segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

DO LADO ESQUERDO DO PEITO (Edson Moraes)


DO LADO ESQUERDO DO PEITO


Edson Moraes


Sexta-feira, 14, na sede da Federação dos Trabalhadores da Educação Publica (Fetems), concorridíssimo lançamento de “Zé Dirceu: Memórias”, em seu Volume I.



Apesar do cansaço, da tosse incômoda e dos reflexos dolorosos de um tombo, ele esteve como sempre o vi: altivo, sereno, universal. Não parecia ter sobre seus ombros a dor de um perverso linchamento midiático e político, muito mais impactante que a angústia eventual da privação de liberdade.



O encarceramento que o incomoda ainda é o do mundo que o contempla, sobretudo pelos que escarnecem sobre seu sofrimento e fazem o butim de suas lágrimas.



José Dirceu em nenhum momento posou de vítima. Faz isso desde que voltou do exílio. Deixa o coitadismo para que os pobres de espírito se fartem à mesa dos torquemadas de ocasião no lauto banquete da hipocrisia.



Mas... que é isso, companheiro? Nada desse ranço saiu de sua boca e de sua cabeça.



Eu ouvi de você a palavra serena, da reflexão, do equilíbrio. A recomendação para reconhecer que erramos, sim, e não erramos pouco. Precisamos ser rigorosos, mais do que temos sido, em nossa autocrítica. Nós – esquerda, PT, campo progressista – contribuímos para que o ventre do bolsonarismo o lançasse à luz, embora seja esta uma prole amante do breu e da obscuridade.



Grato, companheiro, por remeter minha cabeça ao vão fundo e cinzento da coragem pequena que não deixa ver o quanto é forte e capilarizada a ascensão do governo que a maioria dos eleitores de outubro elegeu.



Grato, companheiro, por me reforçar a consciência de não culpar nem maldizer os evangélicos que malafaiaram e macedaram para garantir a vitória do capitão.



É verdade, muito bem lembrado Zé: nós fomos também malafaias e macedos na catolicagem das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) e pastorais. Ainda que tivéssemos outro enredo para os temas da exclusão fundiária, do genocídio indígena, da segregação racial, da misoginia, éramos precursores de Silas e Edir na versão apostólica romana. O que não soubemos foi construir essa caitituagem social para torná-la consistente, densa e, sobretudo, duradoura.



Grato, enfim, companheiro, por submeter-se à lei dos homens sem acocorar-se diante da injustiça!
Sei que a legalidade não é ciência exata.



Grato, por último, pela poesia que o ambiente democrático escreve e desenha, garrancheia e borra, limpa-suja as nuvens e o chão da história que estamos fazendo, da história que estamos contando, da história que vai nos contar.



Grato, companheiro! Você veio aqui para nos mostrar que perdemos!



É assim que se ganha!



(Edson Moraes)



***** Zé Dirceu recebe o livro “Bugre Rima com Estrelas”, do autor Edson Moraes, seu amigo e correligionário, na sede da Fetems em 14/12/2018 (Foto Andréia Cercariolli)

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