A
Vida, como a História, não tem marcha à ré
O inominável, com todas as suas
mentiras cabeludas capazes de ruborizar o capiroto, não conseguiu fazer o tempo
andar para trás, mas seu séquito de negacionistas ainda teima. E como teima.
Até parece uma obra de ficção este
período da história da humanidade em que um ser comprovadamente sociopata tomou
de assalto os destinos de milhões de almas...
Nem os geniais Dias Gomes (imortal
criador da imaginária Sucupira e o corrupto prefeito Odorico Paraguaçu), García
Márquez (inimitável criador de Macondo, a cidade fictícia do patriarca José
Arcadio Buendía) e Chico Buarque (iluminado compositor de centenas de
verdadeiros hinos à liberdade, sobretudo de ‘Maldita Geni’ e ‘Chama o ladrão!’)
teriam sido capazes de criar tanto surrealismo junto como o que um psicopata de
competência duvidosa conseguiu impor a toda uma nação em tão poucos anos.
É bem verdade que esse ‘mérito’ não é
todo seu, até porque competência nem para isso esse atabalhoado teria: o inegável
ajutório do grupo de endiabrados de Steve Bannon, a partir da metrópole
sanguessuga, e a viralatice indecorosa dos pretensos senhores de almas e vidas
cativas hodiernos estão a protagonizar o grosso dessa bizarrice nefasta. Um
bando de recalcados que se recusam a enxergar o óbvio -- a grandeza de alma e a
beleza cativante de um povo generoso, acolhedor e laborioso -- e passam o tempo
todo a praticar engenhosidades maldosas e a enxergar chifre em cabeça de
cavalo.
Sempre a serviço de ‘grandes senhores’,
é como os descendentes de Anhanguera, Raposo Tavares, Borba Gato e seus iguais
vêm passando seus dias na face da Terra: saqueando o patrimônio público;
matando os povos originários e escravizados e seus descendentes; grilando terras
indígenas, quilombolas e reservas ambientais; desmatando florestas e
contaminando rios e fontes hídricas; sonegando impostos e demais tributos,
necessários para a efetivação de políticas de reparação de danos, promoção de direitos
justos e tardios e erradicação das seculares desigualdades sociais; descumprindo
leis e sentenças judiciais porque creem que o país lhes pertence; aviltando a
história e a legitimidade das demais camadas da sociedade brasileira sob
pretexto de somente eles serem ‘patriotas’, e, portanto, detentores de direitos
(isto é, privilégios); mentindo e negando tudo porque em sua mente rasa só
cabem eles, como o ‘povo eleito’ (daí a simpatia pelo fascismo, sionismo e
Israel), verdadeiros narcisos.
Quando, em 1967, comecei a estudar
História do Brasil no livro de Lourenço Filho, ficava incrédulo com a apologia
aos bandeirantes, sobretudo Anhanguera e Borba Gato, e, mais ainda, à forma de
descrever os povos originários e os escravizados trazidos da África. Os termos ‘silvícolas’
e ‘peças’ ao se referir aos nativos e africanos escravizados causavam um
desconforto. Foi meu saudoso Pai quem conseguiu me ‘traduzir’ essa
incredulidade ao dizer que era dessa forma com que os europeus se referiam aos
outros povos, desde o tempo do Império Romano.
Tenho a honra de dizer que graças a
meu saudoso Pai, primeiro mestre na leitura e escrita, aprendi a observar a
arrogância de muitos imigrantes que, em vez de gratidão, demonstram soberba
pelos brasileiros, bolivianos e demais latino-americanos, além de debochar da
generosa hospitalidade e lhes impor uma inferioridade própria do espírito
colonizador que saqueou, caçou, caçoou, abusou, escravizou, explorou, espoliou,
matou e dizimou em nome do progresso do bolso deles e de seus reis igualmente
saqueadores e canalhas.
Sem declinar nomes, mesmo porque não
mais estão entre nós para se defenderem, não foram poucos os imigrantes (europeus,
asiáticos e alguns africanos descendentes de europeus) com os quais meu Pai
tivera discussões acaloradas por causa dessa atitude. Não por acaso um dos
beneficiários da lenda do extermínio dos Guató era um imigrante que tentara
matar um conterrâneo que descobrira a grilagem. Da mesma forma como era um
imigrante ‘ex-nazista’ (sic) quem explorara
durante décadas peões de fazenda iludindo-os com a promessa de que os tornaria
guias de turismo. E como se isso fosse pouco, a ousadia de outro que acreditava
piamente na superioridade de seus olhos azuis, e por isso trabalhar ‘para ele’
era um privilégio para seus serviçais, isso nas derradeiras décadas do século
XX.
Eis a verdadeira razão pela qual o
período de conquistas sociais e esplendor econômico do governo de Lula foi
deplorado pelos ‘donos’ da nação, aqueles mesmos que iam para a Avenida
Paulista ou Avenida Nossa Senhora de Copacabana para declarar o ‘cançei’ (assim
mesmo, com ‘c’ cedilhado, maltratando o vernáculo). Estavam, sim, ‘cançados’
com o acesso a oportunidades de uma filha de doméstica cursar Medicina ou
Engenharia numa universidade federal ou uma família da chamada ‘classe d’
viajar à Disney num voo internacional. O ranço da sociedade escravagista, do
tempo da senzala, lhes subiu à cabeça e estimularam pilantras travestidos de
agentes públicos a fazer uma das maiores fraudes processuais da história da
humanidade, que nem o regime de 1964 havia cometido, e o resultado conhecemos:
os recalcados da caserna deram a rasteira aos ‘amiguinhos’ do Aecinho Never e
colocaram um sociopata como fantoche de interesses inconfessáveis.
Como não existe crime perfeito,
caberá ao eleitor brasileiro a sublime tarefa de repelir os farsantes
embusteiros e colocar o País nos trilhos do trem da História. Porque a Vida não
tem marcha à ré. Porque a História não carece de amos e muito menos de
serviçais.
Ahmad Schabib Hany
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