MOHAMED
SCHABIB HANY (25/01/1949 -- 21/09/1974)
Precisamente hoje, às 17h30m, o nosso eternamente
querido Irmão Mohamed ("Chíchi") faz 40 anos de sua lamentada
eternização, aos 25 anos de uma Vida generosa e de intensa atividade. Ele se
encantara no pôr-do-sol da véspera da primavera e em pleno aniversário de
fundação de Corumbá, em 1974. As nebulosas circunstâncias de sua morte, por
projétil detonado no olho esquerdo, jamais foram esclarecidas pela polícia da
época, mas um perito de uma empresa multinacional de seguros que estivera por
coincidência algumas semanas depois afirmara categoricamente que não se tratara
de suicídio, como me haviam induzido a declarar, como única testemunha (sem ter
sido), aos 15 anos de idade!
Eram tempos duros, difíceis, draconianos. Embora
adolescente, pude acompanhar os últimos meses deste que mais que Irmão foi um
verdadeiro Mestre. Generoso, solidário, corajoso, autêntico, determinado,
verdadeiro, Amigo, Companheiro e Camarada. Cento e noventa dias antes, na
madrugada de aniversário de nossa agora também saudosa Mãe, Wadia Schabib Hany
("Yoya"), em 11 de março (de 1974), pistoleiros que se passavam por
policiais -- ou policiais que se passavam por pistoleiros -- tentaram alvejá-lo
enquanto dormia numa tórrida noite de verão do lado de fora de casa, sob
pretexto de estarem à procura de um meliante que estava a atirar pedras a um
bar noturno de nossa vizinhança.
De igual coragem e caráter, nosso também saudoso
Pai, Mahoma Hossen Schabib, repelira de imediato os pistoleiros, com cinco
tiros de sua arma legalmente registrada e em exercício de legítima defesa. Só
então, de pistoleiros à sorrelfa, à tocaia, se transformaram em policiais, num
tempo em que os "homens da lei" tinham permissão para matar, como o
querido Amigo Jornalista Edson Morais denunciara três anos depois em seu
memorável diário "O Tempo" (o que o levou a fechar o jornal e se
mudar para Campo Grande). Tentaram dar-lhe voz de prisão, mas tanto meu Pai
quanto meu Irmão, indignados, resistiram, com o apoio de toda a Família, àquele
ato de arbitrariedade, denunciado depois junto às mais altas autoridades de
então. Mas isso não livrou meu Irmão de tentativas de intimidação nas ruas,
quando ia ou vinha da faculdade, no mesmo local em que hoje se encontra o
Campus do Pantanal da UFMS, em Corumbá.
Mohamed ("Chíchi") estava perto de
concluir sua graduação em Psicologia no antigo Centro Pedagógico de Corumbá (à
época UEMT). Viera para Corumbá três anos antes (1971), depois de que o
fascínora-mor Hugo Banzer Suárez fechara as universidades bolivianas por mais
de quatro anos, além de prender, torturar, assassinar e fazer desaparecer mais
de dez mil líderes estudantis, sindicais, camponeses e políticos de esquerda em
toda a Bolívia, cumprindo as ordens da CIA, FBI e demais amos do Hemisfério
Norte.
Nosso irmão mais velho, "Chíchi" tinha
sido dirigente estudantil desde meados da conturbada década de 1960 na Bolívia,
terra que protagonizara em 1952 uma insurreição popular que promoveu as maiores
reformas de base até ser cooptada pela pequena burguesia financiada pelo
Colégio Interamericano de Washington, em fins da década de 1950 e receber o
tiro de misericórdia pelas mãos de um traidor chamado René Barrientos Ortuño,
eleito vice-presidente do caudilho Víctor Paz Estenssoro, e que em novembro de
1964 não hesitara em golpeá-lo e a partir de então inaugurar um ciclo de
ditaduras militares até 1982, quando Hernán Siles Zuazo, da Unidade Democrática
e Popular, reinicia pela vontade soberana da politizada população boliviana a
normalidade constitucional na Bolívia.
Como que soubesse que não tinha segura a sua Vida,
conversava muito conosco, alertando-nos sobre muitas situações aparentemente
"normais", mas de modo didático e discreto. Lia muito, e por meio da
leitura ensinava-nos a ver o mundo de outro modo, e a ver a América Latina diferentemente
daquela estampada na imprensa sabuja de todos os tempos. Aguçou-nos o espírito
crítico, a irreverência e sobretudo a solidariedade incondicional com as
camadas exploradas em todos os quadrantes do planeta.
Seu legado iluminado e nada doutrinador, de
livre-pensador, tal qual meu Pai, e assumidamente socialista amalgamou nossas
convicções libertárias e transformadoras num mundo que hoje se encontra numa
encruzilhada: ou segue o fundamentalismo medieval de diversas denominações
religiosas (como que vivêssemos numa maldita Cruzada extemporânea) ou consolida
uma nova ordem internacional (e não mundial), com base na distribuição da
renda, na soberania e autodeterminação dos povos de todas as etnias
indistintamente e sobretudo na reafirmação do Estado laico, verdadeiramente
democrático e inspirado nos mais elevados legados da humanidade ao longo do
último milênio.
Em outras palavras, que a democracia
política, econômica, social e cultural deixe de ser palavra vã para a maioria
da humanidade! Esse ideal -- ou razão de ser -- de Mohamed Schabib Hany será
dignificado pelas novas gerações de livres pensadores, não por vaidade dos que
trazem seu sobrenome, mas por consciência dos que clamam novos tempos para a
humanidade!
"Que os sonhos que sempre nos acalentaram
renasçam em outros corações..." (Charles Chaplin)
Ahmad Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário