“DEUS LHE PAGUE...” (Chico Buarque, “Construção”)
PARA GISA, GABRIELA, RICHAM, MICHAEL E SÉRGIO
Dias atrás, quando
escrevi “Perdão, Doutor(a), por existir”, perplexo com a leviana desumanidade
de médico(a)s e membros do Judiciário que mais parecem discípulos de Pôncio
Pilatos – aquele nefasto governador do Império Romano na Palestina que julgou
Jesus Cristo e entrou para a história pelo ignóbil gesto de se lavar as mãos
depois da condenação de alguém que incomodava os poderosos mas não havia
cometido crime tipificado pelo código romano – diante da angústia e da dor da
família de Dona Marisa Letícia num leito de hospital, jamais poderia imaginar
que uma (suponho, pois não conheço) mãe e avó pudesse, igualmente, incorrer em
atos tão maledicentes e condenáveis como o dos já conhecidos algozes.
Não
importa o sobrenome, vou chamá-la apenas de Gisa. Deve ter mais de 50 anos.
Trata-se de uma pessoa medianamente informada e com um nível de escolaridade
acima da média. Eis a íntegra de seu comentário, leviano e inoportuno, em postagem
sobre o desabafo do Presidente Lula ao final do velório de sua Esposa numa das
redes sociais: “É ridículo o que Lula fez no velório da esposa. Cada um colhe o
que planta. Não podemos defender quem fez mal ao Brasil. E a lava jato não é
culpada da morte dela, que já teve aneurisma. Quem sofre nos hospitais é que
sofrem. Quem tem plano de saúde não se preocupa com os outros que morrem a cada
minuto. Primeiro porque não tem força política pra resolver essa situação. E os
políticos corruptos não estão nem aí.”
Quanta
desumanidade junta! Quem pretenderá ser? Mas, vamos por partes. Pergunto-me,
ela e sua família não são tão mortais como todos nós? Ainda que houvesse alguma
etiqueta, protocolo a ser observado em velórios (supondo que por se tratar de ex-presidente
da República), ele não pode ter o comezinho direito ao desabafo na hora em que “vai
ser fechado o caixão”? Enquanto aquela pessoa que traz um nome feminino (mas
tem todo o ranço do machismo inoculado nas entranhas de uma sociedade hipócrita
e bizarra) se atribui o direito de agredir – e não apenas usufruir do direito
de manifestar sua opinião, pelo qual, aliás, minha geração, entre outras, lutou
para que ela o dispusesse –, um homem da dimensão de Lula, tomado pela dor e no
fatídico instante da separação eterna, não pode ter direito de dizer o que não
só pensa, como há evidências do que ele (e os melhores jornalistas e analistas
políticos também) declarou.
É “ridículo”,
Gisa, porque partiu da boca de um retirante nordestino que ousou não obedecer à
sina da maioria de seus conterrâneos e acabar confinado à Zona Leste de São
Paulo, no máximo, servindo de massa de manobra para o malufismo, quercismo,
janismo, alkminismo, dorismo e outros ismos? Quando passou a ser a encarnação
do (chamado por eles, com maldade) lulopetismo,
aí é banditismo, “organização criminosa” – e põem as polícias, paparazzi, x-9,
penas de aluguel, cronistas chapa-branca e interceptadores de telefonemas atrás
dele (policiais só, não: fugindo à histórica praxe inquisitorial, promotores e
procuradores, auditores e juízes à cata dos quinze segundos de notoriedade).
Não “deixa ele” virar ministro. Mas o impopular agregado de Amaral Neto e
ex-governador fluminense mais rejeitado de todos os tempos, delatado como
representante no esquema de propina da corja que tomou de assalto os destinos
da população daquela que já foi maior democracia do planeta, sim, ele pode,
pois tem “pedigree”, tem “um pé na corte” e, acima de tudo, tem folha corrida,
digo, currículo: por tudo isso pode, e cinicamente ele ganha o tal status quando
o pária do Lula está velando sua “Galega”, altiva e honrada como ele!
