‘Maria,
Carnaval e Cinzas’
Composição de Luiz Carlos
Paraná, com a qual Roberto Carlos se classificou em 5º lugar no Festival de MPB
de 1967, foi o primeiro samba que o ídolo da Jovem Guarda interpretou em sua
carreira e que depois da eternização do compositor, em 1970,
não mais o cantou. Com este samba homenageio a Jornalista Vanessa Ricarte e as
inúmeras vítimas de feminicídio desta sociedade eivada de misoginia, homofobia
e hegemonismo genocida e opressor.
Este modesto texto é dedicado à memória da
Jornalista Vanessa Ricarte, a segunda vítima conhecida [porque não conhecemos o
índice de subnotificação] num estado em que o ódio e a intolerância campeiam
soltos em instituições cujos dirigentes, como cidadãos e servidores públicos,
devem observância ao que estabelece o arcabouço jurídico do Estado Democrático
de Direito, vigente desde 5 de outubro de 1988, com a Constituição Cidadã.
Quantas Marias não mais estão neste carnaval? Ainda
que fora da folia, quantas Marias não estão entre nós, no convívio com seus
familiares? Que direito sobre-humano têm os seus algozes para lhes tirar a
Vida? O ódio e a intolerância, que tornaram o ambiente coletivo nos últimos
anos irrespirável, têm alimentado essa nefasta conduta, esse nefasto conceito
de sociedade, em que só os narcisos se reconhecem. Aquela diversidade generosa
e digna da sociedade brasileira se perdeu. Aquela graça de vermos a variedade
de modos de Vida e de comportamentos se dissolveu, como antiácido em copo d’água.
Sabemos que há uma subnotificação, de taxas
desconhecidas, dos números oficiais sobre as vítimas de feminicídio e sobre as
sobreviventes. E também sobre órfãos e dependentes vitimados pelo trauma. Ainda
as instituições municipais e estaduais, que estão na ponta do Sistema de
Garantia de Direitos e da Rede Jurídico-Social de Proteção, construída com
tanto denodo por nossas gerações ao longo de décadas, desde antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988, não se articularam e efetivaram os
protocolos emanados há pelo menos quinze anos. [Corumbá e Ladário, na verdade,
também estão em débito com a cidadania, não por acaso nosso glorioso
FORUMCORLAD foi defenestrado precisamente quando os gestores municipais haviam
sido eleitos e reeleitos pelo partido de Lula. Ou creem termos ignorado o drama
da menina e dos familiares de Lívia, desaparecimento que expõe não apenas a
fragilidade da rede, mas a hipocrisia reinante em nossa sociedade?]
A História saberá cobrar a omissão de todo servidor,
de todo cidadão e de todo omisso que por qualquer razão não se empenhou ou não
cobrou o suficiente, em todos os casos em que o algoz -- ou a rede de algozes --
encontrou meios de executar sua mórbida ação ou saiu impune dela. Se prestarmos
atenção, os mesmos que hoje enxovalham o Estado Democrático de Direito com suas
patranhas e perversidades -- inclusive disseminando fake news criminosamente,
fazendo-se de inocentes -- são os que cinicamente participam, por ação ou
omissão, desse odioso e perigoso ambiente em que, sobretudo, são mulheres as
maiores vítimas (além de seus filhos, pais ou dependentes, igualmente atingidos
pela tragédia que só tende a crescer diante de nossos olhos indignados).
COMPOSIÇÃO DE 1967
O título deste modesto texto nos remete ao nome da
composição de Luiz Carlos Paraná, samba com riqueza metafórica singular, um
recurso semântico próprio da época para driblar a censura e seus sombrios agentes.
A versão mais conhecida foi a interpretação de Roberto Carlos, que a defendeu
no III Festival de Música Popular Brasileira da antiga TV Record, em 1967, no
qual se classificou em quinto lugar. Talvez o único, senão o primeiro, samba
interpretado pelo ‘rei’, que, além de não se posicionar contra a ditadura, era ídolo
ascendente da Jovem Guarda, um gênero filiado ao Iê-iê-iê dos Beatles, que em
muitos países era sinônimo de rebeldia, diferentemente do Brasil, sob censura.
Roberto Carlos, embora tivesse feito muito sucesso
com o samba -- há quem diga que ele tenha sido recordista de vendas em seu
tempo (isso deixarei para pesquisadores da MPB, como meu Amigo Juvenal Ávila de
Oliveira)
--, depois da eternização de seu compositor, Luiz Carlos Paraná, em 1970, o ídolo da Jovem Guarda não mais cantou essa bela canção. Muitos
dizem se tratar de denúncia da mortalidade infantil, pois durante a ditadura
era proibido explicitar essa tragédia social. Não me esqueço que em aula de
Estudos de Problemas Brasileiros (EPB),
na ex-FUCMT, ainda sob o regime de 1964, questionei o então vereador
campo-grandense Yvon do Egito Filho (líder da Arena), palestrante convidado pela saudosa Professora Thiê Yegushi
dos Santos, titular da disciplina, mas ele respondeu em tom de advertência que a
questão não podia ser debatida por estudantes, apesar do tema de sua palestra ser
“As conquistas sociais dos 15 anos da Revolução de 31 de Março”.
