domingo, 5 de fevereiro de 2017

"DEUS LHE PAGUE..." (Chico Buarque, "Construção")

“DEUS LHE PAGUE...” (Chico Buarque, “Construção”)

PARA GISA, GABRIELA, RICHAM, MICHAEL E SÉRGIO

Dias atrás, quando escrevi “Perdão, Doutor(a), por existir”, perplexo com a leviana desumanidade de médico(a)s e membros do Judiciário que mais parecem discípulos de Pôncio Pilatos – aquele nefasto governador do Império Romano na Palestina que julgou Jesus Cristo e entrou para a história pelo ignóbil gesto de se lavar as mãos depois da condenação de alguém que incomodava os poderosos mas não havia cometido crime tipificado pelo código romano – diante da angústia e da dor da família de Dona Marisa Letícia num leito de hospital, jamais poderia imaginar que uma (suponho, pois não conheço) mãe e avó pudesse, igualmente, incorrer em atos tão maledicentes e condenáveis como o dos já conhecidos algozes.

Não importa o sobrenome, vou chamá-la apenas de Gisa. Deve ter mais de 50 anos. Trata-se de uma pessoa medianamente informada e com um nível de escolaridade acima da média. Eis a íntegra de seu comentário, leviano e inoportuno, em postagem sobre o desabafo do Presidente Lula ao final do velório de sua Esposa numa das redes sociais: “É ridículo o que Lula fez no velório da esposa. Cada um colhe o que planta. Não podemos defender quem fez mal ao Brasil. E a lava jato não é culpada da morte dela, que já teve aneurisma. Quem sofre nos hospitais é que sofrem. Quem tem plano de saúde não se preocupa com os outros que morrem a cada minuto. Primeiro porque não tem força política pra resolver essa situação. E os políticos corruptos não estão nem aí.”

Quanta desumanidade junta! Quem pretenderá ser? Mas, vamos por partes. Pergunto-me, ela e sua família não são tão mortais como todos nós? Ainda que houvesse alguma etiqueta, protocolo a ser observado em velórios (supondo que por se tratar de ex-presidente da República), ele não pode ter o comezinho direito ao desabafo na hora em que “vai ser fechado o caixão”? Enquanto aquela pessoa que traz um nome feminino (mas tem todo o ranço do machismo inoculado nas entranhas de uma sociedade hipócrita e bizarra) se atribui o direito de agredir – e não apenas usufruir do direito de manifestar sua opinião, pelo qual, aliás, minha geração, entre outras, lutou para que ela o dispusesse –, um homem da dimensão de Lula, tomado pela dor e no fatídico instante da separação eterna, não pode ter direito de dizer o que não só pensa, como há evidências do que ele (e os melhores jornalistas e analistas políticos também) declarou.

É “ridículo”, Gisa, porque partiu da boca de um retirante nordestino que ousou não obedecer à sina da maioria de seus conterrâneos e acabar confinado à Zona Leste de São Paulo, no máximo, servindo de massa de manobra para o malufismo, quercismo, janismo, alkminismo, dorismo e outros ismos? Quando passou a ser a encarnação do (chamado por eles, com maldade) lulopetismo, aí é banditismo, “organização criminosa” – e põem as polícias, paparazzi, x-9, penas de aluguel, cronistas chapa-branca e interceptadores de telefonemas atrás dele (policiais só, não: fugindo à histórica praxe inquisitorial, promotores e procuradores, auditores e juízes à cata dos quinze segundos de notoriedade). Não “deixa ele” virar ministro. Mas o impopular agregado de Amaral Neto e ex-governador fluminense mais rejeitado de todos os tempos, delatado como representante no esquema de propina da corja que tomou de assalto os destinos da população daquela que já foi maior democracia do planeta, sim, ele pode, pois tem “pedigree”, tem “um pé na corte” e, acima de tudo, tem folha corrida, digo, currículo: por tudo isso pode, e cinicamente ele ganha o tal status quando o pária do Lula está velando sua “Galega”, altiva e honrada como ele!

