quinta-feira, 30 de março de 2023

POR FALAR EM CHARLES DE GAULLE

Por falar em Charles De Gaulle

 

Após um avassalador período bisonho de trevas, ódio e ameaças com o inominável de que a Leva Jeito é corresponsável, a volta à normalidade democrática tem sido cheia de escorregões. Como De Gaulle deu não só uma em Quebec, mas diversas derrapadas como estadista que também foi, Lula viveu momentos de saia-justa ao ser mal interpretado por emitir sua opinião sincera sobre a mais recente colheita de Sérgio Moro, verdadeiro porta-voz do fascismo auriverde, que não perdeu a chance de sair do ostracismo.

Lula não tem o direito de ser sincero e emitir sua opinião quando indagado por um repórter sobre um episódio envolvendo os pivôs de sua prisão ilegal, ilegítima e golpista? O fato de Sérgio Moro e Daltan Dallagnol terem exercido, respectivamente, cargos na magistratura federal e do Ministério Público da União antes de ingressar na política não os torna ‘mais imunes’ a críticas de quem que seja: até porque foram eles mesmos os que criminalizaram a política há menos de 10 anos para depois se beneficiar dela.

Vejamos, também, pelo ângulo humano: Lula já estava com os sintomas de pneumonia -- febril e desconfortável --, que o levou a cancelar a sua ida à China. Uma pessoa que realiza uma agenda hercúlea (mais de 48 horas de viagens por diversas regiões do País, SEM MOTOCIATAS) com um quadro infeccioso, quando perguntado sobre um desafeto, tende a ‘ir além’ em sua resposta. Ser sincero pode ser uma ‘bola fora’ (ou ‘gol contra’, no dizer de muitos analistas políticos), mas nem de longe é crime ou indício de crime.

O episódio não agradou a aliados e simpatizantes de Lula, e deu oportunidade dos quinze minutos de ressurreição do lavajatismo insepulto, que não perdeu tempo para fazer o que sempre fez: política fascista, abjeta, do pior nível (como a tabelinha entre Moro e Dallagnol, em que mentiram à beça e usaram até um correio eletrônico fake com uma conta ‘lulalivre1069@...’ para embasar suas ilações, ou melhor, ‘convicções’, conforme o famigerado PowerPoint do ex-procurador da Leva Jeito). Com maestria, os Jornalistas Chico Alves, do UOL (Moro faz politicagem da pior espécie com o caso do PCC, link <https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2023/03/26/moro-faz-politicagem-da-pior-especie-com-caso-do-pcc.htm?utm_source=chrome&utm_medium=webalert&utm_campaign=coluna-chico-alves&utm_content=79882>), e João Filho, do The Intercept Brasil (Moro mentiu muito para faturar com as ameaças do PCC, link <https://www.intercept.com.br/2023/03/25/moro-mentiu-para-faturar-com-ameacas-do-pcc/>) esmiúçam essa questão de forma didática, basta acessar os respectivos portais de jornalismo.

O presidente da República, no uso de suas prerrogativas, não obstou nem interferiu na atuação da Polícia Federal ou do Ministério da Justiça no desbaratamento de tentativas atentatórias ao Estado Democrático de Direito. Diferentemente do palerma covarde que fugiu para Orlando porque sabia de suas ilicitudes durante seu vergonhoso mandato: uma sucessão de prevaricações, desvios de função, procrastinações, desmandos, omissões, abuso de poder, intervenções ilícitas, sonegações, conspurcações e atentados ao longo de quatro anos de desgoverno. O governo da reconstrução nacional em 24 horas abortou o plano terrorista, cujo alvo maior era, obviamente, o Procurador do Ministério Público de São Paulo, responsável pela transferência do líder da organização criminosa para um presídio federal longe do eixo de atuação, todos eles construídos nos governos de Lula e Dilma.

É compreensível, aliás, que, sobretudo as novas gerações, após experimentar o bizarro período de trevas, ódio e ameaças com o inominável (para o qual o lavajatismo deu a sua significativa contribuição), encontrem alguma dificuldade para assimilar que na democracia todos os agentes políticos podem (devem) emitir opinião com sinceridade e transparência. Foi o que Lula fez, dentro do território que costumava ser do inominável: trata-se de uma atitude corajosa e de empoderamento do civil que usa as suas prerrogativas constitucionais para exorcizar os fantasmas do fascismo. O fato de ele ser o chefe do Executivo não o condena a silenciar sobre um fato que não está de todo explicado e que ao final das investigações poderá surpreender até os mais afoitos do jornalismo lavajatista, saudoso dos holofotes, das matérias plantadas pela Leva Jeito.

