Bolívia – Evo
Sem Fronteiras: “Estamos de volta e somos milhões”
Supriyo Chatterjee সুপ্রিয় চট্টোপাধ্যায়
21/11/2020,
Tlaxcala Rede Internacional de Tradutores
Sonhos, premonições, mitos e história
conduziram Evo Morales por uma pequena ponte, do exílio de um ano no México e
na Argentina, de volta à Bolívia. Deixou o país como presidente deposto e volta
sem seu gabinete, mas agora, parece, pode pôr-se lado a lado de dois gigantes
continentais e emergir como herdeiro do mesmo estandarte, espécie de ímã para
os despossuídos e deserdados, num continente acossado pelo Covid, do sul do Rio
Bravo até o Orinoco?
“Nayawa
jiwtxa nayjarusti waranqa waranqanakawa kutanipxa”
(“Morro,
mas voltarei amanhã e serei milhões”)
Últimas
palavras do líder aimará Tupac Katari, antes de ser esquartejado pelos
espanhóis, dia 15 de novembro de 1781. Suas palavras viralizaram, depois que
Evo conseguiu escapar da Bolívia, ano passado.
Primeiro,
vieram os sonhos. Em outubro, Evo sonhou que escalava o pico de uma montanha e
lá recebia uma medalha. Uma semana depois, teve exatamente o mesmo sonho. Foi quando, diz ele, soube que seu partido “Movimento para o
Socialismo”, esp. MAS, sairia vencedor das eleições presidenciais de
novembro. Muitos estranharam a confiança arrogante, mas Evo já teve premonições
desse tipo. Antes da morte de sua irmã, em agosto, sonhou que uma tia já
falecida chegara à procura dela. Os sonhos de Evo provaram-se certeiros: seu
partido alcançou vitória retumbante, seu ex-ministro da Economia e seu
ex-chanceler foram eleitos presidente e vice-presidente, e o exílio logo
acabaria.
Apenas um
ano antes, em 2019, Evo vivia um pesadelo. Com um golpe já em andamento em La
Paz, refugiou-se numa base do partido na região de Cochabamba, confinado num
campo de pouso, com os conspiradores enviando mensagens ao pessoal da segurança
que o acompanhava com ofertas de muito dinheiro, dólares norte-americanos, para
que lhes entregassem o Presidente, para ser morto ou para ser mandado para os
EUA. Foram necessários muito planejamento e manobras, encabeçados pelos
presidentes do México e da Argentina, antes de conseguirem que um avião da
Força Aérea mexicana decolasse, levando Evo e seu vice-presidente, Alvaro García
Linera, pela escuridão da noite tropical, para o exílio, no México.
O exílio
vive incorporado à história da América
Latina, desde a colonização. A Coroa
espanhola não só mandou muitos de seus indesejáveis para exílio permanente nas
Américas, também despachou agitadores americanos para a Espanha, para Porto
Rico e até para as Filipinas. O exílio virou lugar-comum durante a guerra da
independência. Simon Bolívar, o libertador do continente, morreu longe de sua
Venezuela natal, vendo seu sonho de uma Grande Colômbia dissolver-se à sua
volta. No Chile, Bernardo O'Higgins e José de San Martín e seus adversários, os
irmãos Carrera, todos esses conheceram o exílio. Buenos Aires, Montevidéu,
Santiago do Chile, Caracas e Cidade do México receberam grandes populações de
exilados. Um dos exilados mais famosos que viveram na Cidade do México foi
Fidel Castro, que ali reuniu a vanguarda da revolução cubana.
A América
Latina tornou-se refúgio de milhares de Republicanos que fugiam da perseguição
assassina de Franco durante e depois da Guerra Civil Espanhola. Depois, com o
fascismo e a Segunda Guerra Mundial, veio uma onda de refugiados de Itália,
Japão e Alemanha. A maré logo virou, quando o Novo Mundo começou a expelir seus
exilados. O argentino Juan Domingo Perón padeceu longo exílio na Espanha em
meados do século 20, quando milhares de chilenos, argentinos e uruguaios comuns
tiveram de fugir como exilados políticos durante o terror dos anos 1970. O
êxodo colombiano nunca parou. A angústia e a nostalgia dos colombianos por uma
pátria para eles perdida transparece nos escritos e nos poemas de Pablo Neruda,
Eduardo Galeano e Mario Benedetti, entre tantos outros, e impressos na memória
coletiva.
Evo e
Álvaro Garcia Linera, no comício da volta, no aeroporto Chimore
O exílio de
Evo foi curto, mal durou um ano, e o retorno foi triunfante. O aeroporto
Chimore, de onde saíra da Bolívia na calada da noite, foi palco do maior
comício da volta, com multidão de mais de meio milhão de pessoas. A sustentá-lo
no exílio estava o mito de Tupac Katari, o líder indígena boliviano cujas
últimas palavras, reza a história, teriam sido “Morro, mas voltarei amanhã e serei
milhões.”