“Cada um colhe o que planta.” Sim, Gisa, foi Marisa que pediu para Lula priorizar a Lei Maria da Penha e implantar uma rede de proteção social para as mulheres, fossem elas vítimas de violência doméstica, sexual ou para seu empoderamento. Políticas afirmativas de igualdade de gênero, social e racial, idem. E Lula plantou programas de inclusão social – dados da ONU confirmam que no país não há mais pessoas abaixo da linha da pobreza, o que os donos da mí(r)dia ideológica não divulgam –, políticas de geração de trabalho e renda e elevação do poder aquisitivo de amplas camadas sociais, criou programas habitacionais que não só deram casa como dignidade, sobretudo à mulher chefe de família, como imagino, Gisa, você deva ser. Se você fez algum curso universitário (graduação e/ou pós-graduação) deve saber que ele e Dilma são os pioneiros, em quase duzentos anos de existência do Brasil, na expansão de cursos e vagas em universidades e institutos tecnológicos espalhados por todo o território nacional com diversos tipos de bolsas (de iniciação científica, de permanência, de assistência, de desenvolvimento científico, de iniciação à docência etc). Isso além do mais ousado programa de infraestrutura já empreendido no país desde os tempos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek: os dois PACs incluem transposição do Rio São Francisco, despoluição de vários rios contaminados, expansão de redes de captação de água e de criação (sim, criação) de sistemas de esgotamento sanitário e de destinação de resíduos sólidos, construção de ferrovias e rodovias etc.

Sim, Gisa, nisso eu concordo com você: “Não podemos defender quem fez mal para o Brasil.” Esse não é o Lula. Quem parou o Brasil desde antes das eleições de 2014 foram os golpistas, que já previam tomar de quatro – serei explícito: 2002, 2006, 2010 e 2014 – e, raivosos por não terem competência para ganhar uma eleição no voto, partiram para o “quanto pior melhor”. Não sei se você e sua família têm meios de se sustentar fora do mercado de trabalho. Mas quem, como eu e a maioria da população deste país continental, depende de seu trabalho sabe que quando a crise desaba não há quem se salve. Até o especulador, o agiota e o usureiro levam a pior, pois é maior o número de inadimplentes. Mas para Serra, Aécio, Cunha, Aloysio e Roberto Freire (esse comunista arrependido que hoje é “sinistro” da Cultura, que por décadas apoiei sem saber que era um traidor), elevar o nível de renda, assegurar os programas sociais, reaquecer a economia para promover a distribuição de renda possível, ainda que na lógica capitalista, não é prioridade. A prioridade para eles é o tal “superávit primário”, eufemismo (nome bonito) da cobiça de banqueiros, dos ávidos especuladores internacionais que se apossaram do Banco Central, que não é mais do Brasil. Como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, Correios e até a Eletrobrás serão entregues para o capital especulador internacional (do mesmo jeito que FHC deu, a preço de banana, a Vale, Telebrás, Embratel, todas as teles estaduais e centrais elétricas, deixando-nos com os mais caros serviços e os piores deles). O (des)governo que eles instalaram depois do golpe (por isso golpistas) é a prova disso: há limite para tudo, menos para os juros (nome bonito de especulação), os mais altos do mundo pra cima de nós, cidadãos anônimos.

Ah, sim, Gisa: o mal do Lula foi a roubalheira, a rapinagem que está instituída no Brasil... Sinto ter que desapontá-la, porque as delações começam a revelar o que os golpistas temiam (e está provado na fala do ex-ministro golpista e hoje líder de Temer no Senado Romero Jucá com o ex-senador tucano e ex-dirigente da Petrobras Sérgio Machado, amplamente divulgada depois do impeachment): o propinoduto (ou esquema da propina) da Petrobrás e de outras estatais são anteriores à posse de Lula, em 2003. Há delações que dão conta de detalhes que, não sei por quê, os “jornalistas” que comandam a Central Gloebbels se recusam a tornar públicas. Bom, dizem que, também, havia uma “bolsa-mí(r)dia”, desde os tempos da (mal)dita cuja que a Dilma resolveu cortar, e que por isso ela perdeu o “apoio” que nunca, em verdade, teve. Por quê? Porque, por exemplo, na Bahia, a família Marinho é sócia da família ACM.

