sexta-feira, 24 de junho de 2016

Tania Kassis (cantora franco-libanesa) no Olympia, de Paris, 2013: Ave-Maria com chamado muçulmano

Compartilho com Vocês esta inusitada apresentação disponível no You Tube (<https://m.youtube.com/watch?v=IhwJpac61Dg&sns=em>), realizada no emblemático Oyimpia de Paris em 2013, da cantora franco-libanesa Tania Kassis (cuja fanpage numa das redes sociais é <https://www.facebook.com/taniakassismusic>), a mim encaminhada pelo querido Amigo Masao Uetanabaro, pesquisador, estudioso e, sobretudo, grande Cunhado.

Num tempo em que a intolerância dos fundamentalistas de todas as denominações religiosas (e até ideológicas) nos leva aos tempos do obscurantismo medieval, de triste memória, assistir e se emocionar com iniciativas desse tipo faz bem para a consciência ou, se preferirem, para a alma, não importa como compreendam a condição humana.

O fato é que não dá mais para justificar invasões, cobiças, saques, pilhagens, colonizações, genocídios e "choque de civilizações" em nome de uma ou de outra fé. Precisamos ser minimamente racionais, prudentes, sensatos, sob pena de deixarmos apenas e tão-somente barbárie, miséria, morte e tragédias às próximas gerações, que não têm qualquer  responsabilidade por nossos desatinos.

FEDERAÇÃO ISRAELITA DO RIO DE JANEIRO IMPÕE CENSURA E AMEAÇA ACADÊMICO BRASILEIRO (PRAVDA)

O emblemático diário moscovita Pravda publicou, dia 23 de junho, em sua edição digital em português, matéria da Jornalista Baby Siqueira Abrão em coautoria com o Historiador Marcos Tenório (<http://port.pravda.ru/cplp/brasil/24-06-2016/41221-federacao_israelita-0/>) com a denúncia de que o Professor Thomas de Toleto, historiador e reconhecido ativista pela paz mundial, está sendo alvo de uma campanha sediciosa promovida pelo presidente da Federação Israelita do Rio de Janeiro de que seu artigo "Os dedos de Israel e dos Estados Unidos no golpe no Brasil" fosse ato de antissemitismo.


Federação Israelita do RJ impõe censura e ameaça acadêmico brasileiro

24.06.2016
Federação Israelita do RJ impõe censura e ameaça acadêmico brasileiro. 24584.jpeg
Mais uma vez a Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj) leva a público uma denúncia infundada e persegue pessoas que fazem críticas ao sionismo e a Israel, acusando-as, de maneira injusta e leviana, de "antissemitas" **. Já havia feito isso com o cartunista Carlos Latuff, com o jornalista José Reinaldo de Carvalho, do Portal Vermelho, e com um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters, todos contrários às políticas de Israel em relação ao povo palestino. Dessa vez a vítima foi Thomas de Toledo, historiador formado pela USP, com mestrado em desenvolvimento econômico pela Unicamp. Essa sólida formação acadêmica, unida a informações que a mídia corporativa brasileira omite mas que a internacional publica, levou-o a escrever o artigo "Os dedos de Israel e dos Estados Unidos no golpe no Brasil", publicado em seu blogue, no portal de notícias Vermelho, do PCdoB, e em vários outros portais, como o Pravda.
Por Baby Siqueira Abrão e Marcos Tenório*
A Fierj fez críticas duras e sem nenhum fundamento ao texto. Seu presidente, Paulo Matz, postou um vídeo na página do Facebook da Federação ameaçando processar Toledo, o portal Vermelho e o partido por racismo e antissemitismo. As pressões estenderam-se ao trabalho do acadêmico na Universidade Paulista (Unip), e provocaram sua demissão em 20 de junho, sob a justificativa de "ordens superiores". As ameaças dos sionistas e da Fierj foram tantas que o professor e o portal Vermelho decidiram retirar o artigo do ar. Toledo ainda publicou uma retratação, esclarecendo que em momento algum atacou ou teve a intenção de atacar os judeus - algo que nem precisaria de esclarecimento, uma vez que de seu texto não consta uma única palavra sobre a comunidade judaica.

O que Toledo fez, em somente três parágrafos de um artigo bem mais longo, foi reportar fatos comentados abertamente por jornalistas bem informados em sites internacionais, além de criticar os sionistas e Israel pela ingerência em assuntos que não lhes dizem respeito, pois se trata da soberania do povo brasileiro. Matéria no jornal Times of Israel mostra que o professor teve razão em suas considerações: o governo israelense aplaudiu o golpe, considerando Michel Temer um "amigo do país" e lembrando que Dilma Rousseff desagradou as autoridades sionistas ao classificar o ataque militar massivo de Israel a Gaza, em 2014, de "massacre" e ao se negar a receber, como embaixador no Brasil, o sionista Dani Dayan, conhecido por sua defesa intransigente das colônias judaicas construídas ilegalmente em terras confiscadas aos palestinos - ele chegou a presidir a entidade que as congrega, Yesha, além de residir numa delas, Ma'ale Shomron - e por advogar a anexação, por Israel, de toda a Palestina histórica, posição contrária à do Brasil, que tampouco apoia a construção ilegal das colônias exclusivamente judaicas na Palestina.

A ilegalidade das colônias - verdadeiras cidades com toda a infraestrutura necessária a quem vive nelas - que os governos israelenses vêm construindo, ao longo dos anos, em território palestino, e do muro de oito metros de altura mínima usado para confiscar terras pertencentes à Palestina e segregar seu povo, bem como todo o aparato que lhes é relacionado (estradas de uso proibido a palestinos, postos militares e torres de controle, câmeras, cercas eletrificadas etc.), foi estabelecida por parecer do Tribunal Internacional de Justiça em 9 de junho de 2004 e aprovada por ampla maioria pela ONU. Em seu parecer, que tem força de lei (Veja-se o artigo 38 (d) dos Estatutos da instituição Confira: http://port.pravda.ru/news/mundo/20-06-2016/41204-israel_estados_unidos-0/.), o Tribunal solicita, aos países-membros da ONU, evitar todo tipo de apoio às colônias e ao muro - solicitação cumprida pela presidenta eleita Dilma Rousseff ao recusar Dayan como embaixador de Israel no Brasil.

