A
‘culpa’ é do professor de História...
Diferentemente de 1922 e de 1972, as
celebrações de 2022 são da dimensão do atual ocupante do Planalto -- medíocres
e desfocadas -- , mas a ‘culpa’ é, como de costume, do professor de História...
O Amigo de mais de quatro décadas e
Companheiro de jornadas memoráveis Historiador e Professor Paulo Marcos Esselin
havia acabado de me compartilhar o artigo “Há um ‘historicídio’ em curso no
Brasil”, escrito pelos historiadores Antônio Simplício Neto (UNIFESP), Paulo
Eduardo Mello (UEPG), Valdey Araújo (UFOP) e Paulo Eduardo Teixeira (UNESP), em
que advertem para o perigoso processo de esvaziamento da História (como durante
o regime de 1964), publicado na página de opinião da Folha de S.Paulo em 3 de setembro último (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/09/ha-um-historicidio-em-curso-no-brasil.shtml).
Como a ratificar o alerta desses
historiadores inconformados, a minha Companheira veio do trabalho com um
depoimento tristemente revelador. No ônibus que ela tomara, dois jovens casais --
dois secundaristas e dois universitários -- problematizam um dos fatos expostos
no artigo, a ‘perda da importância’ da disciplina de História nas escolas
(fruto da gestão conservadora do governo Michel Temer no BNCC, isto é, Base Nacional
Comum Curricular, documento responsável pela normatização dos currículos das
escolas públicas e privadas do ensino básico).
O jovem casal de universitários não
consegue disfarçar a indignação pela displicência dos jovens adolescentes que,
com naturalidade, revelou desconhecer o porquê do feriado de 7 de Setembro e da
‘badalação’ em torno dessa data (obviamente, por conta do Bicentenário da
Independência), além de atribuir ao professor sua santa ignorância. Mais
conformada, a namorada do universitário (parecia tratar-se de estudantes de
alguma licenciatura, isto é, da Educação) tentou tranquilizar o jovem possesso:
“Calma, Bebê, que eu já estou acostumada com isso...”
Ora, além do desprezo das elites pela
História, Geografia, Filosofia e Sociologia -- todas aglutinadas pelo BNCC de
2018, e com o agravante de professor de qualquer área poder ministrar essas
disciplinas --, o esvaziamento de seu conteúdo durante os quase 20 anos de
vigência plena da famigerada Lei 5.692/1971 (outorgada, sem qualquer debate,
pelo então ministro Jarbas Passarinho nos anos de chumbo), sob pretexto de que
a juventude precisava de ‘ensino profissionalizante’ (o mesmo discurso, aliás,
dos saudosos da dita cuja).
Minha geração é a prova viva da
‘pasteurização’ da educação ocorrida durante a vigência da Lei 5.692/1971: se nos
anos letivos de 1970 e 1971 tivemos História e Geografia (Filosofia e
Sociologia já haviam sido retiradas dos currículos escolares), a partir de 1972
passamos a ter apenas Estudos Sociais (em que os tecnocratas do MEC tinham
aglutinado História e Geografia), além de Educação Moral e Cívica (EMC) e
Organização Social e Política Brasileira (OSPB). No então chamado ensino
superior, regido pela Lei 5.540/1968 (Lei da Reforma Universitária, resultante do
Acordo MEC-USAID), a disciplina obrigatória a todas as graduações era Estudos
de Problemas Brasileiros (EPB), versão universitária de OSPB.
No entanto, a despeito da doutrinação
explícita durante os anos de chumbo e do fato de um coronel ter sido o titular
do Ministério da Educação e Cultura (MEC), a estatura dos gestores da Educação
fez com que a celebração do Sesquicentenário da Independência, em 1972, tivesse
nuances memoráveis -- fosse para denunciar o oportunismo do ditador, que mandou
cunhar moedas com sua imagem associada à de Pedro I, e, sobretudo, louvar a
criatividade de docentes como o Professor João Papa, Professora Rosa das Graças
Nunes Delgado, Professora Mary Calix Nachif, Professor Elias Francisco Machado
Nemir, Professora Lourdesny dos Santos, Professor Odiney Taborda Papa,
Professor Domingos Vieira Filho, Professor Luiz Carlos Katurchi, Professora
Lúcia Cavalcante, Professora Joaquina Pires de Oliveira, Professora Maria
Auxiliadora Maia e Professor Euro Nunes Varanis, cujas atividades extracurriculares
nos despertaram o gosto pela Ciência, pelas Letras e, sobretudo, pela História.