Não esqueçamos de que Lula é, além de experiente político, um estadista convicto em cujos movimentos há passos calculados, precisos, certeiros. Além de inúmeros exemplos eloquentes em seu período de governo de dois mandatos entre 2003 e 2010, a maneira como tirou de letra as diversas tentativas de ‘domá-lo’ antes e depois dos atentados de 8 de janeiro mostra a competência político-administrativa do estadista que o povo brasileiro levou 500 anos para oferecer à humanidade neste início de terceiro milênio.

Por falar em estadista, Charles De Gaulle, líder do governo de reconstrução nacional da França pós-ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial, é de uma dimensão política e pessoal muito maior que o nanico Macron, que vive neste momento vertiginoso processo de queda (literal, inclusive) por conta de sua obsessão de querer empurrar para os assalariados a conta da crise financeira decorrente das abissais despesas com a guerra da Ucrânia (só para satisfazer os falcões do Pentágono dos EUA e da OTAN). Contudo, De Gaulle cometera inúmeras gafes públicas (internacionais) em seus longos mandatos. A mais emblemática foi “Viva Quebec livre!” ao encerrar seu discurso quando de sua visita em caráter oficial ao Canadá.

Às novas gerações isso talvez pareça insignificante, mas é bom lembrar que o Canadá foi uma colônia disputada por dois poderosos impérios -- o inglês e o francês --, e Quebec é a ‘província rebelde’ que sempre quis se libertar do jugo colonial inglês, hegemônico no Canadá. E o que aconteceu? Ninguém menos que o presidente francês, em visita oficial ao Canadá, encerrara o discurso reverberando a consigna dos partidários de não apenas conquistar a autonomia, mas a soberania de Quebec. Todo o ocidente ‘caiu matando’ De Gaulle, até porque a rainha da Inglaterra se viu na obrigação de manifestar seu repúdio ante a fala do estadista francês. Em plena guerra fria, o que foi uma festa para a URSS.

Outra derrapada inesquecível foi durante a guerra contra a Argélia, até então colônia da França (e que os franceses, em sua maioria, se achavam no direito de fincar suas garras por lá e massacrar a população árabe, que lutava por sua independência nacional). Pois o ilustre chefe de Estado de uma potência militar ocidental -- tida como baluarte da democracia por causa da Revolução Francesa e seu legado republicano -- decidiu de uma hora para outra que recorreria ao poder militar para impedir a independência daquele país africano, quando a maioria dos outros já havia conquistado a sua soberania pátria.

Indiscutível é que Lula, exausto por ter cumprido uma agenda longa e extenuante, deu a deixa para os arremedos de politiquinhos fascistas e seus incondicionais aliados da mídia corporativa saírem do ostracismo (falsos ‘patriotas’, muito chegados ao amarelo, mas do ouro, da opulência, como denúncias de extorsões e propinas revelam). Como De Gaulle, resguardadas as proporções, deu-se o direito de agir como ser humano que é perante o verdadeiro porta-voz do fascismo auriverde, fantoche dos piores interesses do fétido império em decadência, contra o qual, aliás, De Gaulle foi desde a juventude, razão pela qual a França pós-1945 só teve uma aproximação aparente com os EUA no período de subalternização da Comunidade Europeia.

A França e a Alemanha são as ‘pedras no sapato’ de Joe Baiden em sua insana aventura contra a Rússia e a China. E o estadista Lula logo estará demonstrando como se faz política internacional para o soerguimento de um país altivo que esteve na penumbra durante os desgovernos do ‘brimo’ golpista e do insólito tantã que envergonhou/enlutou a nação com suas estripulias criminosas e não teve a hombridade de Lula para enfrentar de peito aberto. Não é à toa que o marreco de Maringá e seus assemelhados anunciam investidas com seus amos e senhores para “acabar com o ‘populismo’ de Lula”, isto é, as novas investidas contra o Estado Democrático de Direito, sempre sob o planejamento e o financiamento dos falcões do Pentágono, de triste memória.