Essa posição firme da presidenta Dilma, e sua recusa a negociar a soberania brasileira, incomodaram corporações e países de olho em nossos recursos naturais, como o pré-sal, a água, a grande extensão de terras cultiváveis, a riqueza dos minérios e a biodiversidade. Dizer que Israel e empresas com sócios sionistas não fazem parte desse grupo é faltar com a verdade. Todas as companhias e todos os países com interesse em petróleo, gás, água, minérios e biodiversidade salivam pela América Latina, e por isso apoiam, direta ou indiretamente, a atual política externa estadunidense em sua tentativa de retomar o controle dos governos do continente. Também é fato conhecido que, para isso, utiliza-se o método da desestabilização crescente dos países-alvo, até a derrubada de dirigentes progressistas por meio de golpes a um só tempo judiciais, legislativos e midiáticos. A obra do professor Gene Sharp e os manuais da CIA nunca esconderam esse método. Não se trata de segredo.

Tampouco é segredo que o Mossad, serviço de inteligência israelense ao qual o professor Thomas de Toledo faz referência em seu artigo, dirige operações em solo estrangeiro. Sendo responsável por atuar fora de Israel, é o Mossad que leva a cabo as ações que as autoridades israelenses decidem realizar em outros países.

O mais grave é que, em sua sanha em defender Israel e o sionismo, a Fierj fez acusações apoiadas numa leitura apressada e descuidada do artigo do professor Toledo e desrespeitou a Constituição do país onde está sediada, cujo art. 5º garante, em II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"; em III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e, em IV, que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (In A Constituição e o Supremo, versão completa. Brasília: STF, 2011. Disponível em:. Acesso em: 20 jun. 2016.), o "rol de liberdades" contido no art. 5º da Constituição inclui "livre manifestação do pensamento, livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e livre acesso à informação".

A Fierj não pode tentar impor a censura num país onde ela não existe mais. E sua atitude, destinada a identificar o sionismo com o judaísmo é, no mínimo, equivocada (Associações de judeus no mundo inteiro (Israel incluído), como Neturei Karta e Jewish Voice for Peace, rejeitam o sionismo, insistindo que o movimento não representa o judaísmo nem fala por ele. Além disso, o sionismo não congrega somente judeus, mas praticantes de outras religiões, além de seculares e ateus.), e tem como objetivo criminalizar, sob a acusação de "antissemitas", aqueles que criticam o modo como Israel trata os palestinos e as operações dos sionistas ao redor do planeta. Feitas por milhões de cidadãos e cidadãs do mundo todo, reunidos em grupos organizados de apoio à soberania do povo palestino, tais críticas acabaram isolando politica e economicamente Israel, que vem sofrendo perdas consideráveis com a campanha BDS - de boicote, desinvestimento e sanções às empresas apoiadoras do Estado sionista ou sediadas nele, em particular aquelas estabelecidas nas colônias exclusivamente judaicas a que já nos referimos, construídas de modo ilegal no território palestino ocupado por Israel.

Em lugar de respeitar o direito internacional e desocupar a Palestina, recolhendo-se às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (junho de 1967), reconhecidas pela comunidade internacional, as autoridades israelenses, os sionistas e seus apoiadores exercem pressão e censura em diversos países, chegando a alterar leis para criminalizar indivíduos e grupos críticos a Israel. Isso aconteceu recentemente na França e nos Estados Unidos, países em que a legislação foi modificada para transformar o apoio à campanha BDS em delito judicialmente punível.

Tanto a Fierj como os sionistas que criticaram duramente Thomas de Toledo exerceram seu direito de fazê-lo, assegurado pelo art. 5º, IV, de nossa Constituição. Acontece que suas críticas não tinham fundamento no artigo do professor. O que eles não podiam e não podem fazer, de modo algum, é persegui-lo com ameaças, assediá-lo a todo momento por telefone e em redes sociais, exigir sua demissão e submetê-lo a tratamento degradante, principalmente em público. Esses são crimes que não podem ficar impunes. Uma coisa é discordar da posição de alguém e manifestar tal discordância; outra, muito diferente, é transformar a vida de um cidadão respeitado num inferno, imputar-lhe acusações falsas, tirar-lhe o ganha-pão e ameaçar sua integridade moral e física.

Não podemos ficar calados diante desse grave cenário montado pela Fierj. É preciso denunciar atos e intenções inconstitucionais, portanto criminosos, contra alguém que apenas cumpriu a obrigação de informar seu público e exerceu o direito de manifestar seu pensamento.

Esperamos que esse tipo de atitude, atentatória à nossa Constituição e à nossa liberdade, tão duramente conquistada, não se repita.

Todo apoio ao professor Thomas de Toledo e ao portal Vermelho.



Baby Siqueira Abrão, jornalista e filósofa, estuda o sionismo e a questão palestina há nove anos e foi correspondente do jornal Brasil de Fato no Oriente Médio, sediada na Palestina. Marcos Tenório, historiador, é especialista em relações internacionais. Ambos são ativistas da luta anticolonialista e antissionista, têm ascendência árabe e portanto provêm de grupo étnico de língua semita.

**Até mesmo a expressão "antissemitismo" é mal colocada. Os sionistas europeus que migraram para Israel não têm ligações com os antigos semitas - que na verdade não constituem um povo com história estabelecida e sim um tronco linguístico - mas com os casares, tardiamente convertidos ao judaísmo. Os prováveis descendentes dos semitas são os árabes. A palavra correta, assim, é antijudaísmo, e não antissemitismo. Nesse crime, porém, Thomas de Toledo não incorreu, ao contrário do que afirmam seus críticos.

