Resenha de livro de grande valor: Pedro, de Luiz Taques
ALMAS INQUIETAS
* Por Mário Márcio da Rocha Cabreira
(rcabreira.mariomariocio@gmail.com)
TAQUES, Luiz. Pedro. Londrina: Kan, 2013, 80 p.
Luiz Taques nasceu em Corumbá (MS), em 1958. É jornalista e
escritor. Atuou em vários jornais do país, recebendo, em 1991, o prêmio
Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com reportagem sobre
escravidão em carvoarias. É autor de dois volumes de contos O casamento
vai acabar com o poeta (Casa Amarela, 2002), Madá (Letradágua, 2011), e
do infantojuvenil A história de Zé Vida de Barraca (edição do autor,
1997). Mora em Londrina (PR).
***
A obra em destaque evidencia o diálogo entre irmãos, e
PEDRO é um deles. Às vezes, a narrativa se confunde com um monólogo. A
história se passa em Buraco Quente, que tem um rio de águas profundas,
onde a natureza é degradada, as pessoas vivem relações marcantes,
dramáticas e chocantes. Prostituição, adultério, golpes comerciais e
políticos, dor e sofrimento, amor e desamor. A sordidez de sentimentos
escondidos, mágoas intermináveis, mesmo no seio familiar, a visão aguda e
sincera sobre as fraquezas físicas e de caráter moral, nada escapa da
lâmina afiada do narrador, que não poupa pessoas, instituições, amigos
ou inimigos que atravessaram sua jornada em Buraco Quente.
Por não se tratar de uma narrativa linear, mas ousada,
sobretudo, em termos de pontuação, exige do leitor mais atenção para que
se possa captar a essência da história. Os capítulos não têm títulos, e
as reminiscências se confundem com fatos presentes. Não segue o rigor dos rigores
acadêmicos, e isso, talvez, desagrade aos mais ortodoxos. A linguagem
escatológica e provocativa pode chocar aos mais sensíveis. Então,
cuidado! A família e os eventos retratados são, ao mesmo tempo, locais e
universais. Nesse mister, o autor conseguiu, com maestria, tirar da
obra o caráter autobiográfico que, pura e simplesmente, poder-se-ia lhe
atribuir. As aventuras e os dramas apresentados são tão convincentes,
que realidade e ficção se confundem na obra. Mas, como sempre “qualquer
semelhança é mera coincidência”.
Trata-se de um romance psicológico, com dramas intensos,
pessoais e familiares, dos seus atores centrais. Reminiscências da
infância e da relação com os amigos, irmãos e pais. São detalhes
cômicos, obscuros, sórdidos, inconfessáveis, que ficaram escondidos em
cartas e bilhetes guardados em antigos armários, ou que, por
conveniência, ficaram retidos apenas na memória do seu narrador.
Entretanto, por alguma motivação, resolvem revelar-se.
Remexer no passado pode ser motivo de dor ou alegria, mas é
certo que incomoda a muita gente. À medida que as tramas familiares se
reavivam, emerge, também, uma angústia com a degradação da flora e da
fauna, antes, ricas e abundantes, mas, agora, violentadas e destruídas.
Parecem ser mais uma vítima da sociedade decadente e corrompida, como a
de Buraco Quente. Fruto da inocência ou mesmo da riqueza e da
diversidade, a beleza da natureza compensava as injustiças e o
sofrimento vividos pelas personagens na infância e na adolescência,
quando gozavam de mais saúde, liberdade e, por que não, mais felicidade.
Talvez, o espaço geográfico e as pessoas de Buraco Quente sempre tenham
sido os mesmos e se desenvolvido ou regredido muito pouco. Tudo depende
da memória de cada um. O nome da localidade é uma prova disso. O que
muda é a visão das personagens; já em sua fase adulta, passam a agir com
mais consciência preservacionista e a contar com um olhar mais crítico
sobre as relações intrafamiliares, começam a compreender melhor o jogo
de poder entre os diversos segmentos que compõem a sociedade do lugar.
O livro tem uma linguagem simples, mas não falta clareza
de pensamento. O autor consegue nos envolver e cativar com os dramas
pessoais e profissionais das personagens. São dramas universais de
muitas famílias e, assim, rompe-se com o caráter de pessoalidade que se
poderia ter em uma narrativa autobiográfica. Ainda, no plano
político-social, os personagens, às vezes, com traços regionais,
revestem-se de características universais, pois o jogo de poder que é
revelado em Buraco Quente encontra-se em pequenas localidades, mas,
também, em metrópoles. Só o que se sabe é que Buraco Quente tem um rio
de águas profundas, onde a natureza é degradada, as pessoas vivem
relações intensas, marcantes, angustiantes e chocantes. O livro permeia
por temas como prostituição, adultério, golpes comerciais e políticos,
dor e sofrimento, amor e desamor, tendo sempre a natureza como moldura. A
degradação da natureza e a degradação moral permeiam toda a história.
Quem mora, já morou, ou só está de passagem em um lugar
assim, não tem como não se envolver com a vida intensa nas barrancas do
rio e a energia que emana dos personagens e de suas histórias de vida.
Há quem possa se ofender com o tom realista e a linguagem escatológica
do autor. Mas, é preciso separar ficção de realidade, realismo e Arte,
Literatura de Jornalismo, embora os dramas e as dores humanas estejam
presentes em todos eles, e, deles, não há como se esquivar. Confesso que
ao ler o livro pela primeira vez, choquei-me com a força dos
personagens e da linguagem empregada por Luiz Taques, em “Pedro”.
Como todo acadêmico, preso ao rigor da forma, dei a ela
mais importância do que ao conteúdo. Mas, por fim, tive que me render ao
fascínio provocado pelas intensas histórias humanas, tão bem
construídas por seu autor. Uma varredura nas profundezas do espírito
humano. Não recomendado para os mais sensíveis aos dramas do homem e da
natureza. Mas, um livro de histórias intensas, de grande valor.
* Jornalista, professor de Língua Portuguesa e mestrando em Desenvolvimento Local –
Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
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