acima) – ao não querer submeter-se às absurdas exigências da (mal)ditadura de Rafael Videla, de demitir os “comunistas” (isto é, os profissionais competentes) que ele empregava em sua editora e, por isso, ter sido alvo de um atentado da famigerada AAA (Ação Anticomunista Argentina), em 1976, contra a sua residência, fato que o levou a se autoexilar nos Estados Unidos e depois no México –, o primeiro-filho Roberto Civita negara ao tio o apoio para não fechar e ter que se desfazer da Editorial Abril. Quando lhe conveio, é verdade, o então todo-poderoso primeiro-filho chamou seu primo Carlos Civita, então um bem-sucedido empresário do ramo de produtos esportivos (de tênis) na região norte do Brasil, para representar os interesses da Abril brasileira na Colômbia (Editora Abril-Cinco), um projeto frustrado, como também não vingara anteriormente em Portugal (com o nome Editora Morumbi) e Espanha (com o nome Editorial Primavera).
Preferiu, décadas depois, fazer parcerias com concorrentes, como a Editorial Perfil da Argentina e a Rede Globo dos descendentes de Roberto Marinho. Talvez o primeiro-filho tivesse esquecido que o patriarca dos Marinho usara seu, digamos, “prestígio” junto aos generais de plantão para cassar a concessão da extinta TV Tupi, sua concorrente, e impedir que os Civita, concorrentes ainda maiores no mercado editorial, pudessem ficar com essa concessão, deixando a um apresentador de televisão, já sócio em outra rede de televisão, a “gentileza” de acumular durante mais de uma década dois grupos de televisão.
Prova disso, é a inusitada parceria entre as fundações Victor Civita e Roberto Marinho no evento anual “Prêmio Educador Nota 10”, logo no ano em que os netos do fundador da Abril brasileira se desfizeram de expressiva fatia do Grupo Abril, sobretudo do segmento Educação (outrora Abril Educação), formado por editoras como a Ática e Scipione e cursos como o Anglo, extremamente caro para o patriarca Civita, que pessoalmente o constituiu ao final da década de 1960. De resto, já é de domínio público a encalacrada financeira em que atualmente seus herdeiros se encontram, a ponto de passar títulos emblemáticos da Abril, como Recreio (criada por um grupo de educadores e jornalistas em 1969) e Placar (outro importante projeto editorial do início da década de 1970), para a editora que tem crescido à sombra dos erros e da soberba do hoje falecido primeiro-filho, Roberto Civita.


Ainda que sem ilusões, torcemos sinceramente para que, ao contrário da Editorial Abril, de Buenos Aires, a Editora Abril, de São Paulo, pelas relevantes contribuições feitas durante o (breve) período de vanguarda editorial, com todos os seus equívocos do período pós-1973, consiga sobreviver e se reencontrar com o legado dos dois velhos fundadores e das equipes profissionais que constituíram, para resgatar seu papel histórico, abandonando executivos incompetentes, sócios intolerantes e sobretudo posições maniqueístas que ameaçam a jovem democracia brasileira, ainda em construção. Afinal, tanto Cesar como Victor Civita tiveram de abandonar a Itália de sua juventude por causa da intolerância dos partidários do ditador Benito Mussolini e de seu aliado Adolf Hitler, para vir a se refugiar e realizar o sonho de suas vidas em dois países latino-americanos cuja população generosa os acolheu fraternalmente, tornando-os referência, ainda que com as contradições inerentes à economia de mercado praticada ao sul do Equador, onde, no dizer do grande compositor Chico Buarque, “não existe pecado”, desde os tempos coloniais, de triste memória.
Ahmad Schabib Hany


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