http://port.pravda.ru/cplp/brasil/24-06-2016/41221-federacao_israelita-0/

quinta-feira, 23 de junho de 2016

ALICE, O SORRISO ETERNIZADO

ALICE, O SORRISO ETERNIZADO
Na Vida, há situações inexplicáveis. Alice Seren Martins, que nos atendia com aquele sorriso e paciência inesgotável na Farmácia Brasil, se eternizou, repentinamente, na flor da idade. Cordial, gentil, trabalhadora incansável, ganhou voo, como uma gaivota, como um anjo, num final de semana. Trabalhou até o último dia da semana – e deve ter se despedido, bem ao seu jeito, do(a)s colegas e amigo(a)s de trabalho.
Conheci Alice, bem jovenzinha, numa farmácia antiga. Acredito que numa das que já fecharam. Então, meus saudosos Pais eram vivos e precisavam periodicamente uma quantidade grande de medicamentos. Na véspera, ligávamos para conferir se todos os remédios prescritos estariam disponíveis, em estoque. Lá estava ela para a conferência. Ela e seu irmão trabalhavam juntos.
Não me lembro tê-la visto algum momento impaciente. Era dessas pessoas iluminadas que sempre estão, prestativas, à mercê do(a)s outro(a)s, por vocação. Não tenho dúvidas de que, se ela tivesse condições, teria sido enfermeira ou médica (porque até 15 anos atrás Corumbá não tinha sequer um curso de técnico de enfermagem – foi a querida Socorro de Maria, esposa do Amigo Carlos Pinho, que lutou junto ao Ministério da Saúde para conseguir o primeiro curso de técnico de enfermagem em nossa região).
Trabalhou em quase todas as farmácias grandes da cidade. Quando se casou, decidiu abrir sua farmácia, senão me engano, na parte alta. Foi no único período em que não a vi por algum tempo. Mas empreender é uma aventura arriscada, não demorou muito e retornou à vida de assalariada. Sempre sorridente e atenciosa, e apesar da tenra idade, extremamente madura e compreensiva.
Como atendente de farmácia, profissão que ela escolhera, sempre procurou se atualizar, se aperfeiçoar. Por conta disso, a vi, uma única vez, dando entrevista numa reportagem da televisão. Apesar do nervosismo diante das câmeras, o sorriso estava estampado. Espontânea, generosa e responsável, muito responsável.
Acredito que isso a tenha consumido por dentro: aquela exuberância externa, inabalável, absorveu experiências próprias da Vida, e o tempo se encarregou de fragilizar sua saúde. É comum vermos trabalhadores da saúde (e atendente de farmácia é dessa área) prontos, solícitos, para atender os outros, mas não faz ideia de como sua saúde anda.
Mas o fato é que a nossa querida – e agora saudosa – Amiga Alice não mais está entre nós. Alçou voo, foi para o firmamento, com seu sorriso, seu carinho, sua compreensão e sua inesgotável graça. Como gaivota, como anjo, seu rastro de bondades, de boas ações para o próximo, ficou em nossa memória, em nossos corações.
Obrigado por ter existido, Alice! Obrigado pelas lições de Vida e de amor ao próximo! Até sempre, Amiga!

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 22 de junho de 2016

ME(RD)CHEL T(R)EMER, O CONDE... NADO!



ME(RD)CHEL T(R)EMER, O CONDE… NADO!
Até porque ele e nada, "tudo a ver" e haver...
Alter-ego do sinistro conde que assombra os habitantes da Transilvânia, Me(rd)chel T(r)emer, obscuro ser de ascendência fenícia (é como seus pares costumam esnobar seus conterrâneos da Arábia milenar, cuja generosa história tem sido aviltada desde os funestos tempos do igualmente perverso império turco-otomano, extinto em 1917), galopou impune num corcel alado patrocinado pelo império do caos, sem esboçar qualquer constrangimento.
Foi como, acredita, ter chegado ao topo de uma carreira cheia de, digamos, escaladas inusitadas. E, afinal, qual é a sua grandeza? Chegou à política pelas mãos limpas de ninguém menos que o então governador Franco Montoro. Primeiro, como Procurador-geral do Estado (de São Paulo), em 1983. A sua escolha fora iniciativa do probo assessor Quartim de Moraes, numa estratégia de mostrar que o PMDB (na verdade Montoro) não nutria qualquer restrição aos descendentes de libaneses (por causa de Paulo Maluf, figura ligada ao regime e flagrantemente derrotada nas urnas).
Não demorou muito para ser guindado à Secretaria de Segurança Pública, ainda em 1983, por suas ligações com a comunidade católica, ainda que por meio de seu setor conservador, quando ganhou certa notoriedade por ter inovado com a criação da delegacia especializada de atendimento à mulher, a primeira no Brasil. Discreto, ardiloso, oportunista, Me(rd)chel T(r)emer foi logo despertando atenção do governador Montoro, que virou seu padrinho para uma vaga do Congresso Constituinte de 1986. Porém, destituído de carisma, seu medíocre desempenho eleitoral o fez suplente de deputado federal, até ter assumido sua vaga no início dos trabalhos da Constituinte.
Mas era o patinho feio do PMDB: José Gregori e José Carlos Dias, bem mais articulados e ligados a setores progressistas da Igreja Católica, nunca lhe deram qualquer importância. Os discípulos do saudoso Ulysses Guimarães –- bem como o próprio lendário líder peemedebista -– sempre tomaram certos cuidados com políticos como T(r)emer. Por essa razão, passou décadas disputando reeleições sucessivas para retornar à Câmara Federal com votações pífias, até que, numa conspiração contra a longeva presidência de Orestes Quercia no PMDB, valendo-se de desafetos tucanos paulistas, nos imemoráveis tempos do sociólogo que virou fantoche neoliberal, dá sua primeira demonstração de seus atributos golpistas.
Quercistas históricos jamais o perdoaram por tal conspiração. Entre eles, Renan Calheiros e Jader Barbalho. Se durante os anos canhestros de FHC foi galgando postos estratégicos na Câmara (nas comissões permanentes e na mesa diretora), durante os dois mandatos do metalúrgico de alma peregrina que virou estadista foi conquistando a confiança dos petistas. Tanto assim, foi eleito e reeleito vice-presidente da República, ao lado da primeira mulher eleita e reeleita presidente da República na história do Brasil. Só Lula e o PT para lhe darem tamanho valor, e ainda assim sua mesquinhez de golpista por vocação -– tal qual escorpião, que quando não tem a quem ferrar ferra a si mesmo -– o levou a fazer o jogo dos golpistas, sem ter esboçado qualquer hesitação.
Da mesma forma, com acinte e cinismo, ainda na condição de interino, vem agindo arrogantemente como se efetivo fosse. Coisa de golpista. Embora ostente em seu medíocre currículo uma pífia formação jurídica, em nenhum momento observou a liturgia do cargo na condição de interino, provisório, e instiga os igualmente obcecados, acometidos da síndrome de abstinência do poder, a “acelerar o processo de impeachment” para poder executar uma agenda política que não foi vitoriosa nas urnas, e ao lado dos flagrantemente derrotados em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Reflito e escrevo como descendente de árabe –- ou, como querem alguns, libanês -–, para compartilhar o estranho sentimento de profunda vergonha que toma conta da alma. Como se já não nos bastasse termos que pagar –- e caro -– pela empáfia (e, sobretudo, “heterodoxia ética”) malufista de triste memória, sempre associada ao golpismo e à bandalheira, a generosa cultura árabe e seus descendentes não merecemos mais um estigma, e dos piores: a deslealdade. Logo o primeiro vice-presidente brasileiro de ascendência árabe eleito e reeleito num projeto de vanguarda ter-se revelado indigno da confiança, um traidor, um judas (sem maiúscula), ao aliar-se aos adversários –- ou, melhor, aos inimigos -– e, sem qualquer comedimento, entregar a soberania nacional aos mesmos inimigos de nossos ancestrais do Oriente Médio.
Isso é coisa de sionistas, irmãos siameses dos “arautos” do império estadunidense e de seus sócios da OTAN. Se meu saudoso Pai estivesse vivo, voltaria a morrer, às vésperas dos 20 anos de sua eternização. Foi, aliás, com ele que conheci a generosa cultura milenar –- e sua altiva história –- muito antes da aparição destes medíocres e esnobes personagens que a história política brasileira haverá de julgar sem os subterfúgios do “Direito positivado” que historicamente tem poupado as elites dominantes, desavergonhadas e entreguistas. E para isso, é urgente irmos às ruas, repudiar os conspiradore(a)s e suas ousadas investidas contra o projeto proclamado vencedor em 2002, e referendado em 2006, 2010 e 2014.

sábado, 11 de junho de 2016

SENHOR MÁRIO CORRÊA ALBERNAZ, UM COMPANHEIRO A TODA PROVA!