Mal que lhe pergunte: estudou (ou gosta de estudar) História? Sabia que os primeiros colonizadores degredados de Portugal eram, em sua grande maioria, criminosos, enviados para cá mais para cumprir condenação que como oportunidade para se reinserir à sociedade lusitana? Sabia que os colonizadores, como demonstração de gratidão pela receptiva acolhida pelos povos originários, exploraram, caçaram, expulsaram, mataram e corromperam os povos originários? Sabia que a Inglaterra virou potência naval graças ao comércio de escravos capturados na África e vendidos nas colônias da América? Sabia que o capital (e o próprio capitalismo) se desenvolveu por meio de saques de piratas e corsários, do uso e abuso da mão de obra escrava dos povos africanos e povos originários da América? Sabia que, graças Marx e Engels (e não à “dupla sertaneja” do procurador pouco letrado das terras bandeirantes), dois estudiosos bastante dedicados no século XIX, foi possível demonstrar que o salário pago a um(a) operário(a), por maior que seja, não remunera totalmente sua força de trabalho gasta para seu patrão, e que é possível mudar o modo de produção quando a classe trabalhadora tem consciência de sua vontade política? Mas, em resumo, Gina, os empreiteiros e banqueiros sempre mantiveram vários esquemas de propina, tanto assim, que quando tentaram derrubar Getúlio a UDN usou esse expediente, tal como foi usado na tentativa de deposição de Juscelino e no golpe contra João Goulart. E durante os 21 anos do regime de 1964 houve, apesar da violenta censura, vários casos de corrupção denunciados, como o Banco Halles de Investimento, da Caderneta de Poupança Delfin, Caso Coroa Brastel, Projeto Jari, Caso Ponte Rio-Niteroi, Caso Angra I, Caso BNH, Caso Transamazônica, Caso Codrasa, Caso Transpantaneira, Caso Lutfalla, Caso Caixa Econômica Federal, Caso Capemi, Caso Finor, Caso Light, Caso BrasCan, Caso Paulipetro, Caso Baumgarten, entre muitos outros.

Perseguiram Lula sem provas – apenas por (sic) “convicção” de um imaturo concurseiro galgado a um cargo maior que sua rasa mentalidade, e por representar as ideias de uma dupla (sertaneja?) “Marx & Hegel”, segundo um medíocre, ignorante e sobretudo pedante procurador de justiça de São Paulo –, aquele discípulo de Pilatos deixou vazar conversa telefônica entre Lula e Dilma sem observar o que estabelece a legislação, como se estivesse acima da lei. Alguém de direito o advertiu, repreendeu ou, ao menos, determinou que pedisse desculpas à Presidenta Dilma e ao então Ministro Lula? Não. Isso o fez repetir o abuso, quando já havia sido diagnosticada a morte cerebral. Tudo isso, é claro, contribuiu para o agravamento da saúde de Dona Marisa Letícia, que abandonou as caminhadas para não ter que ouvir desaforos e ofensas. Se eu estivesse no lugar dele, não tenha dúvida, teria processado, um por um, todo(a)s o(a)s que contribuíram de alguma forma para que se chegasse a esse desfecho trágico. Mas esse sou eu. A grandeza de Lula não permite rancor e retaliação. Ele cresce na dor, ele se fortalece na adversidade. Não por acaso (a menos que os covardes golpistas o impeçam por todas as vias), ele irá subir a rampa do Palácio do Planalto, em 1º de janeiro de 2019, e nos braços do povo brasileiro, de quem é fiel representante. Então, a sua estrela Galega irá iluminá-lo, com a mesma discrição de sempre, no mandato presidencial em que se repararão os danos causados pela quadrilha que quer dilapidar o patrimônio do Brasil para entregar aos especuladores internacionais. Amém!

Ahmad Schabib Hany

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