Sepúlveda
Pertence, brilhantismo e coerência
Discreto como viveu, o Ministro
Sepúlveda Pertence se eterniza num momento crucial, em que seu brilhantismo,
sua coerência e sua lealdade aos princípios da Democracia e do Estado de
Direito têm urgência inegociável.
José Paulo Sepúlveda Pertence. Brasileiro de uma
dimensão gigantesca, desde a juventude viveu para o Direito, e tão logo se
formou foi aprovado no concurso público de Promotor de Justiça do Distrito
Federal. No entanto, sua lealdade aos princípios do Estado de Direito o levou a
ser alvo da ira fascista dos mandarins de plantão, no auge da sanha canhestra
de autoproclamados ‘patriotas’, depois desmascarados pela História como
peçonhentos e serviçais de interesses inconfessáveis.
Sepúlveda Pertence é da geração de bravos
brasileiros. Quando saiu de sua pacata Sabará, Minas Gerais, para melhorar o
mundo, destacou-se com brilhantismo durante o curso de Direito na UFMG, não
tendo aberto mão de sua atuação no movimento estudantil, de cuja direção
nacional fez parte, como vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)
em seu período mais fecundo, época dos Centros Populares de Cultura (CPC). Tão
logo a capital foi transferida para o Planalto Central, lá estava ele atuando
ora como operador de Direito, ora como auxiliar docente da recém-criada UnB
(Universidade de Brasília), tendo assumido a cadeira do renomado
constitucionalista Hermes Lima, sob a direção do igualmente grande brasileiro
Waldir Pires (candidato a Vice-presidente da República ao lado do Doutor
Ulysses Guimarães em 1989).
Durante dois anos, quando exercia cargo no
Ministério Público do Distrito Federal, foi chamado pelo célebre jurista Evandro
Lins e Silva para ser seu secretário jurídico em seu gabinete no Supremo
Tribunal Federal. Com o fechamento do STF e do Congresso Nacional na imposição
violenta do Ato Institucional nº 5, teve cassado o cargo no Ministério Público,
tendo-se dedicado à advocacia e à luta pela redemocratização do país. Foi
vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nos
emblemáticos mandatos de Raymundo Faoro (1977-1979) e de Eduardo Seabra
Fagundes (1979-1981), ápice da luta pelas liberdades democráticas: anistia
ampla, geral e irrestrita; assembleia nacional constituinte, e eleições diretas
em todos os níveis.
Em 1985 foi indicado por Tancredo Neves para
assumir a Procuradoria Geral da República, cargo que exerceu com rigoroso
espírito republicano. Nessa condição, contribuiu com os trabalhos da Assembleia
Nacional Constituinte, como membro da Comissão Afonso Arinos, no âmbito do
Poder Judiciário e do Ministério Público, razão pela qual é reconhecido como o
principal responsável pela independência da Procuradoria Geral da República (do MPF) na defesa da sociedade ante o Estado. Em 1989, José Sarney o indicou
para o STF na vaga decorrente da aposentadoria do ministro Oscar Corrêa, cujo
desempenho foi fundamental para a efetivação de direitos inovadores constantes
da nova Carta Constitucional.
Sempre leal aos princípios republicanos e
democráticos, Sepúlveda Pertence tem marcas indeléveis em sua passagem na
presidência do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
neste último por dois mandatos. Embora discreto, deixou significativos aportes
na gestão da corte constitucional do país. Eloquente prova dessa postura,
sensível e inarredável aos parâmetros do Estado de Direito, Pertence não só
recebeu cordial e pessoalmente o Cidadão (maiúscula)
Joel de Carvalho Moreira em seu gabinete, em junho de 1999, como atendeu com
acuidade republicana o então servidor sob risco de demissão do Judiciário de
Mato Grosso do Sul (à época dirigente do Sindicato dos Servidores do Poder
Judiciário, SINDJUS/MS). Ele e a presidente da entidade sindical vinham sendo alvo
de arbitrariedades por terem proposto ação popular contra o nepotismo no Tribunal
de Justiça (TJ-MS).
Sem alardes e da maneira discreta que lhe era peculiar,
própria de Advogado e Juiz (com letras maiúsculas) garantista, Pertence deu
provimento às demandas do servidor do Judiciário. Assim, a hoje histórica (e
divisor de águas) Reclamação 1725, ele considerou procedente, ficando impedidos
os desembargadores do TJ-MS, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea n da
Constituição Federal. Ela estabelece que o STF julgue originariamente as ações
em que mais da metade dos membros do tribunal local sejam impedidos ou
diretamente interessados. Vinte e quatro anos desse encontro que assegurou seu
direito de servidor e de cidadão, o querido Amigo e Conterrâneo Joel Moreira se
despede do imortal Ministro Sepúlveda Pertence: “Inesquecível Ministro do
Supremo, relator de todos os meus processos no STF. Graças ao Doutor Sepúlveda
Pertence e ao Doutor Jorge Batista da Rocha, não fui demitido.”
Cidadão íntegro, brasileiro da estatura dos
protagonistas maiores da Constituição Cidadã, Sepúlveda Pertence não se furtou,
depois de aposentado do STF, a continuar seu aporte à Democracia, ao Estado de Direito:
entre 2007 e 2010 foi presidente da Comissão de Ética da Presidência da
República, quando o seu Amigo e Companheiro da década de 1960 Waldir Pires
também se encontrava no Governo do Presidente Lula, ora na Controladoria Geral
da União e ora no Ministério da Defesa. Coerente e leal a seus princípios, não
hesitou em fazer a defesa junto à mais alta Corte de Justiça, ao lado do agora
Ministro Zanin Martins, do ex-presidente Lula, durante a perseguição dos ‘farsistas’
(farsantes fascistas) da ‘Leva Jeito’.
Pessoalmente, nunca estive perto do Doutor
Sepúlveda Pertence, mas desde os tempos dos saudosos Raymundo Faoro e Seabra
Fagundes à frente da OAB (1977-1981), sendo Vice atuante, esse gigante do
Direito e da Cidadania sempre despertou confiança e admiração. Sua firmeza, lealdade
e discrição como Companheiro desses dois bravos que enfrentaram sob riscos à
própria Vida durante a (mal)ditadura -- a ponto de Faoro ter sofrido ameaças de
Sylvio Frota e Fagundes ter sido alvo de atentados, inclusive o que matou a
secretária da sede nacional da OAB no Rio de Janeiro, Dona Lyda Monteiro -- são
atributos raríssimos de poucos iluminados, que desde a eternidade levam e levarão
a luz às novas gerações. Sepúlveda Pertence, presente!
Ahmad
Schabib Hany
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