Como que estivesse tomado por uma inexplicável necessidade de trocar algumas palavras com meu querido Amigo, o Senhor Mário Corrêa Albernaz, fui à rede social por meio da qual costumávamos “conversar” desde que nos reencontramos, há pouco mais de um ano.

Eis que me deparo com uma insólita mensagem de sua querida Filha Tânia (que conheci aos seus três anos) em que registrava com pesar seu primeiro mês de falecimento.

Uma terrível dor no peito tomou conta de mim, e não sosseguei até escrever estas sinceras linhas sobre esse verdadeiro Amigo, Companheiro, Camarada, Mestre, que a Vida me presenteou, que sempre chamei de Senhor Mário, ainda que nossa Amizade – e, sobretudo, a sua inesgotável humildade – insistisse que o chamasse pelo nome.

É que há pessoas tão especiais (mais que isso, elevadas) às quais não conseguimos nos dirigir de forma íntima, que nos parece desrespeitosa. É o caso de minha relação com o agora saudoso Senhor Mário, sua estimada Esposa, a Professora Isaura Matheus Albernaz, e o(a)s quatro querido(a)s filho(a)s – e também querido(a)s Amigo(a)s –, dois casais: Lenine, Adriana, Daniel e Tânia.

Como gostaria de haver dado um abraço apertado a ele. Como gostaria de haver estado em Campo Grande antes do fatídico dia 10 de maio, como chegamos a combinar. Mas exatos 31 dias depois é que tomo conhecimento de sua eternização.

Conheci o Senhor Mário em abril de 1979, na sede da recém-inaugurada sede da seção estadual da OAB/MS, então sob a presidência de seu primeiro titular, o Doutor Wilson Barbosa Martins, situada na esquina da rua Cândido Mariano (depois Marechal Rondon) com a rua Pedro Celestino, em pleno centro da nova capital. Tratava-se de uma reunião do Comitê Mato-grossense de Anistia e Direitos Humanos, presidida pelo também saudoso Amigo e Companheiro Doutor Ricardo Brandão, advogado e poeta amante da integração latino-americana.

Observador, assim que o grupo de estudantes da FUCMT chegara para assistir aquela inusitada reunião (jovens entre 19 e 23 anos), num dos raros intervalos, o Senhor Mário foi estabelecendo um canal de comunicação, como que percebesse o acanhamento desses aprendizes de cidadãos. Logo eu, então muito tímido, já estava à vontade e conversando com ele como se fôssemos velhos conhecidos.

Assim que a reunião terminou, se apresentou e convidou o grupo a participar das atividades relativas ao Primeiro de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, que ocorreria semanas depois no emblemático Bairro Guanandi, emblemático reduto da oposição. Nós não pudemos ir porque estávamos participando do XXXIX Congresso da UNE, em Salvador (Bahia).

Na época, o Senhor Mário Albernaz era chefe de gabinete do Deputado Sérgio Cruz, líder da bancada do MDB na Assembleia Constituinte de Mato Grosso do Sul, mas tamanha a desenvoltura dele, muitas pessoas humildes chamavam seu Mário de Deputado. Prestativo, solidário, ele ouvia longamente as pessoas, fosse na rua ou no gabinete, e sempre dava um jeito de resolver, dentro de suas possibilidades, os seus problemas.

Alguns meses mais tarde, no segundo semestre de 1979, nos encontramos nos corredores da Assembleia Legislativa, no prédio alugado da Missão Salesiana (onde mais tarde foi o Museu do Índio e atualmente é a sede da inspetoria). Eu fazia parte de uma comissão de estudantes do curso de História e nossa missão era levantar fundos para fretar um ônibus para conhecer as ruínas de Santiago de Xerez, em Aquidauana, sob a coordenação da Professora Rosemeire Nunes da Cunha, então coordenadora do curso.

Solícito, o Senhor Mário se prontificou a apresentar a comissão de estudantes a todos os seus colegas de assessoria dos parlamentares do MDB, à época a única oposição ao regime de 1964. Foi quando conhecemos os gabinetes dos deputados Sérgio Cruz, Roberto Orro, Sultan Rasslan, Onevan de Matos, Odilon Nakasato, Getúlio Gideão e Jesus Gaeta (nessa ocasião pude reencontrar dois Amigos corumbaenses, o Jornalista Edson Moraes, que assessorava Sérgio Cruz, e o contabilista Pedro Capurro, chefe de gabinete de Jesus Gaeta).

Mas nossos contatos se intensificaram no debate preliminar à agenda da transição democrática que o então general-presidente João Baptista Figueiredo quis iniciar com a imposição de uma anistia que contemplava torturadores e uma reforma partidária que implicava na extinção dos dois partidos permitidos até então (Arena e MDB). Ele e a maioria dos oposicionistas sul-mato-grossenses eram contrários ao fim do MDB, que começava a reunir condições de vencer a Arena (mais tarde PDS) e iniciar o processo de transição para o Estado Democrático de Direito.

Ao contrário da maioria dos assessores da bancada da oposição, o Senhor Mário Albernaz era um incansável militante da causa democrática. Ainda jovem, foi para São Paulo no período anterior ao golpe de 1964, e como metalúrgico da Mercedes-Benz foi discreto sindicalista, quando conheceu partidos de esquerda, entre eles o velho PCB. Muito discreto, apenas falava de sua simpatia pelo socialismo, a ponto de o seu filho primogênito se chamar Lenine, homenagem ao líder bolchevique da Revolução Socialista na Rússia.

