MANOEL DE
BARROS, O GARIMPADOR DE SIGNIFICADOS
“Minhocas arejam a terra; poetas,
a linguagem.”
(Manoel de Barros, “Livro de Pré-Coisas”)
Manoel de Barros, o garimpador de significados, tratou da alma
pantaneira como sua razão de ser, muito mais que mera matéria-prima.
Essa alma pantaneira, igual a ele mesmo, é discreta em seu
comportamento; generosa em suas atitudes, e cativante em seu proceder.
Cosmopolita e à frente de seu tempo, o Poeta praticamente cresceu com o
século XX, em sua mais ampla acepção. Viveu a dinâmica Cuiabá, a apoteótica
Corumbá cosmopolita e a vanguardista Capital Federal (Rio de Janeiro).
Viajou por diversos países, enveredou por “ideologia exótica” (o
socialismo), mas só encontrou sua identidade quando se voltou infinitamente
para o universo pantaneiro.
Por isso, cosmopolita e “enraizado” – dialética e coerentemente.
Um dos mais originais poetas da língua portuguesa, tratava das palavras
– ou, melhor, de seus significados – com a mesma dignidade que um peão
pantaneiro ou um operário urbano encara sua lida: com humildade e disciplina –
mas sem perder a irreverente inocência jamais!
Na verdade, essa inocência era, mesmo, pura sabedoria. Porque era –
aliás, é e será – impressionantemente desconcertante: mais que pela
originalidade do trato com as palavras, pela profundidade de seus significados,
de sua cosmovisão.
Inesgotável na linguagem, genial na descrição e no trato das palavras e
profundo na reflexão, Manoel de Barros é único, como o Pantanal.
Eis que, por sua grandeza, dispensou o narcisismo que toma conta desta
sociedade “globalizada”, a do cacoete do “selfie” ou do “consuma-e-descarte”.
Feito antídoto natural, a obra do Poeta nos resgata da futilidade e tantas
outras taras recorrentes desta rasa, amorfa, despersonalizada e nada original
“pós-modernidade”.
E o caráter universal de sua obra se sustenta pelo movimento vivo –
pela vida – de sua criação, que interage com o leitor, pela eternidade afora.
Atrevo-me, por isso, a cometer uma leviandade imperdoável – reconheço –
ao compará-lo a um igualmente genial (mas pouco conhecido) pensador grego de
dois milênios e meio atrás: o grande Heráclito de Éfeso, acintosamente apequena
por seus contemporâneos pela originalidade de sua obra, mordacidade de sua
visão, mas sobretudo pela complexidade de seu pensamento.
Heráclito, igualmente twiteriano
em sua linguagem, foi tardiamente reconhecido no Ocidente como Pai da
dialética, sobretudo pelo filósofo alemão Friedrich Hegel.
Justifico minha leviandade por conta do movimento permanente com que
suas obras ganham a eternidade. Cada qual ao seu tempo e ao seu modo, permitem uma
inesgotável leitura viva (ou, se quiserem, interpretação viva), em constante
movimento – por isso, dialética, interativa, transformadora.
Senão, o que pode ser mais dialético que “Penso que os homens deste
lugar são a continuação destas águas.” (Manoel de Barros, “Águas”)?!
Dito isso, agradeço infinitamente ao meu querido Amigo, um Irmão que a
Vida me presenteou, o brilhante Jornalista Luiz Taques (autor, entre outros, de
“Vaso de colher chuvas”, com contos-reportagem com Manoel de Barros), que por
pura generosidade, primeiro em 2004, me desafiou a traduzir para o espanhol o
poema “Águas” – lançado na primeira edição do Festival América do Sul –, e
depois, em 2012, me permitiu conhecer pessoalmente, em seu lar, o eterno e
terno Poeta e sua querida Companheira, Dona Estela, e partilhar com eles
eternos minutos (não sei quanto tempo estive, pois me encontrava sob o encanto
indescritível de uma pessoa doce e gentil, além de irreverente e sincera –
aliás, bem pantaneira).
Duas experiências que a generosidade infinita da Vida me propiciou, sem
que eu tivesse qualquer mérito, com sinceridade. No caso da tradução, só posso
dizer que me exigiu profundo respeito, cuidado e, obviamente, uma deliciosa e
irresponsável imersão ao universo manuelino, de modo a me impregnar, a me
amalgamar, como em um processo de reprodução celular que não sei descrever por
minha profunda ignorância sobre as ciências naturais.
E faço questão de registrar que, se essa tradução foi aprovada
(inclusive pelo Poeta), foi graças à generosidade de minha querida e leal Irmã
Wadia Hanny e dos hoje saudosos Amigos o brilhante Jornalista
argentino-boliviano Lorenzo Carri e o renomado escritor boliviano Néstor
Taboada Terán, que graças à internet deram seu elegante aval a este atrevido
tradutor de um poema só.
Para concluir, agradeço ao também querido Amigo e Irmão o Professor
Doutor Júlio Galharte (do CPAN-UFMS), desde pelo menos três décadas, que gentil
e generosamente me oportunizou participar da celebração do centenário de
nascimento de Manoel de Barros, uma verdadeira “epifania da natureza”, com a
devida licença do Poeta. Obrigado, querida Amiga Professora Mestra Marcelly
Saboya Ravanelli, gestora de Cultura do SESC; Professora Doutora Regina Baruki
Fonseca (CPAN-UFMS), e Professora Doutora Ângela Varella Brasil (CPAN-UFMS).
Ahmad Schabib
Hany
Sugestão de links
http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet323.htm
http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=20&secao=206&mat=240
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,manoel-de-barros-o-poeta-que-veio-do-chao,523717
https://www.publico.pt/2014/11/13/culturaipsilon/noticia/morreu-o-poeta-brasileiro-manoel-de-barros-1676117
https://www.youtube.com/watch?v=QZLC8wNVtfs
http://fazmuitobem.com/vaso-de-colher-chuvas/
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