Ahmad Schabib Hany

quinta-feira, 23 de março de 2023

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS, INIMIGAS DO ESTADO DE DIREITO

Organizações criminosas, inimigas do Estado de Direito

 

Não surpreendem as sucessivas iniciativas criminosas estimuladas, planejadas, financiadas e executadas por vermes que integram organizações criminosas, todas elas com uma pata no esgoto fascista. O Estado Democrático de Direito, as instituições e, sobretudo, os agentes públicos sinceramente comprometidos com a Democracia são seus maiores inimigos, razão pela qual não se cansam de tentar eliminá-los.

O desbaratamento, no emblemático Dia Mundial da Água (22 de março), de mais uma ação em vias de ser sordidamente executada -- pois estava financiada, minuciosamente planejada e na iminência de seu start ser detonado -- é mais um eloquente sinal de que é preciso focar na reconstrução nacional, e que o governo legitimamente eleito é o principal eixo operacional para extirpar o maldito câncer do fascismo na sociedade.

É emblemática a lista de agentes públicos -- inclui políticos egressos do lavajatismo, como Sérgio Moro e Daltan Dallagnol -- que seriam alvo de atentados orquestrados por integrantes de uma facção criminosa que nestes últimos quatro anos, a despeito da fala de combate ao crime, ganhou capilaridade no território nacional e em diversos países da América, Europa e África. Graças à postura republicana do Ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, e do Delegado Andrei Rodrigues, Diretor-Geral da Polícia Federal, o atentado em série foi desbaratado antes de ser iniciado, mais uma evidente capacidade de governabilidade do estadista que assumiu os destinos da nação.

Gostemos ou não do Presidente Lula, ele é o Charles De Gaulle brasileiro e, resguardadas as proporções, as ruínas provocadas pelo desgoverno meliante que o antecedeu devem ser urgentemente removidas, pois sob os seus fétidos escombros, como bactérias vis, lá estão os ‘órfãos’ dos facínoras que vivem a atentar contra a civilização, a democracia e as instituições erigidas sobre as legítimas (sólidas por isso) bases democráticas pós-1985.

Até por conta disso, próprio de sua mente perversa e de exímio cultor de fakenews, o inominável começou a disseminar que, tal qual a de 8 de janeiro, esta trama também teria sido concebida por integrantes do Governo Federal. Um detalhe: Lula e Alckmin, comprovadamente competentes (afinal, Lula está em seu terceiro mandato presidencial e Alckmin provou competência política e capacidade de gestão em seus quatro mandatos à frente do Executivo paulista), têm controle de toda a estrutura administrativa, muito diferente que esse marionete covarde, que dizia não estar preparado para governar um país-continente das dimensões superlativas do Brasil.

Não é demais reiterarmos: as organizações criminosas foram beneficiárias da impunidade promovida pelos ‘patriotas’ de araque ao longo dos quatro anos de desgoverno. Liberar armamento e munição pesada, afinal, interessa a quem? E a política do “ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento e simplificando as normas”, isso, além de ter causado recordes de desmatamento e de assoreamento e contaminação por mercúrio nos biomas e bacias hidrográficas, a quem beneficiou senão contrabandistas, sonegadores, traficantes, contraventores, garimpeiros, madeireiros e grileiros de todos os naipes? Por quê, em sã consciência, milhões (senão bilhões) do dinheiro do orçamento foram tirados das áreas sociais e estratégicas para misteriosa e criminosamente aparecer em áreas não públicas, entre elas fundações de igrejas de ‘amigos do rei’ e de ‘empresários’ surgidos do nada, que pouco a pouco vão sendo desmascarados?

Aliás, os fatos condenam. Não só o desmonte de órgãos de fiscalização e proteção (como Ibama, ICMBio, INPE etc) e o aparelhamento, pelo inominável, de instituições de Estado (casos comprovados em muitos setores da PRF, FUNAI, SGI, ABIN etc) como o ativismo político de consideráveis setores (de instâncias inferiores) do Ministério Público, da Justiça e das Forças Armadas -- das quais figuras como Daltan Dallagnol, Sérgio Moro e Augusto Heleno são referências inequívocas -- representam a fragilização do Estado, que desde o ‘ajuntamento’ de hienas políticas durante a gestão golpista do ‘brimo’ Temer (basta lembrarmos de suas proeminências, como Romero Jucá e Eduardo Villas-Boas, aliados e verdadeiros responsáveis pelos desdobramentos pós-2016, dos quais Moro e Dallagnol fazem parte, embora ainda vinculados a instituições de outros Poderes).