Somente em 1980, precisamente a partir de maio, é que passei a conviver com ele, na condição de prestador de serviço num projeto em que, com o fim imposto ao MDB, a oposição precisava se estruturar, até porque havia sido objeto de um assédio inominado, com a oferta de cargos públicos e vantagens inimagináveis até então. Para minha felicidade, nesse convívio salutar, tive oportunidade de reencontrar Companheiros do Movimento Estudantil, como Mário Sérgio Lorenzetto, Flávio Teixeira e Amarílio Ferreira Júnior, além do Amigo Edson Moraes, grande revelação do Jornalismo Investigativo de Corumbá de meados da década de 1970.

Nesse um ano de trabalho com o Senhor Mário Albernaz, conheci muitas pessoas, desde o(a)s anônimo(a)s que procuravam justiça e assistência num tempo em que o direito era sonegado a toda a população – ainda mais aos mais humildes – e verdadeiras celebridades, como Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, Teotônio Vilella, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, Lula, Dante de Oliveira, Tancredo Neves, Wilson e Plínio Barbosa Martins, e aprendi muito: pus em prática minhas noções de pesquisa de campo; aprendi a ouvir pessoas de todas as classes sociais e graus de escolaridade; perdi o medo de falar ao microfone, não só falando em reuniões pequenas como em comícios com mais de mil pessoas; desenvolvi minha capacidade de redação, e, sobretudo, me politizei dentro dos parâmetros dialéticos, sem qualquer ingerência exercida por ele, que se identificava comigo e me incentivava a seguir em frente, mesmo sabendo que a tendência era deixar aquele projeto para seguir meu próprio rumo.

O referido projeto teve início em maio de 1980 e em maio de 1981 se encerrou. Sem dúvida, embora ele discordasse das razões de minha saída, manteve sua Amizade (com letra maiúscula) até os momentos derradeiros de sua generosa e solidária existência entre nós. Eu tive a sorte de lhe dizer pessoalmente que, embora seu cargo usasse o termo “chefe” (afinal, ele era chefe de gabinete), ele havia sido um Amigo experiente que me permitia comandar inclusive a ele, tamanha a sua generosidade.

Além de me ensinar muito, mesmo, o Senhor Mário me encorajou – isso mesmo: me deu coragem – e me estimulou a saber conviver na diversidade, coisa muito rara naquele tempo em que as pessoas tinham que ter muita prudência, pois havia muito informante, muito “dedo-duro”, muito X9... Eu mesmo, no ano anterior, experimentara um rótulo desses e o gelo decorrente da desconfiança. Felizmente o mal-entendido foi superado e eu soube não guardar mágoa pela terrível experiência.

Sem cometer qualquer exagero, posso dizer que seu espírito proletário, sua alma peregrina de socialista autêntico, me proporcionou momentos inesquecíveis. O primeiro deles – e faço questão de compartilhá-lo – foi o gentil convite-surpresa ao aniversário de nove anos de sua querida filha Adriana, e posteriormente, por centenas de vezes, convidado a almoçar e jantar em seu lar acolhedor. Essa generosidade sempre foi compartilhada por sua Esposa, a Professora Isaura Matheus Albernaz, e todo(a)s o(a)s querido(a)s filho(a)s, que ficaram amigo(a)s para a Vida toda. E como se essa atitude não fosse suficientemente eloquente de seu caráter solícito, quando de uma de suas vindas a Corumbá, na década de 1980, fez questão de visitar meus pais em casa para dar o seu testemunho sobre minha conduta como estudante e agente social, quando se tornou Amigo de meu Pai, com quem se identificou.

Aliás, tal qual outro grande e querido Amigo, também saudoso, o eterno e terno Manoel Sebastião Costa Lima (criador da lendária Livraria Guató, de saudosa memória), o Senhor Mário Albernaz discretamente se afastou do ativismo partidário, mas não abandonou a política. Tanto é verdade, que acabamos por nos reencontrar exatamente por causa disso nas redes sociais.

E o mais importante: enquanto políticos e intelectuais outrora de esquerda, por razões que não cabe entrar no mérito, têm justificado a guinada à direita de velhas lideranças políticas do tempo das lutas em favor da redemocratização, o Senhor Mário Albernaz, teórica e praticamente dialético, soube compreender o atual contexto político-econômico e se posicionou como sempre, ao lado das amplas camadas sociais, do povo, sempre na perspectiva da emancipação proletária e da soberania popular.

Longe de querer incorrer numa leviandade, mas os derradeiros momentos de sua generosa existência se deram na dramática e conturbada antevéspera da consumação do golpe parlamentar que afastou a Presidenta Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. Sem dúvida, esse estresse pode ter sido determinante para abreviar o tempo de convívio com sua querida Família, o(a)s Amigo(a)s e contemporâneo(a)s, como sua página numa das redes sociais podem constatar.

O fundamental é que o Senhor Mário Albernaz viveu com a intensidade dos justos, leais, honestos e sinceros: coerente com sua trajetória de Vida, permaneceu no mesmo lado – do(a)s excluído(a)s – desde tenra juventude. Um exemplo vivo. Um eloquente testemunho-vida. Um generoso convite para a Vida a serviço do(a) outro(a).

Obrigado por ter existido e compartilhado conosco seus momentos únicos e diversos! Até sempre, querido Amigo!

Ahmad Schabib Hany

terça-feira, 7 de junho de 2016

ABRIL, A FACE OCULTA DOS OLIGOPÓLIOS MIDIÁTICOS

(REPUBLICAÇÃO DE TEXTO DE 9 DE AGOSTO DE 2015)

ABRIL, A FACE OCULTA DOS OLIGOPÓLIOS MIDIÁTICOS

Parodiando Chacrinha, nessa editora quase nada se cria, quase tudo se copia...

