25
de janeiro
É o quinquagésimo aniversário
de nosso Irmão Mohamed sem a sua presença iluminada. Em seus breves mas intensos
25 anos solidária e generosamente abriu horizontes e alargou as perspectivas de
quem teve a sorte e a felicidade de com ele conviver. Tempos nefastos em que
ter livros ‘censurados’ em casa era, no mínimo, uma atitude insana às vistas
dos submetidos, dos domesticados, dos cooptados, enfim, dos cúmplices.
Emblemático, o 25 de janeiro para toda nossa Família
sempre foi dia de júbilo e total congraçamento. Foi nessa data que, em 1949,
nascera Mohamed, o Primogênito de nossos queridos Pais, no coração da Amazônia
boliviana. Foi ele que iniciara a formação da prole de desassossegados, de
questionadores, de focados e, sobretudo, de engajados em pugnas que têm
princípios, jamais ídolos, sejam de barro ou de ouro.
Depois de nascer a segunda da prole, nossos Pais
decidiram se mudar para a Ciudad Jardín, Cochabamba, onde nasceram mais
seis dos nove filhos. Foi onde nossos Pais, além do trabalho honrado, se
dedicaram ao aperfeiçoamento de seus conhecimentos. Nossa Mãe fez questão de
aprimorar seus conhecimentos de enfermagem, ofício com o qual, solidaria e
generosamente, atendia parentes, amigos e a vizinhança. Nosso Pai decidiu
retornar às letras e, com a motivação do pan-arabismo, dedicou-se ao jornalismo
e à cultura.
Com os Irmãos mais velhos, Mohamed não só
conviveu, como viveu essas transformações, pois a Bolívia protagonizara a
emblemática Revolução Nacional de 9 de Abril de 1952. É óbvio que a visão
crítica sempre esteve presente. Cada qual se sentiu à vontade para optar por
seguir sua consciência sob princípios humanistas ensinados e praticados por
nossos Pais. Nosso Pai, de Família muçulmana; Nossa Mãe, de Família católica e
drusa. Nunca, em sã consciência, vimos qualquer disputa entre eles por ‘fazer a
cabeça’ de algum de nós. E isso também praticamos como legado de nossas
Famílias ancestrais, tanto que os e as nossas Sobrinhas e Sobrinhos, Filha e
Filho seguem de acordo com seus critérios.
A conscientização política de Mohamed e dos Irmãos
mais velhos se deu ainda na Bolívia, onde tudo era debatido. Mais que
consciência política, foi consciência de classe. Tenho bastante clareza de que
jamais -- nunca mesmo -- tivemos presunção de nos sentirmos ‘crasse mé(r)dia’, embora
nosso círculo de amizades entre imigrantes fosse de pessoas que aspiravam à tal
pequena burguesia. Respeitávamos, mas sempre nos demos o direito de criticar,
ainda que de modo discreto. Até para não ferir a dignidade dos Amigos.
Eu seu retorno ao Líbano, que vivia o clima de
revolução sufocada em 1958 (e reaberta em 1975 com atentado sionista a ônibus
palestino),
nosso Pai preferiu ir trabalhar ao Egito, razão pela qual percorreu todo o
norte da África durante as guerras de libertação nacional, cobrindo para a
Rádio Cairo e para jornais árabes. Mas como a prole era grande, precisou adiar
mais uma vez seu ofício de repórter da História para se dedicar, em sociedade
com o querido Tio Hussein Khalil Schabib, a atividades comerciais em Trípoli,
segunda cidade libanesa. Mohamed e os demais Irmãos que estavam em idade
escolar, dedicaram-se com disciplina e afinco aos estudos, na antevéspera do
ingresso à universidade.
Sob a contrariedade das Irmãs de nosso Pai, ainda
vivas (era o caçula), ele ouviu a Mãe e
Irmãs e Irmãos e decidiu retornar para o Brasil, onde ele já tinha trabalhado
(em Guajará-Mirim, Rondônia) antes da decisão de ir ao Líbano. Mohamed e as
Irmãs e Irmão mais velhos da prole ficaram a estudar na Bolívia, pois estavam
em séries adiantadas (um ano depois, em 1966, só ficaram os três mais velhos na
Bolívia). Mohamed optou por fazer Engenharia em La Paz, enquanto minha Irmã
Arquitetura e o outro Irmão Medicina. La Paz foi uma experiência relevante para
nosso ‘guru’, pois não só conheceu a realidade social e política como passou a
fazer Sociologia com os catedráticos mais cotados da Bolívia.
