Fonte: Regis Gallo (2018)
“Alemanha acima de tudo”,
essência do totalitarismo nazista
Frase-síntese
do totalitarismo nazista, a aparentemente patriótica e inocente consigna “Alemanha
acima de tudo” foi a ideia-força com a qual o Partido Nacional Socialista (isto
é, nazista) se consolidou nas mais diferentes camadas da sociedade alemã no
período entre-guerras do século XX até destruir significativa área da Europa e
promover um dos maiores genocídios da história.
Por
que uma frase patriótica como essa encarnaria o temido totalitarismo nazista? É
que por trás dessa inocente consigna está a alma do conjunto de conceitos e
desvarios que justificaram a ação nazista e o rastro de horror por ela deixado.
Se
pensarmos bem, o oposto de “tudo” é “nada”, portanto, quem não se enquadrar nessa
lógica é considerado um desgarrado na ótica de (sic) “porteira fechada” dos atuais cultores desse ideário que volta
a infestar com igual vigor e virulência de outrora, como se novidade fosse em
plena segunda década do século XXI.
Nem
novo, nem inocente.
O
“nacional socialismo”, aliás, foi uma esperteza para que o conjunto de
excrescências compiladas com frágil articulação entre si ganhasse um rótulo,
digamos, palatável – a eufonia necessária para uma cacofonia desfigurante, dominada
pelo primarismo maniqueísta – para pessoas pouco afeitas à leitura ou de mente
rasa, na tentativa de cooptar segmentos da classe média que haviam perdido seu
lugar ao sol na sociedade alemã do início do século XX.
O
“nacional” atendia ao apelo da pequena burguesia despojada pela guerra, e o “socialista”
para ludibriar setores do proletariado alijados do processo produtivo, também
conhecidos como “lúmpen proletariat” (proletariado parasita) das economias
colapsadas pelo caos sociopolítico.
Enquanto
patrões empobrecidos se irmanavam com os trabalhadores por um Estado forte,
resultado da união de todos em favor da Alemanha, os trabalhadores tinham a
ilusão de, finalmente, terem sua ascensão de classe promovida, no âmbito de uma
igualmente Alemanha forte, sob os auspícios do nazismo. Assim, em nome da
sobrevivência do Estado alemão, as classes se uniam numa só e lutavam contra o “inimigo
comum”.
Não
bastavam a eloquência e a desenvoltura do bizarro arrebatador Adolf Hitler. Os
ideólogos nazistas precisavam contrapor-se de modo eficaz diante da difusão dos
ideais socialistas por conta da Revolução Soviética e do desgaste de partidos
tradicionais como a social-democracia, liberais e conservadores, sobretudo
depois da derrota sofrida pela Alemanha na Primeira Guerra Mundial.
Num
ambiente de crise fundamentalmente econômica, política e social, o então
recém-constituído Estado alemão (afinal, as forças de Otto Von Bismark haviam
derrotado os seus inimigos havia aproximadamente cinquenta anos na emblemática
guerra franco-prussiana, passo determinante para a unificação alemã) vivia um
dilema atroz, existencial até, quando hordas de homens de baixa racionalidade e
elevado vigor físico eram espalhados como “protetores” da pátria, da
nacionalidade, num falso protagonismo popular pelo adestramento nazista sobre a
depauperada população alemã, ainda não refeita de sua primeira derrota bélica
de âmbito mundial, responsável pelo caos econômico e baixo moral reinante.
Além
de uma eficiente máquina de propaganda estruturada pelo célebre ideólogo
nazista Joseph Goebbels, a cúpula do partido nazista contava com qualificada
equipe de estrategistas oriundos da academia, da caserna e do mercado, num
funesto tripé cujo propósito era literalmente uma política de “terra arrasada”,
tal qual a guerra assim caracterizada.
O
binômio academia-caserna, aliás, foi determinante para definir o “inimigo
interno” a ser eliminado – sim, eliminado, pois não só a concepção como a
prática é totalitária –, manipulando a realidade de modo simplista e patrioteiro,
do tipo “quem estiver contra é inimigo, e precisa ser eliminado para o bem da
nação”.
Explicando
melhor o primarismo maniqueísta, mediante a redução da realidade a “bons”
contra “maus” – ou melhor, no vocabulário de hoje, os “do bem” contra os “do
mal” –, descaracterizou de tal maneira a variedade de legítimos interesses –-
obviamente muitas vezes conflitantes -–, que a mensagem simplista da perfeição
absoluta, messiânica, arrebatadoramente calou fundo nas almas tacanhas de
bizarros seres que povoavam o imaginário do povo alemão naquele contexto
histórico.
E
é bom que se diga que não foram só os alemães os atingidos: vieram nessa
avalanche arrebatadora italianos com o fascismo de Benito Mussolini, os espanhóis
com o franquismo do generalíssimo Francisco Franco e os portugueses com o salazarismo
de António Salazar.
Tal
qual pandemia a devastar populações, esse conjunto de estratégias mórbidas (que
não se pode denominar de “ideologia”, pois, a rigor, não tem qualquer propósito
edificante, dignificante da espécie humana para merecer este tratamento),
durante a chamada “guerra fria”, foi transplantado para a América Latina pela
superpotência ocidental que hoje ficou reduzida a um império decadente que
reluta a abrir mão de sua hegemonia absoluta sobre toda a humanidade. Em nome
dos valores democráticos, os Estados Unidos “generosamente” promoveu uma série
de ditaduras nas décadas de 1960 e 1970 com igual perfil: stroessnerismo no
Paraguai de Alfredo Stroessner, o banzerismo na Bolívia de Hugo Banzer e o
pinochetismo no Chile de Augusto Pinochet, além do Brasil, Argentina, Peru e
Uruguai, que não tiveram a personalização de seus comandantes, mas uma sucessão
deles.
Não
é demais recordar, a título de conclusão, que os nossos pracinhas -– os mártires
brasileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB) –- sacrificaram suas
próprias vidas para extirpar do seio da sociedade pretensamente civilizada esse
verdadeiro câncer que teima em retornar menos de oitenta anos depois de ter
sido fragorosamente derrotado. Não há melhor homenagem à suas honradas memórias
que a rejeição a esse conjunto de ideias esdrúxulas recomposta sobre o sangue
inocente de milhões de anônimos seres humanos em toda a face da Terra.
Ahmad Schabib Hany
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