Para os
povos indígenas da Bolívia, Tupac Katari mítico cumpriu o que lhes prometeu, e
dessa vez estão na posição de povos vitoriosos. Evo decidiu que outra vez
viverá como líder sindical, seus longos dias de trabalho já livres de assuntos
de estado, dedicados outra vez a mobilizar e unir os mineiros, os trabalhadores
do setor público, os camponeses, como foi seu pai, e plantadores de coca, para
proteger o frágil novo governo contra ataques do ancien regime – que
continua a conspirar com grupos paramilitares e dentro dos quartéis e das
forças especiais da Polícia.
O novo
governo tem todos os motivos para desconfiar da polícia e daquele
irrepreensível pedigree de repressão. Originalmente modernizado por um
general prussiano nos anos 1930, a certa altura chegou a ser treinado por
ninguém menos que Klaus Barbie, o Carniceiro de Lyon. A inteligência dos EUA
ajudou Klaus a fugir da França para a Bolívia, onde adestrou as forças
policiais nas artes da tortura e de fazer desaparecer ativistas da oposição;
adiante, uniu-se a Pablo Escobar, senhor-da-droga na Colômbia, sempre operando
como informante para os EUA. O Pentágono cuidou dessas forças ao longo de todas
as ditaduras no século 20. Naturalmente, os norte-americanos têm sob seu
controle todas as polícias locais, conhecidas pelo alto número de corruptos
ativos, independente de quem pague seus salários. Em todos os casos fazem muito
mais dinheiro nas gangues de extorsão.
Pouco
provável que o efeito da volta de Evo limite-se às fronteiras da Bolívia, e não
só porque fez a esquerda de todo o continente rememorar que também sabe vencer.
Imediatamente depois dos primeiros comícios de boas-vindas, Evo reuniu-se com
líderes progressistas indígenas e sindicais, entre outros, de Equador e
Argentina, e convocou um congresso de movimentos sociais latino-americanos para
Cochabamba, nos dias 17-19 de dezembro. O objetivo é constituir uma organização
indígena internacional, focada nas lutas anti-imperialistas e anticapitalistas,
e também promover a integração da região.
Diz-se que
Evo deseja reanimar a Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos, CELAC, e a
União de Nações Sul-americanas,
UNASUL, as duas organizações regionais constituídas quando a esquerda esteve no
poder em vários desses países. Governos de direita as puseram em estado de coma
induzido, e é difícil ver como Evo poderá fazer ressurgir aquelas organizações,
dado que já não é chefe de estado. Mas pode ajudar Luis Arce, presidente da
Bolívia nessa empreitada, e se, no futuro imediato, a esquerda voltar ao
governo em outros países, é possível que aconteça. Por enquanto, por mais que o
deseje, a reanimação dessas organizações está além das capacidades de Evo.
Seu maior
impacto político pode ter efeito no Equador, ano que vem. Parece estar-se unindo
ao candidato da esquerda às eleições presidenciais do próximo ano no Equador, e
ao líder da maior coalisão indígena naquele país. As duas forças estão em
disputa desde o governo de Rafael Correa, mas a enorme população indígena do
Equador poderia impulsionar uma frente única com vistas ao poder naquela nação
andina.
Há outros
países com população majoritariamente indígena, como Peru, Paraguai e Guatemala
na América Central, mais até agora nenhuma delas dá sinal de se ter deixado
seduzir pelos talentos de Evo.
As
populações indígenas no continente não têm identidade comum ou monolítica, nem
construíram movimentos sociais ou étnicos nos respectivos territórios
nacionais. Não são tampouco imunes às fraturas de classe, às ideologias ou à
influência de culturas não originárias, mas o boom econômico dos anos de
exportação de matérias-primas está acabado e os tempos de ‘política é negócio
como sempre’ estão também nos estertores finais. Esse pode ser solo fértil para
que Evo consiga modelar um bloco revolucionário indígena coeso, e reafirmar uma
identidade comum que ultrapasse fronteiras. Seja como for, hoje o sucesso desse
projeto está longe de poder ser dado por garantido.
A volta
triunfante de Evo consagrou um mito contemporâneo na América Latina, onde
muitos na esquerda – mais nos movimentos de base que nas altas lideranças –
estavam à procura de alguém que preenchesse o vazio que se criou com a morte de
Fidel e de Chávez. Aprendiz de ambos, na origem, Evo pode emergir como
herdeiro, como referência discursiva, conforme cresça sua estatura como olho
gerador do furacão. Como os dois líderes antes dele, Evo tem o capital moral e
uma vontade férrea de devolver os golpes do império que se vai desmoronando,
sim, mais ainda muito lentamente.
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Evo Morales Ayma:
Mi
vida. De Orinoca al Palacio Quemado, 2020, Argentina: Ed. Página 12
(Compartilhado
do Grupo Debate Internacionalista, coordenado pelo Amigo Camarada Professor
Lejeune Mirhan, a quem agradeço pela generosidade da iniciativa.)
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