Além da vivência na
Universidade Mayor de San Andrés (UMSA), Mohamed desenvolveu um conjunto de
iniciativas que, do ponto de vista humano, lhe valeram por pós-graduação em
universidades de vanguarda. Isso pude constatar em 1984, quando tive
oportunidade de conhecer alguns de seus contemporâneos e o valor de sua
iluminada atuação entre eles. E todos eles foram unânimes em dizer de que não
fora mera coincidência a não realização de um inquérito policial rigoroso em
sua trágica e inexplicável eternização. Insisto dizer que só colheram o meu
depoimento no momento do desenlace, quando eu, em estado de choque, aos 15
anos, estava desacompanhado de qualquer pessoa maior de idade. Como punição, os
policiais me levaram ao ‘necrotério’, onde permaneci por algumas horas até a
chegada de uma equipe do serviço funerário, que, surpresa, me retornou para
casa.
Insisto reiterar,
também, que ficaram com todos os pertences dele, de valor sentimental, sob o
argumento cínico de que ‘faziam parte do processo judicial’, que nunca foi
iniciado. Prevaricadores, sob a conivência de uma ditadura torpe, criminosa e
déspota. Razão pela qual, sob o afetuoso conselho do saudoso Professor
Octaviano Gonçalves da Silveira Junior, querido Amigo e confidente que se
tornou (independentemente de suas posições políticas, as quais nunca escondeu
de mim ou de quem quer que fosse), de que deixasse de pensar em Odontologia e
fizesse Jornalismo ou qualquer curso que me habilitasse nesse ofício.
Mohamed, além de ter uma
consciência privilegiada (bem como era mordaz com sabugos de qualquer tirania,
permitindo-se irreverência aguda e incômoda, tanto que não faltaram insinuações
maldosas entre os apaniguados do regime de 1964), ensinou-nos a empatia, a
resiliência e a hoje denominada de paciência histórica (eufemismo para o
comportamento racional, livre de recalques). Quem o conheceu, como as Irmãs e
os Irmãos, sabe que sob quaisquer circunstâncias não cometeria desatino
qualquer, ainda que sob tortura, e jamais causaria aos que amava,
propositalmente, uma dor tão corrosiva e causticante.
Nossos Pais, que desde
sempre nos deram liberdade para fazer as escolhas que nos fossem ou parecessem
melhores, nunca superaram a perda de Mohamed, embora soubessem de que houvera
motivação criminosa na condução do inquérito. Já idoso,
ao ouvir do Amigo mais querido, que se tratavam como Irmãos (este Amigo se
eternizara na Palestina durante uma festa), por que, sobretudo as Filhas, não se casavam com ‘patrícios’, e meu
Pai lhe respondeu que perguntasse isso a elas, porque ele jamais induziria uma
Filha ou Filho.
Filhas e Filhos da
Liberdade. É isso que nossos Pais nos ensinaram. Liberdade na concepção de
emancipação. Libertária, plural. Como a identificação com a causa empreendida
no Brasil pelo gigante Ulysses Guimarães, entre outros e outras não menos
importantes. Por isso aprendemos a somar na diversidade. A combater o narcisismo
político, presente em todos os espectros ideológicos, e que empobrece a
conquista de um mundo melhor, uma sociedade mais justa. Porque se vive no
presente para semear o porvir, o futuro. Porque a Terra, suas riquezas e todos
os seres viventes não nos pertencem: é para que as gerações futuras possam
viver e fazer as escolhas que melhor lhes aprouver.
SOCIEDADE PREDADORA
Se aquela hilária personagem do saudoso Jô Soares
saísse do coma e acordasse exatamente hoje e assistisse ao noticiário ou lesse
um jornal, não resistiria ao que se lhe reportou. Um autoproclamado ‘cristão’
fanta laranja a enquadrar o Planeta como se tivesse sido eleito pela humanidade
toda. Um delirante extasiado com o poder que lhe volta às mãos porque a dita ‘democracia’
não passa de verdadeira plutocracia, o poder dos endinheirados. Tudo um
embuste, uma falácia.
Como eles têm ogivas nucleares capazes de destruir
sessenta vezes o Planeta, prudência e paciência histórica são necessárias.
Porque com ‘loucos’ não se discute: eles têm sempre razão. Sempre usaram -- e
ainda usam -- o discurso de que ‘precisamos nos defender dos inimigos da
democracia, da liberdade, da justiça’. Mas quem é esse inimigo, senão eles
mesmos, os estadunidenses e seus aliados da OTAN (União Europeia e Reino Unido)? Sejam ‘democratas’ ou ‘republicanos’, o
status quo estadunidense é sionista, e a prova foi dada quando do apoio dos
dois adversários na disputa pela casa mal-assombrada a Herodes atual -- o inominável
primeiro-ministro sionista Netanyahu -- e seu séquito de vassalos pelo ‘mundo
civilizado’ afora...
Em Gaza, a
Resistência Palestina -- bem como o Eixo da Resistência, com ênfase à do Líbano
e do Iêmen, de uma coragem que se contrapõe à covardia paga em ouro dos
mercenários sionistas e da OTAN, de triste memória, e suas fortalezas
tecnológicas criminosas -- deixou claro mais uma vez que enquanto houver um
árabe na face da Terra não haverá paz aos imperialistas. A História ensina que
há uma dinâmica na humanidade em que sempre desassossegados tentam, tentam e
continuam tentando até um dia acabar com a opressão. Não fosse assim,
estaríamos ainda na Idade Média. Lembre-se da Queda da Bastilha, em julho de
1789, e da Tomada do Palácio de Inverno em outubro 1917.
