Confiança
e vigilância
O retorno do Brasil à
civilidade tem exigido, ao mesmo tempo, confiança e vigilância, sobretudo pela
insistência de hienas travestidas de gente, dominadas por desejo insano de
predar o digno processo de emancipação social do povo brasileiro.
Confiança e vigilância, esse é o binômio da
contemporaneidade.
Em pouco mais de seis meses a sociedade civil e o
Estado Democrático de Direito retomam o nível civilista (e civilizado, no
sentido mais amplo e destituído do ranço etnocêntrico) anterior ao período
obscurantista imposto entre 2016 e 2022.
A confiança, de um lado, é decorrência natural do
protagonismo cidadão construído desde antes da Constituinte de 1987-88, forjado
nas jornadas democráticas do penoso e longo período de trevas a que o país
esteve submetido por conta da aventura golpista de 1964.
Essa confiança vem da maturidade alcançada pela
cidadã e cidadão brasileiro, que não só soube dar consistência e vida ao
conjunto de artigos, alíneas e parágrafos constantes da Carta Constitucional e
leis complementares e ordinárias que fizeram do Brasil vanguarda no concerto
das nações entre a última década do século XX e as primeiras décadas deste.
A despeito do complexo de vira-latas de
inexpressivas mas barulhentas hordas bizarras que se deixaram contaminar pelo
ódio disseminado ao longo da última década, o Brasil, ou melhor, o Povo
Brasileiro (com maiúsculas) tem dado provas inequívocas da altivez e galhardia
com que protagoniza verdadeiras transformações exemplares mundo afora: uma
sabedoria invejável, uma capacidade de resiliência surpreendente e, sobretudo,
um senso extraordinário de renascer das cinzas.
Afinal, quem não se lembra dos desmandos, tramas e
tramoias, além da descontinuidade e do desmonte das políticas públicas em todas
as áreas durante o período obscurantista em que o golpista e o inominável se
mancomunaram para o retrocesso do Brasil em seu histórico processo conquistas
dignificantes? Esse cenário de guerra de terra arrasada que traumatizou,
sobretudo, as novas gerações durante a pandemia de covid-19 precisa ser
reparado com vigor, competência e total eficiência.
Não se trata apenas nas áreas da Saúde, Educação,
Cultura, Desportos, Assistência Social, Habitação, Meio Ambiente, Direitos
Humanos, Ações Propositivas, Inclusão LGBTQIA+, Igualdade Racial e de Gênero,
Desenvolvimento Local e Ciência, Tecnologia e Inovações. Mais que nunca é
preciso reparar os danos causados pela acintosa prevaricação ocorrida desde
2016, início dos desmandos e do desmonte do Estado Democrático de Direito. Além
da inadiável punição exemplar de todos os responsáveis diretos e seus comparsas
nessa conspiração fascista, de triste memória.
Por outro lado, a vigilância é fundamental neste
processo de retomada do Brasil como nação que não desiste de continuar a
empreender sua emancipação plena.
Não se trata de promover ‘caça às bruxas’, próprio
dos regimes fascistas e congêneres. À luz do Estado de Direito, é fundamental
que seja exercida a vigilância social, que, aliás, está consignada na
Constituição Cidadã de 1988 no título da Ordem Social, em diversos artigos, sob
o nome de Controle Social.
A Constituinte de 1987-88, ciente da sevícia,
desídia e sedição características da hordas da ultradireita, fez constar de
todas as políticas sociais uma estrutura institucional, ou melhor, um lócus,
que depois passou a ser denominado de conselho paritário ou tripartite
(conforme a conformação proposta pela lei complementar de cada política pública
em questão). Embora a melhor conformação seja a da Saúde, tripartite (50%
representantes do segmento dos usuários, 25% representantes do segmento dos
trabalhadores em saúde e 25% dos prestadores de serviços e gestor), os
conselhos paritários também têm excelente resolutividade.
Obviamente, esses espaços de vigilância, durante o
período obscurantista, perderam sua efetividade, tendo-se tornado mera
instância burocrática em todas as esferas (federal, estaduais e municipais). O
artifício para burlar a vigência desse instituto constitucional se resume no controle
pelo gestor do processo de preenchimento das vagas correspondentes à sociedade
civil (ou segmentos não governamentais) pelo próprio conselho ou por fóruns ‘pelegos’,
criados por figuras ligadas à administração pública sem qualquer autonomia. É
pauta inadiável a reconquista da autonomia desses processos de eleição efetiva,
longe de qualquer interferência pelo gestor setorial, para que a sociedade
exerça uma vigilância eficiente, segura e resolutiva.
Em síntese, a confiança no Estado Democrático de
Direito só encontra efetividade sempre e quando a vigilância (entendida por
controle público, social ou popular) for conquistada pela cidadania. Só assim
as hordas fascistas não encontrarão eco em sua mal-intencionada atuação de desacreditar
as conquistas democráticas por meio de factoides mirabolantes destituídos de
qualquer base real.
Nas décadas de 1980, 1990 e 2000 Corumbá e Ladário
foram exemplo não só para Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, mas para todo o
Brasil e, inclusive, algumas instituições financeiras multilaterais, como o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quando das discussões para a
configuração do monitoramento de megaprojetos como o Programa BID-Pantanal.
Ahmad
Schabib Hany
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