Dias atrás, a revista Veja, da Editora Abril, teve que reconhecer, depois de algumas semanas de reiteradas manifestações de repúdio do público, que o documento de uma conta de banco suíço usado como base de uma “denúncia” contra o senador Romário (PSB-RJ) era falso e os, digamos, jornalistas envolvidos na produção e edição da matéria caluniosa sequer tinham feito o mais elementar procedimento, desde os tempos de Gutemberg: checar a fonte e a procedência da “denúncia”. Carro-chefe da Abril, a Veja tem se valido de uma prática recorrente de antijornalismo a toda prova, pondo a perder a sua gênese de projeto editorial bem-sucedido, com um time de Jornalistas renomados, como Mino Carta (fundador e primeiro diretor,  depois de ter criado a Quatro Rodas para a mesma editora e o Jornal da Tarde para a empresa da família Mesquita, a S.A. O Estado de S. Paulo), Fernando Morais, Audálio Dantas, Hugo Estenssoro, Hélio Campos Mello, Walter Firmo, Antônio Carlos Fon, Sílvio Lancelotti, Tárik de Souza e Jairo Arco e Flecha.
Quase todo(a) brasileiro(a) – ou estrangeiro(a) residente no Brasil –, nos últimos 65 anos, tem desenvolvido alguma empatia pela Abril, seja por conta das revistas infantis, fascículos, publicações dirigidas, revistas para o público jovem ou adulto, feminino ou masculino, e obras clássicas do saudoso Círculo do LivroGuia do Estudante e Almanaque Abril. Se revisitarmos o Brasil dos primeiros 50 anos dessa que outrora foi a vanguarda das editoras brasileiras, quando a internet sequer era algo na ficção, veremos a dimensão de suas contribuições para o desenvolvimento cultural e editorial do País.
E não é preciso ser um aficionado colecionador de revistas ou “enciclopédias” e obras clássicas adquiridas por fascículos ou correio para lembrar ou reconhecer nomes que ficaram na memória coletiva, como Jeronymo Monteiro, Luis Carta, Domingo Alzugaray, Mino Carta, Odylo Costa (vírgula) Filho, Mylton Severiano, Audálio Dantas, Fernando Morais, José Hamilton Ribeiro, Amilton Almeida Filho, Tárik de Souza, Sílvio Lancelotti, Hugo Estenssoro, Antonio Carlos Fon, Walter Firmo, Elifas Andreatto, Hélio Campos Mello, Alberto Dines, Hugo Estenssoro, Waldir Igayara de Souza, Claudio de Souza, Sílvio Fukumoto, Maria Christina Pinheiro, Ziraldo Alves Pinto, Mauricio de Sousa, Eli Barbosa, entre outros não menos importantes.
No entanto, a despeito do período de inovações introduzidas ao mercado editorial brasileiro, a Editora Abril, desde a sua fundação, em 1950 – sob o nome de Editora Primavera Ltda. –, é uma pródiga usina de clonagens que não respeitou os mais elementares princípios éticos e, pior, nem reconheceu direitos autorais de terceiros. O fundador, Victor Civita, indiscutivelmente um ousado e competente empreendedor, recebeu graciosamente de seu irmão mais velho, Cesar Civita (este, sim, fundador e inovador da Abril, em 1941 na Argentina e em 1966 no México), a ideia de se estabelecer no Brasil com cópia do projeto editorial por ele realizado no país platino – a estratégia, o nome, a logomarca, os títulos e até parte de sua produção editorial, por sinal, pioneira e inovadora, de fazer inveja aos demais concorrentes latino-americanos.


Mas como “desde a sua fundação”? É que, como Victor Civita e seus sócios eram todos estrangeiros – e, portanto, não podiam, por razões legais, ser titulares numa empresa do ramo editorial –, precisaram de um brasileiro de nome ilibado para assumir a titularidade. Assim, ainda com o nome de “Editora Primavera Ltda.”, o Jornalista, radialista e escritor de ficção científica Jeronymo Monteiro aparecia como diretor (isto é, editor) para que pudesse se instalar em uma modesta sala à rua Líbero Badaró, 158, no centro de São Paulo, aquela que mais tarde se transformaria na poderosa Abril dos Civita, como se vê nos expedientes acima deste parágrafo, copiados de duas edições diferentes da revista Raio Vermelho, disponível no site Guia dos Quadrinhos, bem como em alguns trabalhos acadêmicos do Brasil, Argentina, México e Itália.
Jeronymo Barbosa Monteiro, que nada deve aos Civita por sua brilhante biografia, é o “Pai da Ficção Científica Brasileira”, e como primeiro diretor da mais antiga revista de histórias em quadrinhos em circulação no Brasil batizara alguns dos personagens Disney com os nomes de Tio Patinhas, Huguinho, Zezinho e Luizinho, por exemplo. Autor de verdadeiros clássicos da ficção científica – entre eles “Três meses no século 81”, “A cidade perdida” e “Tangentes da realidade” –, em nosso país de pouca leitura, tornou-se célebre desde que fez roteiro para uma série de radiodramaturgia para as rádios Nacional e Tupi. Mas precisou usar o pseudônimo anglo-saxão Ronnie Wells para ganhar reconhecimento no gênero.
Como muito(a)s brasileiro(a)s digno(a)s, Jeronymo Monteiro foi preso em 1964, experiência que relatou em um dos contos de sua obra derradeira, com o sugestivo título de “O copo de cristal”. Foi diretor do suplemento Gazeta Juvenil de A Gazeta de São Paulo, e editor na Editora La Selva e na versão brasileira de Isaac Asimov Magazine, renomada revista internacional de ficção científica, além de ter criado, em 1957, a memorável seção Panorama, na Folha Ilustrada da Folha da Manhã (a partir de 1960, Folha de S. Paulo), tendo sido substituído por sua filha, Theresa Monteiro, a partir de 1971. Curiosa e acintosamente passou a ser ignorado pelos ex-patrões depois de ter deixado a Abril, em 1951, para dar continuidade ao seu projeto literário-editorial até morrer, em 1970, mesmo tendo apresentado o seu sucessor a Victor Civita, o então jovem Jornalista Cláudio de Souza, um amigo seu e autor de reconhecidos relatos sobre a generosidade e o talento deste brasileiro que ajudou a abrir as portas do País à família de imigrantes que construiu um império midiático, mas padece do mal da ingratidão.


Portanto, ao contrário da lenda de que “tudo começou com um pato” (paródia à afirmação de Walt Disney, de que “tudo começou com um rato”), a primeira publicação da ex-“Editora Primavera Ltda.” foi Rayo Rojo, isto é,Raio Vermelho. Por quê? É que a Editora Brasil-América Ltda. (EBAL), de Adolfo Aizen (também chamado de “Pai das Histórias em Quadrinhos do Brasil”), publicava, em sociedade com Victor Civita, entre 1946 e 1948,Seleções Coloridas com as primeiras histórias dos personagens Disney, negócio avalizado pelo representante de Walt Disney para a América Latina, César Civita, que além de editor da Abril argentina era ex-funcionário da Editora Mondadori, de Roma, representante da Disney na Itália, na década de 1930, até fugir, por ser judeu, da perseguição nazifascista. Acima deste parágrafo vemos algumas edições da revista Seleções Coloridas, de 1946 e 1947, cujo primeiro episódio principal, “O ‘crack’ Pato Donald”, foi publicado originalmente na edição nº. 45 de El Pato Donald, da Editorial Abril (Argentina) com o título “Donald, el gran goleador”, além de primeiras edições de Raio Vermelho e Rayo Rojo.