Em vez do lesivo trabalho de cupim, de destruir as estruturas do Estado Democrático de Direito por correntes políticas de ultradireita, coirmãs do fascismo e do nazismo, como a do inominável e dos ativistas lavajatistas e de grupelhos como o ‘Vem Pra Rua’ e MBL, que em quatro anos causaram um retrocesso político de 100 anos, é hora de fortalecer a Democracia, reestruturar o Estado de Direito, que em 15 de março, fez 38 anos do início de sua construção.

NOVA REPÚBLICA

Derrotado fragorosamente o regime de 1964, a Nova República teve início no dia 15 de março de 1985, embora o presidente eleito Tancredo de Almeida Neves não tivesse sido empossado por ter sido internado de urgência na véspera com fortes dores abdominais. Empossado o vice-presidente eleito José Sarney, o processo de democratização foi implementado e os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte concluídos em 5 de outubro de 1988, quando o Deputado Ulysses Guimarães promulgou a Constituição Cidadã.

Diferentemente da de 15 de novembro de 1889 -- na verdade um golpe militar apoiado pelos senhores de engenho que tiveram seus interesses contrariados pela Princesa Isabel, patrona da abolição da escravatura e princesa herdeira de Dom Pedro II --, aquela que desde as Diretas-Já (1983-1984) teve por protagonista o altivo Povo Brasileiro (maiúsculas, por favor!), não só pôs uma pá de cal no corpo insepulto da ditadura militar que multiplicou a dívida externa de pouco mais de 4 bilhões de dólares em 1964 para 98 bilhões de dólares em abril 1985 (isto sem o acréscimo dos juros sobre juros que levaram Sarney a declarar moratória um ano depois).

Curiosamente, esta data é pouco lembrada pelas elites políticas nacionais: apenas Ulysses Guimarães, então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, fazia questão de inseri-la no calendário pátrio brasileiro. Mas ele foi curiosamente tirado de cena em outubro de 1992, tal qual o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavaski e o ex-governador Eduardo Campos, aliado de Lula desde o tempo de seu Avô, saudoso Miguel Arraes, um dos baluartes da luta pela democratização do Brasil, com Ulysses, Tancredo, Severo Gomes, Dante de Oliveira, Franco Montoro, Mário Covas, Freitas Nobre, Francisco Pinto, Alencar Furtado, Heitor Furtado, José Richa, Roberto Requião, Pedro Simon, Edson Khair, Airton Soares, Jacó Bittar, Plínio Barbosa Martins, Wilson Barbosa Martins e Sérgio Arouca, além do próprio Lula, na época radical deputado constituinte (e antes, o maior líder sindical da América Latina, por isso fundador do primeiro partido nascido nas bases do operariado e do campesinato brasileiro).

E, compreendamos bem: quando digo ‘radical’ refiro-me ao sentido etimológico do termo, isto é, que vai à raiz da questão política, sem se preocupar com aspectos cosméticos, a política varejista, esta, como barata doméstica, usual em todos os ralos dos esgotos e das bocas de lobo que existem pelos quatro cantos do país. Aliás, como nos ensinou agora, nestes dias, Hélvio Rech, Professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), quando tratou de uma questão que precedeu o contexto político eleitoral de 2022. Rech, um dos responsáveis pela criação e implantação do Festival América do Sul (na época assessor do vice-governador Egon Krakeke e titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Cultura e Turismo, a SEMACTUR), além de competente pesquisador e docente de Engenharia em Energia (nova denominação do curso de Engenharia Elétrica), é analista e agente político de primeira grandeza.

Mas por que a grande maioria das oligarquias políticas que assolam o Brasil não gosta nem quer lembrar do fim da ditadura? A resposta está naquilo que Roberto Cardoso Alves, ex-ministro dos Transportes de Sarney e um dos fundadores do ‘centrão’ durante os trabalhos da Constituinte (que se tornou célebre ao tergiversar o lema de Francisco de Assis, “é dando que se recebe, é morrendo que se vive para a vida eterna”), disse para justificar o ‘toma-lá-dá-cá’, método de ação do maior e mais predador grupo político do congresso, que na época da ditadura era conhecido como ‘fisiológico’ e do qual era membro notável.