E como gesto de gratidão, cabe,
obviamente, um oportuno reconhecimento aos docentes e pesquisadores pioneiros
dos cursos de História, Letras, Ciências e Pedagogia do Centro Pedagógico de
Corumbá (CPC), da Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), como a Professora
Edy Assis de Barros, Professor Valmir Batista Corrêa, Professora Lúcia Salsa
Corrêa, Professor Gilberto Luiz Alves, Professora Kati Eliana Caetano, Professor
José Carlos Françolin, Professor Masao Uetanabaro, Professora Gisela Angelina
Levatti Alexandre, Professor José Carlos Abrão, Professor Lécio Gomes de Souza,
Professor Salomão Baruki, Professor Leonides Justiniano, Professor José
Sebastião Candia, Professora Vera Lúcia Santos Abrão, Padre João Antônio Borges
Bertoldi, Professora Albana Xavier Nogueira, Professor Octaviano Gonçalves da
Silveira Junior, Professor José Luiz Finocchio, Professor José Roberto
Zorzatto, Professora Maria Auxiliadora Puccini e Professora Vilma Teixeira, entre
tantos outros não menos importantes.
O Centenário da Independência, em
1922, foi muito mais fecundo, pois legou a Semana de Arte Moderna de São Paulo,
o primeiro partido de âmbito nacional e de ideologia socialista do país (o
velho PCB) e o Tenentismo, movimento dos jovens oficiais que são a base da
Coluna Prestes e mobilizações ocorridas na República Velha, aliás, reprimidas
com muita violência, mas que expuseram a caducidade da política oligárquica que
teima se manter nestes tempos sombrios.
Não há como não enxergar que os
sucessivos gestores da Educação, a despeito do alardeado patriotismo, não
planejaram absolutamente nada em termos do resgate da História para o
Bicentenário da Independência. Pelo contrário, tentaram açambarcar os ideais
libertários dos mártires da emancipação do Brasil da coroa portuguesa. Mas a
sua mediocridade e falta de foco, ou melhor, embasamento histórico, os levou a
um pífio comício nada republicano, sobretudo, em Brasília e Rio de Janeiro.
Como se a soberania nacional e os anseios libertários fossem exclusivos a
reduzido número de privilegiados, por sinal, pouco afeitos à brasilidade, cujas
características são a empatia, solidariedade, acolhimento e hospitalidade.
Felizmente, como ocorre há mais de 30
anos, por iniciativa da CNBB e dos movimentos sociais ligados às pastorais da
Linha Seis, o emblemático contraponto da celebração do Bicentenário da
Independência ficou por conta do Grito dos Excluídos, que em diversas capitais
-- como São Paulo, com o importante apoio do Padre Júlio Lancelotti -- doou
milhares de marmitas com refeições saudáveis e/ou cestas básicas às famílias
com fome espalhadas pelo Brasil nestes tempos sombrios e nada generosos. Porque
soberania rima e coaduna com empatia, não com exclusão, ódio e intolerância.
Em síntese, os patrioteiros
amesquinham o civismo, transformam-no em fanatismo, e ao professor, em
particular, de História, cabe a ‘culpa’ pelos descalabros e a descabida
alucinação em vez de celebração. Resta a esperança -- bendita esperança! -- de
que um dia não muito distante as novas gerações possam fazer a celebração deste
Brasil diverso e generoso de forma plena, livre e com o entusiasmo e a
espontaneidade que faz do Povo Brasileiro lindamente apaixonante. Eis a nossa
sincera ode ao Bicentenário da Independência.
Ahmad
Schabib Hany
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