Se em 1979 isso ainda era tabu, imaginem em 1967,
quando o festival foi realizado, sob nítida tensão, em ambiente tomado pelas
mobilizações antiditatoriais. Só pelo título da canção de Luiz Carlos Paraná dá
para compreender que há um questionamento explícito em sua composição
metafórica e melancolia indisfarçável. Roberto Carlos prestou grande serviço à
resistência democrática quando defendeu a canção em festival de tamanha
relevância. Pode-se perceber, aliás, a mudança de atitude da plateia à medida
em que a canção era apresentada: os jovens que vaiavam o ídolo da Jovem Guarda,
entendendo a mensagem, pararam as vaias e ao final aplaudiram o cantor e o grupo
que o acompanha.
1968 foi o ano que, segundo o Jornalista Zuenir
Ventura, não acabou. Emblemático ano em que a juventude foi às ruas enfrentar fascistas
cínicos que tomaram de assalto o golpe civil-militar de 1964: primeiro matando
o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que rompeu com eles ao querer
devolver o poder aos civis, quando seu avião monomotor ‘colidiu’ com um jato da
esquadrilha da fumaça cujo piloto sobreviveu; a seguir, cassando civis que participaram
do golpe, entre eles Carlos Lacerda, o eloquente e bem articulado líder do
golpe; depois golpeando o segundo marechal, Arthur da Costa e Silva, que teria
sido ‘acometido de um AVC’, só que não, segundo denúncia de sua viúva, Yolanda
Costa e Silva, e ao morrer não assumiu o vice Pedro Aleixo, civil, mas a junta
militar que surge do nada e da qual sairia sagrado ‘presidente’ o facínora
Emílio Garrastazu Médici, o mais temido general do ciclo militar.
A EDUCAÇÃO LIBERTA
Diferentemente do que pregam os fanáticos
seguidores do fascismo e sionismo, em que a doutrinação é a ferramenta de sua
formação, somente a educação laica e sinceramente exercida sob os paradigmas
posteriores ao Iluminismo oriental e ocidental [cada qual em seu momento
histórico] é que será possível assegurar bases sólidas para uma formação
emancipadora das novas gerações. E para isso é urgente que, independentemente
das posições partidárias, filosóficas ou religiosas, nos irmanemos em projetos
consistentes por uma sociedade de valores sólidos e de respeito à diversidade,
seja étnica, cultural e, em especial, ambiental.
Eis por que precisamos gostar de ler, de artes e
culturas (assim, no plural) e,
sobretudo, de história. Quando vemos os atuais algozes da democracia por todos
os cantos do planeta surrupiando o direito da juventude e da infância de
conhecer sua história, suas culturas e suas artes -- além de incentivar a não
ler e a não pensar, obviamente -- devemos acender o sinal de alerta, pois o
processo civilizacional está em risco de ser destruído. Parece algo
dispensável, desnecessário, no entanto, a humanidade levou dezenas de milênios
para construí-lo. Sem esses valores, fundamentais para a sobrevivência da
humanidade, o que nos espera? A barbárie, o que para os fascistas, sionistas, fundamentalistas
e assemelhados é o sonho, a meta, por razões que só o desvario e a perversidade
humana justificam.
Aliás, é nesse contexto que projetos inovadores,
inclusivos e integradores como a proposta da futura Universidade Federal do
Pantanal, pela qual o Movimento UFPantanal tem sido incansável fomentador e
mobilizador, são oportunos e imprescindíveis. Além de alavancar um futuro
sustentável à nossa região, preterida há décadas das prioridades regionais e
nacionais, projetos transformadores focados na formação das novas gerações são
fatores seguros e perenes das sociedades conectadas à contemporaneidade e com
respostas para os desafios deste momento sombrio da história humana.
Ler, estudar e lutar pela Universidade Federal do
Pantanal (UFPantanal), pois, é
estar conectado à realidade. Mais que uma instituição necessária e com a cara
do bioma e das populações do Pantanal, trata-se de uma resposta à altura dos
desafios de toda a espécie humana, cujos maiores detratores são os
pseudolíderes inspirados em Hitler, Mussolini, Salazar, Franco et caterva. Por
quê? Porque a luz que dissipa as trevas é a mesma que permeia o horizonte
fecundo e transformador.
Basta recorrer à História e compreender em profundidade
este fato, este processo. Basta ler. Basta pensar. Basta estudar para se
libertar do atraso, das mentiras e, sobretudo, das trevas que por séculos
teimam por impor às imensas maiorias da humanidade. Porque mantê-las no
primarismo, na desqualificação profissional, na invisibilidade humana é a
fórmula do sucesso das potências ocidentais que hoje, para não sucumbir ante o
surgimento de novas potências tecnológicas, querem nos submeter a uma nova
colonização. Quem tiver alguma dúvida, basta entender em profundidade o
noticiário de qualquer mídia, seja corporativa ou independente. Só tome o
cuidado de não cair no conto de vigaristas fazedores de fakenews.
Ahmad
Schabib Hany
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