Para que conhecêssemos
essa tal ‘democracia’, ou ‘Estado de Direito’, ou ‘Estado de Bem-Estar Social’,
foi preciso enfrentar tortura, morte e perseguição. Foi preciso decapitar reis
e czares também. Terrorismo? Não, a História não é romance, ou filme americano:
é luta, e o nível de progresso da humanidade a que chegamos devemos aos que
ousaram pôr sua vida a prêmio, sacrifício, para pôr fim à tragédia que
continuava e não era derrotada.
O papel dos que têm um pingo de consciência sobre
a dramaticidade deste momento da história -- com os mesmos contornos do chamado
“período entre guerras”, entre 1918 e 1939, quando o capitalismo, em profunda
crise, apostou em tiranos como Adolf Hitler, na Alemanha; Benito Mussolini, na
Itália; António Salazar, em Portugal, e Francisco Franco, na Espanha. Ato de
generosidade? Não, para levar a humanidade à guerra, e, sem ter sofrido
absolutamente nada (só lucrado com a sua indústria bélica) na Segunda Guerra
Mundial, os Estados Unidos aparecem como os ‘salvadores da humanidade’, quando
hoje estão expostos os documentos entre esses tiranos e Truman, o vice que
assumiu depois da morte não elucidada de Roosevelt. Não é preciso ser muito letrado
para saber que quem deu cabo ao III Reich de Hitler foi o Exército Vermelho, da
União Soviética, que chegou às portas do palácio de Hitler, em Berlim. Não
foram os engomadinhos do Pentágono, não.
O Partido Democrata dos EUA é conhecido como
predador, pois, além de ter começado todas as guerras em mandatos de
presidentes eleitos por esse partido, os três presidentes mortos em circunstâncias
não elucidadas tiveram vices antagonistas: Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt,
e John Kennedy. E como os estudiosos da História concordam que a história só se
repete como farsa -- pois os detentores do poder recorrem às maracutaias bem
sucedidas de antigos tiranos para alcançar seus propósitos. Hitler, Mussolini,
Salazar e Franco se deram mal, embora os dois últimos, por conveniência dos EUA,
França e Inglaterra, foram poupados da destituição e mantiveram suas ditaduras
sanguinárias na ‘Europa democrática e civilizada’ até 1975, tanto em Portugal
como na Espanha.
Por tudo isso, não dá para fazer concessões aos
representantes do atraso, como o fanta laranja. A história caminha pra frente,
de modo que, em vez de sucumbir, devemos fazer com que se liberte a humanidade
-- sobretudo as novas gerações, que nada têm a ver com as ambições e a cobiça
de menos de 1,5% da população humana do Planeta e nos queiram impor uma
tragédia anunciada.
Netanyahu, dizem, está hospitalizado por causa
de câncer de próstata recém-descoberto. A imprensa pró-sionista não divulga
para não enfraquecer o governo genocida, por pressão das potências
internacionais. Por isso, o Conselho de Ministros (o Estado sionista usa o
regime parlamentarista de governo, em que o primeiro-ministro é o chefe de
governo e o presidente é o chefe de Estado) se reuniu e, na ausência de
Netanyahu, ganhou a posição do cessar-fogo, ao que o primeiro-ministro,
internado, rejeitou, mas como estava ausente, pelas normas regimentais do
Knesset (parlamento sionista), vale a decisão
do Conselho de Ministros, de 16 a favor e 8 contra o cessar-fogo.
Não acredito em cessar-fogo. O ente sionista
nunca respeitou resoluções, acordos e muito menos jurisprudência internacional.
Há dois meses, depois de anunciar o acordo de cessar-fogo de 60 dias com o Hizbullah no Líbano, referendado pelos Estados Unidos
e França, os mercenários terroristas financiados pela Turquia com o aval da
OTAN e todas as potências ocidentais -- e, óbvio, o Estado sionista --
invadiram, promoveram uma carnificina contra a população civil e derrubaram o
governo da República Árabe da Síria, integrante do Eixo da Resistência, junto
do Irã, Iraque, Iêmen, Líbano (Hizbullah) e Resistência Palestina (Hamas, Frente
Popular, Frente Democrática, Al-Fatah-Comando-Geral e Jihad). Quem viver verá.
Mas nossos respeitos à Resistência e ao Povo Palestino, bem como ao Hizbullah,
do Líbano, e aos Hutis, do Iêmen. Porque os parasitas militares árabes,
sobretudo na Síria, venderam seu patriotismo antes de enfrentar os terroristas
bancados pela Turquia.
Ahmad
Schabib Hany
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