“Cada um colhe o
que planta.” Sim, Gisa, foi Marisa que pediu para Lula priorizar a Lei Maria da
Penha e implantar uma rede de proteção social para as mulheres, fossem elas
vítimas de violência doméstica, sexual ou para seu empoderamento. Políticas
afirmativas de igualdade de gênero, social e racial, idem. E Lula plantou
programas de inclusão social – dados da ONU confirmam que no país não há mais
pessoas abaixo da linha da pobreza, o que os donos da mí(r)dia ideológica não
divulgam –, políticas de geração de trabalho e renda e elevação do poder
aquisitivo de amplas camadas sociais, criou programas habitacionais que não só
deram casa como dignidade, sobretudo à mulher chefe de família, como imagino,
Gisa, você deva ser. Se você fez algum curso universitário (graduação e/ou pós-graduação)
deve saber que ele e Dilma são os pioneiros, em quase duzentos anos de
existência do Brasil, na expansão de cursos e vagas em universidades e
institutos tecnológicos espalhados por todo o território nacional com diversos
tipos de bolsas (de iniciação científica, de permanência, de assistência, de
desenvolvimento científico, de iniciação à docência etc). Isso além do mais
ousado programa de infraestrutura já empreendido no país desde os tempos de
Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek: os dois PACs incluem transposição do Rio
São Francisco, despoluição de vários rios contaminados, expansão de redes de
captação de água e de criação (sim, criação) de sistemas de esgotamento
sanitário e de destinação de resíduos sólidos, construção de ferrovias e
rodovias etc.
Sim, Gisa, nisso
eu concordo com você: “Não podemos defender quem fez mal para o Brasil.” Esse
não é o Lula. Quem parou o Brasil desde antes das eleições de 2014 foram os
golpistas, que já previam tomar de quatro – serei explícito: 2002, 2006, 2010 e
2014 – e, raivosos por não terem competência para ganhar uma eleição no voto,
partiram para o “quanto pior melhor”. Não sei se você e sua família têm meios
de se sustentar fora do mercado de trabalho. Mas quem, como eu e a maioria da
população deste país continental, depende de seu trabalho sabe que quando a
crise desaba não há quem se salve. Até o especulador, o agiota e o usureiro
levam a pior, pois é maior o número de inadimplentes. Mas para Serra, Aécio,
Cunha, Aloysio e Roberto Freire (esse comunista arrependido que hoje é “sinistro”
da Cultura, que por décadas apoiei sem saber que era um traidor), elevar o
nível de renda, assegurar os programas sociais, reaquecer a economia para
promover a distribuição de renda possível, ainda que na lógica capitalista, não
é prioridade. A prioridade para eles é o tal “superávit primário”, eufemismo
(nome bonito) da cobiça de banqueiros, dos ávidos especuladores internacionais
que se apossaram do Banco Central, que não é mais do Brasil. Como a Petrobras, Banco
do Brasil, Caixa, Correios e até a Eletrobrás serão entregues para o capital
especulador internacional (do mesmo jeito que FHC deu, a preço de banana, a
Vale, Telebrás, Embratel, todas as teles estaduais e centrais elétricas,
deixando-nos com os mais caros serviços e os piores deles). O (des)governo que
eles instalaram depois do golpe (por isso golpistas) é a prova disso: há limite
para tudo, menos para os juros (nome bonito de especulação), os mais altos do
mundo pra cima de nós, cidadãos anônimos.
Ah, sim, Gisa: o
mal do Lula foi a roubalheira, a rapinagem que está instituída no Brasil... Sinto
ter que desapontá-la, porque as delações começam a revelar o que os golpistas
temiam (e está provado na fala do ex-ministro golpista e hoje líder de Temer no
Senado Romero Jucá com o ex-senador tucano e ex-dirigente da Petrobras Sérgio
Machado, amplamente divulgada depois do impeachment): o propinoduto (ou esquema
da propina) da Petrobrás e de outras estatais são anteriores à posse de Lula,
em 2003. Há delações que dão conta de detalhes que, não sei por quê, os “jornalistas”
que comandam a Central Gloebbels se recusam a tornar públicas. Bom, dizem que,
também, havia uma “bolsa-mí(r)dia”, desde os tempos da (mal)dita cuja que a
Dilma resolveu cortar, e que por isso ela perdeu o “apoio” que nunca, em
verdade, teve. Por quê? Porque, por exemplo, na Bahia, a família Marinho é
sócia da família ACM.