Às novas gerações insistimos que valorizem o legado dos 38 anos de Democracia: além da garantia de direitos democráticos (liberdade de manifestação, organização e credo, seja individual e coletiva), a inédita implantação de políticas públicas de Saúde, Educação, Cultura, Alimentação, Desportos, Assistência Social, do Meio Ambiente, das Cidades, Segurança Pública, Direitos Humanos, da Criança e do Adolescente, das Mulheres, dos Povos Originários, dos e das Afrodescendentes, dos e das Idosas, das Pessoas com Deficiência, Saneamento Ambiental, Transportes, Acessibilidade, Habitação etc.

Enfim, a defesa e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito são uma prioridade nacional. Contra os atentados às instituições e às autoridades devemos todos nos unir e nos mobilizar, com sinceridade e compromisso, sobretudo na reconstrução nacional promovida pelo governo legitimamente eleito e empossado. Aos terroristas e criminosos, as barras dos tribunais, sob os rigores da lei, nos termos da Constituição de 1988.

Ahmad Schabib Hany

sábado, 11 de março de 2023

PADRE ERNESTO SAKSIDA, DEZ ANOS DE ETERNIZAÇÃO

Padre Ernesto Saksida, dez anos de eternização

 

Missionário salesiano que chegou bem jovem ao coração do Pantanal e da América do Sul, Padre Ernesto Saksida se eternizou há 10 anos, depois de ver consolidada sua obra social pioneira e de ter criado dezenas de entidades de empoderamento popular. Com a eternização do Padre Pasquale Forin, há dois anos, e do Padre Osvaldo Scotti, há um mês, que conheceram a fundo a magnitude dessa obra, cabe não só à Missão Salesiana de Mato Grosso, mas à sociedade civil corumbaense, a perenização de um projeto interdisciplinar à frente de seu tempo que não pode ter o mesmo fim do vanguardista CENIC.

Nesta segunda-feira, dia 13 de março, transcorre o décimo aniversário da eternização do querido e saudoso Padre Ernesto Saksida. Um ser humano à frente de seu tempo, Padre Ernesto dedicou todo o tempo em que foi acolhido pelo hospitaleiro (e incompreendido) povo corumbaense/ladarense a retribuir por tudo que ocorrera em sua Vida missionária bem longe de sua Eslovênia e de todos os seus.

Sempre que possível o Padre Ernesto dizia ter-se encantado desde sua chegada com a exuberância do Pantanal Mato-grossense, mas não conseguia entender como uma região de tanta abundância pudesse conviver com tamanha exclusão social, razão pela qual, após longo e profundo diálogo com os membros da pioneira União dos Ex-alunos de Dom Bosco (UEDB) -- entre eles os saudosos Seu Jorge José Katurchi e Doutor Salomão Baruki, além de Seu João Gonçalves Miguéis, que participaram também desde o início da fundação, cinquenta anos depois, do CENPER --, optara por permanecer em Corumbá e criar uma ousada ação assistencial, inicialmente denominada Legião Mato-grossense dos Amigos da Criança, a pioneira LEMAC.

O amor como método de educação acolhedora e transformadora. Ainda que se tratasse de jovem missionário (chegara a Corumbá em meados da década de 1930), era membro de uma Congregação que priorizava a Educação, e o Sistema Preventivo de Dom Bosco, base do método salesiano, tinha como tríade a formação cidadã com base nas artes, cultura e esportes, a alimentação dos educandos e a devoção religiosa. Resumindo, um método interdisciplinar, com base na Educação, Cultura, Artes, Esportes, Assistência Social, Segurança Alimentar, Saúde, Formação para o Trabalho, Cidadania e Inclusão Social.

Imagine tudo isso na primeira metade do século XX (embora na Europa os salesianos já o aplicassem em fins do século XIX, mesma época em que o Papa Leão XIII instituiu a Rerum Novarum -- ‘Das Coisas Novas’ --, a encíclica pioneira que reconhece direitos da classe trabalhadora, dá as bases do Serviço Social e define regras para aquilo que desde então a Igreja Católica passa a chamar de Mundo do Trabalho, ou Opera Mundi) e na distante Corumbá ainda não tivessem chegado as inovadoras propostas do Professor Anísio Teixeira e o escolanovismo laicista (Educação laica de tempo integral), que preocupavam os educadores católicos, inclusive o Professor Paulo Freire, que até então era opositor do pensamento de Anísio Teixeira apenas por causa do laicismo.