Faremos, agora, um parêntese para adentrar nos bastidores das logomarcas. O Folhetim, de saudosa memória – versão paulistana do também saudoso semanário irreverente Pasquim –, era um suplemento dominical da então vanguardista Folha de S. Paulo (sob a direção do genial Jornalista Claudio Abramo), fundado por Tarso de Castro, Nelson Merlin e Fortuna, que circulou entre 1976 e 1988. Pois bem, ele trazia uma insinuante seção do chargista e ilustrador Fortuna chamada Diz, Logotipo!, na qual os leitores participavam, ora enviando logotipos recortados ou fotocopiados da mídia impressa, ora criando legendas, sempre com a irreverência que caracterizava esses hoje saudosos jornalistas. Nem a logomarca da Abril escapou ao escárnio do(a)s leitore(a)s. Até porque as diferentes logomarcas podem, sim, dizer muito, tal como o saudoso Fortuna ensinava nos idos da década de 1980.
Há quem diga que as logomarcas “chupadas” sob as ordens de Roberto Civita, o primeiro-filho do fundador da Abril brasileira, causaram diversas vezes desconforto e até constrangimento entre os diretores mais profissionais, como Jeronymo Monteiro, Mino Carta, Luis Carta, Domingo Alzugaray e Claudio de Souza. Detentores de uma competência a toda prova, os ex-diretores da Abril contribuíram para o desenvolvimento editorial brasileiro dentro e fora da casa dos Civita: Jeronymo Monteiro dirigiu a Editora La Selva e a bem-sucedida edição brasileira Isaac Asimov Magazine; Mino Carta fundou a Encontro Editorial e mais tarde a Editora Confiança, da CartaCapital; Luis Carta, com Fabrizio Fazano, a Carta Editorial, da Vogue Brasil; Domingo Alzugaray, a Editora Três, da StatusPlanetaRepórter TrêsIstoé Gente etc, e, com Mino Carta, a Encontro Editorial, da Istoé e do memorável embora meteórico Jornal da República; Claudio de Souza, com Domingo Alzugaray, a Ideia Editorial, de Mister MagooDon PilotoCapitão BigbomTico e TecaPuff-PuffZartanPlaycolt etc.


Ao usar, com pródiga maestria, o nome Abril, a ainda modesta congênere brasileira usou também, com sutil inversão (como se estivesse ao espelho), a arvorezinha símbolo da Editorial Abril (argentina), como se pode constatar nas figuras logo acima. Mas há uma explicação para a inversão original, dada por Cesar Civita a uma pesquisadora italiana cuja tese de doutorado na Universidade de Bolonha tratou de sua façanha: muitas edições tipográficas de sua editora, compostas em oficinas de terceiros, trouxeram a logomarca acidentalmente invertida – isso nos idos de 1940, como a imagem acima à esquerda.
Em 1968, quando a Abril brasileira já se impunha como potência editorial (então estava constituída a Abril Cultural, dos fascículos, discos e livros; a Sociedade Anônima Impressora Brasileira – SAIB –, futura Gráfica Abril; Abril Educação, ainda que incipiente, com tímidos livros paradidáticos e didáticos, e até a Distribuidora Abril – depois Distribuidora Nacional de Publicações, DINAP –, para se libertar do monopólio exercido então pela Distribuidora Fernando Chinaglia, do Rio de Janeiro), a arvorezinha símbolo da Editorial Mex-Abril (criada em 1966 na Argentina expressamente para a Mex-Abril, do México, por uma agência de publicidade que prestava serviços para a Editorial Abril, em Buenos Aires) foi estilizada, sem perder a concepção original publicada em todos os produtos editoriais da Mex-Abril entre 1966 e 1969, como se pode constatar nas imagens abaixo deste parágrafo, retiradas da revista Nocturno mexicana de 1967 (23 de junho de 1967).


Os dois primeiros títulos – Raio Vermelho (Rayo Rojo, em espanhol) e O Pato Donald (El Pato Donald, em espanhol) – também foram, digamos, “emprestados” da Abril argentina para o pai de Roberto Civita, aquele que levou o fundador da Abril brasileira a dividir em vida o patrimônio para não deixar o irmão Richard Civita partilhar da direção do até então exitoso grupo editorial. Foi, aliás, o primeiro-filho, com uma sugestiva “ajuda” da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nos tempos da ditadura, que “trocou” com Armando “nada a declarar” Falcão (o mesmo sinistro da Lei Facão) os seus melhores diretores (Mino Carta, Luis Carta, Domingo Alzugaray, Claudio de Souza etc) por empréstimos para quitar as contas contraídas com a construção do majestoso prédio da Avenida Otaviano Alves de Lima (Freguesia do Ó), São Paulo, os equipamentos gráficos de última geração para a ex-SAIB e os hotéis Quatro Rodas Nordeste nas paradisíacas praias brasileiras – estes, aliás, objeto de uma CPI no Congresso Nacional, em 1982, em que um dos filhos de Civita e um dos então diretores da Abril brasileira foram convocados para depor, além de alguns serviçais da ditadura, acostumados à impunidade – ou, na linguagem atual, “blindagem” – que até 2005 era assegurada aos membros da elite brasileira (fac-símile do Diário do Congresso Nacional, de 6 de dezembro de 1982, mais abaixo).



E por falar em títulos “emprestados”, a Abril brasileira “adotou” – muitas vezes com logomarca e conteúdo, a exemplo de Raio Vermelho e O Pato Donald –, revistas de sucesso da congênere platina, como Noturno - Capricho (Nocturno, fotonovelas), Contigo (Contigo, idem), Ilusão (Idilio, idem), Claudia (Claudia, revista feminina; em homenagem a uma filha de César Civita precocemente falecida), Casa Claudia (Claudia Casa, decoração e interiores), Manequim (Maniquí, moda e corte-costura), Intervalo (TV, revista sobre a TV e seus artistas), Homem (Adam, revista masculina, antes de ser 100% Playboy), Quatro Rodas (de automobilismo, que, na Argentina, teve duas fases, a segunda com o nome Parabrisas, que circula até hoje, pela Editora Perfil, da família do dono da Editora Caras, associada à Abril brasileira), Realidade (Panorama, revista de reportagens) etc. Graças ao talento de Jornalistas como Mino Carta e Luis Carta (e às equipes que eles formaram), revistas como Quatro Rodas e, depois, Realidade passaram a ser referência na América Latina. Foi, aliás, o caso de Veja (e Leia) sob a direção de Mino (entre 1968 e 1975), mas, pouco depois, assim como Realidade, ficaram descaracterizadas quando passaram para o comando (literalmente “comando”) de profissionais submissos aos caprichos do primeiro-filho, Roberto Civita, indubitavelmente responsável pela decadência editorial, econômica e ética da editora que contribuiu, ainda que com evidentes contradições, para afirmar a identidade brasileira.
Expressão literal dessa decadência, o agora panfleto semanal denominado Veja teve a sua gênese forjada na história profissional de Jornalistas com letra maiúscula – tal qual a saudosa Realidade, retirada irresponsavelmente de circulação, em pleno auge, por iniciativa de Roberto Civita – como Mino Carta, tirado da direção da revista (e da editora) em 1975 para atender aos apelos bizarros do regime ditatorial e obter vantagens, como um milionário empréstimo do governo federal e a promessa de um canal de televisão que nunca lhes foi concedido, a ponto de a Abril Vídeo (e depois a TVA) não ter passado de caro devaneio do primeiro-filho. O nome Veja (e Leia) foi usurpado da célebre revista semanal argentina Vea y Lea, que circulou entre as décadas de 1940 e 1960. Esse título, a bem da verdade, não pertencia a César Civita (a Abril argentina possuiu duas semanais, Siete Días Ilustrados e Panorama Semanal, além de uma experiência frustrada anterior, dirigida por Carlos Civita, filho de Cesar, chamada Semana Gráfica), mas foi do país que ele escolhera o “empréstimo” feito, como podemos ver nas capas abaixo, publicação da Editorial Emilio Ramírez, respeitada concorrente dos Civita da Argentina.