Mal que lhe
pergunte: estudou (ou gosta de estudar) História? Sabia que os primeiros
colonizadores degredados de Portugal eram, em sua grande maioria, criminosos,
enviados para cá mais para cumprir condenação que como oportunidade para se
reinserir à sociedade lusitana? Sabia que os colonizadores, como demonstração
de gratidão pela receptiva acolhida pelos povos originários, exploraram, caçaram,
expulsaram, mataram e corromperam os povos originários? Sabia que a Inglaterra
virou potência naval graças ao comércio de escravos capturados na África e
vendidos nas colônias da América? Sabia que o capital (e o próprio capitalismo)
se desenvolveu por meio de saques de piratas e corsários, do uso e abuso da mão
de obra escrava dos povos africanos e povos originários da América? Sabia que,
graças Marx e Engels (e não à “dupla sertaneja” do procurador pouco letrado das
terras bandeirantes), dois estudiosos bastante dedicados no século XIX, foi
possível demonstrar que o salário pago a um(a) operário(a), por maior que seja,
não remunera totalmente sua força de trabalho gasta para seu patrão, e que é
possível mudar o modo de produção quando a classe trabalhadora tem consciência
de sua vontade política? Mas, em resumo, Gina, os empreiteiros e banqueiros
sempre mantiveram vários esquemas de propina, tanto assim, que quando tentaram
derrubar Getúlio a UDN usou esse expediente, tal como foi usado na tentativa de
deposição de Juscelino e no golpe contra João Goulart. E durante os 21 anos do
regime de 1964 houve, apesar da violenta censura, vários casos de corrupção
denunciados, como o Banco Halles de Investimento, da Caderneta de Poupança
Delfin, Caso Coroa Brastel, Projeto Jari, Caso Ponte Rio-Niteroi, Caso Angra I,
Caso BNH, Caso Transamazônica, Caso Codrasa, Caso Transpantaneira, Caso
Lutfalla, Caso Caixa Econômica Federal, Caso Capemi, Caso Finor, Caso Light,
Caso BrasCan, Caso Paulipetro, Caso Baumgarten, entre muitos outros.
Perseguiram Lula
sem provas – apenas por (sic) “convicção”
de um imaturo concurseiro galgado a um cargo maior que sua rasa mentalidade, e
por representar as ideias de uma dupla (sertaneja?) “Marx & Hegel”, segundo
um medíocre, ignorante e sobretudo pedante procurador de justiça de São Paulo –,
aquele discípulo de Pilatos deixou vazar conversa telefônica entre Lula e Dilma
sem observar o que estabelece a legislação, como se estivesse acima da lei.
Alguém de direito o advertiu, repreendeu ou, ao menos, determinou que pedisse
desculpas à Presidenta Dilma e ao então Ministro Lula? Não. Isso o fez repetir
o abuso, quando já havia sido diagnosticada a morte cerebral. Tudo isso, é
claro, contribuiu para o agravamento da saúde de Dona Marisa Letícia, que
abandonou as caminhadas para não ter que ouvir desaforos e ofensas. Se eu
estivesse no lugar dele, não tenha dúvida, teria processado, um por um,
todo(a)s o(a)s que contribuíram de alguma forma para que se chegasse a esse
desfecho trágico. Mas esse sou eu. A grandeza de Lula não permite rancor e
retaliação. Ele cresce na dor, ele se fortalece na adversidade. Não por acaso
(a menos que os covardes golpistas o impeçam por todas as vias), ele irá subir
a rampa do Palácio do Planalto, em 1º de janeiro de 2019, e nos braços do povo
brasileiro, de quem é fiel representante. Então, a sua estrela Galega irá
iluminá-lo, com a mesma discrição de sempre, no mandato presidencial em que se
repararão os danos causados pela quadrilha que quer dilapidar o patrimônio do
Brasil para entregar aos especuladores internacionais. Amém!
Ahmad Schabib Hany