O Padre Ernesto, que nunca foi comunista (ao contrário, embora cordial e educado, dizia que a União Soviética, tanto quanto o fascismo de Benito Mussolini, perseguira adversários seus), questionava a falta de empatia das classes bem aquinhoadas do Brasil: não foram poucos os desabafos pela insensibilidade social dos ricos, à exceção de seus leais Amigos, que sempre apoiaram a Cidade Dom Bosco. Mas precisou recorrer ao apadrinhamento à distância (criação dele) para que sobrevivesse a obra social que acolheu e formou dezenas de milhares de crianças, adolescentes e jovens e fortaleceu vínculos afetivos e materiais de milhares de famílias durante anos.

Contava, decepcionado, que suas viagens a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília -- inclusive em inusitadas participações em programas como de Hebe Camargo e congêneres -- foram frustrantes, em razão dos resultados pífios dessas verdadeiras aventuras, em que ele se sentia bizarro, ora tendo que levar animais silvestres do Pantanal ou tendo que participar de desafios inusitados, tudo para dar audiência ao programa televisivo. Suas inúmeras tentativas de apoio por empresários do eixo Rio-São Paulo nunca deram em nada, daí por que precisou viajar à Europa e aos Estados Unidos para criar a rede de financiamento de seu projeto pioneiro e transformador.

Mas um dia, finalmente, sua ousadia começou a triunfar, com o fundamental apoio da Operação Mato Grosso, constituída por voluntários católicos da Itália (muitos dos quais ficaram em Corumbá) que, em fins da década de 1960, construíram o edifício principal do educandário e do espaço assistencial da Cidade Dom Bosco. E graças à sua desenvoltura e capacidade de convivência com todas as ideologias, religiões e correntes políticas, ergueu sólidas parcerias com os ex-governadores Pedro Pedrossian, José Fragelli, Wilson Martins, Marcelo Miranda, Zeca do PT e André Puccinelli, bem como todos os prefeitos de Corumbá e de Ladário, sempre de maneira republicana e com altivez e o devido distanciamento.

Da mesma forma, relacionava-se com respeito, cordialidade e irmãmente com os membros de sua Congregação. Se num primeiro momento ele pareceu rebelde, a maturidade o levou a uma aproximação fecunda com seus Irmãos Salesianos, e, a despeito da personalidade diferente dos igualmente queridos e saudosos Padre Pasquale Forin e Padre Osvaldo Scotti, além de contribuírem efetivamente para o fortalecimento da Cidade Dom Bosco, quando estiveram na direção da entidade, souberam potencializar suas atividades e rearticular os padrinhos, tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Decorridos 10 anos da ausência física do Padre Ernesto, a Cidade Dom Bosco dá provas sobejas de sua solidez e eficiência no cumprimento de suas metas. Diferentemente do hoje saudoso (e outrora vanguardista) Centro de Ensino Imaculada Conceição (CENIC), cujas atividades foram encerradas por decisão das Irmãs Salesianas na antevéspera de celebrar 100 anos de fundação em Corumbá, a Cidade Dom Bosco é um educandário cujas atividades estão vinculadas à coletividade corumbaense, tanto que o CENPER (Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental), o Clube dos Amigos do Padre Ernesto (CAMPE) e a União dos Ex-alunos da Cidade Dom Bosco (UECDB), de cuja formatação tive a honra coordenar em parceria com os saudosos Padre Ernesto, Padre Pasquale e Padre Osvaldo, são a tríade de uma retroalimentação cidadã efetiva e salutar.

Com pioneirismo e sabedoria, o Padre Ernesto Saksida, sempre ao lado de pessoas da coletividade corumbaense (e que nunca fez diferença de classe social, origem, religião, ideologia, nacionalidade ou corrente política), disseminou a ideia-motriz de que o amor, em seu sentido mais amplo, é a base da evolução da sociedade, e cabe a ele alinhavar as diferentes áreas do conhecimento, da ciência e das atividades humanas para construir a sociedade fraterna e solidária de que a Humanidade clama, a Natureza ensina e o Planeta exige, sobretudo nestes tempos de mudanças climáticas e adversidades extremas.

Ahmad Schabib Hany