Em síntese, usando a linguagem maniqueísta da decadente Veja de hoje, a farsa tem nome e endereço: Editora Abril, Avenida Otaviano Alves de Lima, 4400, Freguesia do Ó, São Paulo. A editora que se rendeu a interesses menores depois que o patriarca Victor Civita faleceu, em 1990, e que a partir de 2003, quando foi empossado o primeiro presidente operário do Brasil, passou a praticar a panfletagem e o antijornalismo, a serviço de propósitos inconfessáveis, ainda que tendo pago um elevado preço pela soberba. Desde então, uma sucessão de fracassos empresariais vem se acumulando, colocando todo o seu patrimônio financeiro e editorial numa iminente avalanche falimentar. Mas é em 1996, auge do neoliberalismo tucano, que a Abril brasileira começou a abrir mão de negócios de elevado significado estratégico por inépcia administrativa dos que herdaram de Victor Civita a outrora dinâmica editora.
Não bastasse a “adoção” nada ética de títulos, logomarcas, logotipos, produtos editoriais e conteúdos e a inescrupulosa permuta de diretores por empréstimos, absurdamente vergonhoso foi ter aceitado como sócio o grupo empresarial ligado à funesta política de apartheid da África do Sul e, pior ainda, ter-se submetido aos anacrônicos interesses da bizarra Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Washington (submissão anteriormente recusada por Cesar Civita, na Argentina, e Victor Civita, no Brasil, durante toda a guerra fria, período em que as editoras eram mais frágeis). Uma flagrante negação do legado dos patriarcas Civita e dos grandes Jornalistas que emprestaram seu talento, caráter, nome e dignidade àquela que aparentara ser um projeto editorial autêntico e de empoderamento da cidadania brasileira.


Mas a deslealdade com os membros de sua própria família, como o ocorrido com César Civita (foto acima) – ao não querer submeter-se às absurdas exigências da (mal)ditadura de Rafael Videla, de demitir os “comunistas” (isto é, os profissionais competentes) que ele empregava em sua editora e, por isso, ter sido alvo de um atentado da famigerada AAA (Ação Anticomunista Argentina), em 1976, contra a sua residência, fato que o levou a se autoexilar nos Estados Unidos e depois no México –, o primeiro-filho Roberto Civita negara ao tio o apoio para não fechar e ter que se desfazer da Editorial Abril. Quando lhe conveio, é verdade, o então todo-poderoso primeiro-filho chamou seu primo Carlos Civita, então um bem-sucedido empresário do ramo de produtos esportivos (de tênis) na região norte do Brasil, para representar os interesses da Abril brasileira na Colômbia (Editora Abril-Cinco), um projeto frustrado, como também não vingara anteriormente em Portugal (com o nome Editora Morumbi) e Espanha (com o nome Editorial Primavera).
Preferiu, décadas depois, fazer parcerias com concorrentes, como a Editorial Perfil da Argentina e a Rede Globo dos descendentes de Roberto Marinho. Talvez o primeiro-filho tivesse esquecido que o patriarca dos Marinho usara seu, digamos, “prestígio” junto aos generais de plantão para cassar a concessão da extinta TV Tupi, sua concorrente, e impedir que os Civita, concorrentes ainda maiores no mercado editorial, pudessem ficar com essa concessão, deixando a um apresentador de televisão, já sócio em outra rede de televisão, a “gentileza” de acumular durante mais de uma década dois grupos de televisão.
Prova disso, é a inusitada parceria entre as fundações Victor Civita e Roberto Marinho no evento anual “Prêmio Educador Nota 10”, logo no ano em que os netos do fundador da Abril brasileira se desfizeram de expressiva fatia do Grupo Abril, sobretudo do segmento Educação (outrora Abril Educação), formado por editoras como a Ática e Scipione e cursos como o Anglo, extremamente caro para o patriarca Civita, que pessoalmente o constituiu ao final da década de 1960. De resto, já é de domínio público a encalacrada financeira em que atualmente seus herdeiros se encontram, a ponto de passar títulos emblemáticos da Abril, como Recreio (criada por um grupo de educadores e jornalistas em 1969) e Placar (outro importante projeto editorial do início da década de 1970), para a editora que tem crescido à sombra dos erros e da soberba do hoje falecido primeiro-filho, Roberto Civita.


Ainda que sem ilusões, torcemos sinceramente para que, ao contrário da Editorial Abril, de Buenos Aires, a Editora Abril, de São Paulo, pelas relevantes contribuições feitas durante o (breve) período de vanguarda editorial, com todos os seus equívocos do período pós-1973, consiga sobreviver e se reencontrar com o legado dos dois velhos fundadores e das equipes profissionais que constituíram, para resgatar seu papel histórico, abandonando executivos incompetentes, sócios intolerantes e sobretudo posições maniqueístas que ameaçam a jovem democracia brasileira, ainda em construção. Afinal, tanto Cesar como Victor Civita tiveram de abandonar a Itália de sua juventude por causa da intolerância dos partidários do ditador Benito Mussolini e de seu aliado Adolf Hitler, para vir a se refugiar e realizar o sonho de suas vidas em dois países latino-americanos cuja população generosa os acolheu fraternalmente, tornando-os referência, ainda que com as contradições inerentes à economia de mercado praticada ao sul do Equador, onde, no dizer do grande compositor Chico Buarque, “não existe pecado”, desde os tempos coloniais, de triste memória.
Ahmad Schabib Hany