quinta-feira, 17 de novembro de 2022

DONA IZULINA E A RESISTÊNCIA DE UMA PEREGRINA

Dona Izulina e a resistência de uma peregrina

Nascida no mesmo dia do aniversário de Monteiro Lobato, Dona Izulina Gomes Xavier fez de sua existência uma incansável procura de luz e esperança, como Nordestina Pantaneira que celebrou a Vida, a despeito das adversidades e dos enormes desafios que soube superar com graça e meiguice.

Dona Izulina Gomes Xavier encerrou sua incansável jornada cosmopolita com a mesma sobriedade nordestino-pantaneira com que celebrou a Vida, sem mágoas, ressentimentos ou decepções. A esperança e a luz que a acompanharam em todas as suas inesgotáveis iniciativas -- literatura, artes plásticas, escultura, artesanato, turismo, promoção da fé, defesa ambiental e inclusão social -- a tornam referência nos campos da cidadania, cultura e meio ambiente, tudo isso no coração do Pantanal e da América do Sul.

Discreta e comedida, Dona Izulina se eternizou um dia depois da data comemorativa da Proclamação da República, de cujos valores foi expressão eloquente, como uma jovem nonagenária generosa e resistente a toda sorte de adversidades -- como a perda, na enxurrada de fevereiro de 1992, de seu Companheiro de Vida, Seu José Xavier, e do Neto querido, ainda criança e com largos horizontes em sua existência. Homem de confiança dos irmãos Chamma na implantação da Siderurgia Brasileira (SIDERBRÁS, mais tarde SOBRAMIL, Sociedade Brasileira de Mineração Ltda.), Seu Xavier trouxe Dona Izulina para as exuberantes terras pantaneiras.

Nascida no Piauí, a 18 de abril de 1925 (dia do natalício de Monteiro Lobato, pioneiro de diversas iniciativas, que, além de escritor de raro talento, foi fundador de duas editoras emblemáticas para a difusão da cultura e da soberania nacional, sobretudo na defesa do petróleo, com a campanha ‘O petróleo é nosso’, que deu origem à empresa brasileira de petróleo, Petrobrás, em 1950), Dona Izulina passou parte da juventude no estado de São Paulo, para onde se mudara com seus Pais, e nos anos 1940 veio com seu Companheiro de Vida para Corumbá.

Grata ao povo de Corumbá e entusiasta pela exuberância do Pantanal, a devota de São Francisco amava as pessoas humildes, para quem dedicou suas obras mais imponentes, como o Cristo Rei do Pantanal, que vela por Corumbá desde o Morro do Cruzeiro, e o São Francisco, que estava instalado originalmente na Praça Generoso Ponce (e para onde deveria retornar, como homenagem à sua memória). Não se cansava de dizer que eram as pessoas simples que gostavam dela: ciclistas, carroceiros e pedestres que, quando a viam na frente de sua residência, cumprimentavam-na com carinho e reverência.

Corumbá, que é pródiga no curioso esquecimento de fatos relevantes (e, sobretudo, de pessoas generosas e abnegadas), precisa conhecer a história completa da construção do Cristo Rei do Pantanal. Assim como no passado (década de 1970, antes da celebração do Bicentenário de Corumbá, em 1978) o renomado artista plástico catalão Antônio Burgos (Mestre Burgos) teve abortado seu projeto pioneiro do Cristo Redentor (praticamente já concluído, aos fundos de sua casa), por descumprimento da palavra empenhada pelos gestores de então, vinte anos depois o projeto de Dona Izulina só foi concretizado pela histórica iniciativa do Senhor Jorge José Katurchi, membro da coordenação do Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), que procurou o então governador José Orcírio Miranda dos Santos (o Zeca do PT) para patrocinar a construção do Cristo Rei, e assim coube ao Lions Clube de Corumbá, à época presidido pelo saudoso Carlos Alberto Machado, o repasse dos recursos financeiros, pois, por ser o Pacto Pela Cidadania espaço público não estatal, não dispunha de CNPJ, o que o impedia de receber quaisquer verbas públicas ou privadas.

Dona Izulina foi apoiadora e fundadora de outras ações e projetos que também entraram para a história, a começar pelo primeiro projeto de turismo receptivo de Corumbá, em meados da década de 1970. Graças ao seu prestígio junto a empresários locais, como o então fundador e dono do Santa Mônica Hotel (Moura Neto, o saudoso Seu Netinho), o também saudoso Gilson Dário Vianna, idealizador e gestor da ‘Pant-Tour Office -- Informações e Turismo’, responsável pelo pioneiro ‘La Barca Tour’, de 1978, conseguiu concretizá-lo, tanto que o escritório ficava num espaço do referido hotel, à época o mais caro da cidade, e tão prestigiado quanto o extinto Hotel Campo Grande, de Lúdio Coelho, situado na futura capital do novo estado, Mato Grosso do Sul.

Generosa, Dona Izulina, durante alguns anos, dedicou-se a iniciativas de inclusão social e defesa do meio ambiente, como ServCarmo e Seapan, duas entidades que entraram para a história por serem pioneiras na região. Quem se esquecerá da atuação da Sociedade Ecológica Amigos do Pantanal com sua memorável comitiva à Rio-92, quando o Pantanal começou a despertar para a preservação, depois das memoráveis atuações populares na luta pela instalação de filtros na fábrica de cimento local e da proibição da instalação de usinas de álcool no Pantanal, no início dos anos 1980? Da mesma forma, o ServCarmo, emblemática entidade que durante décadas contribuiu sobremaneira para a proteção social de crianças e adolescentes no bairro Aeroporto, depois sucedida pelo projeto das Irmãs Salesianas do CENIC, o Geniquinho, desativado pelo fechamento do tradicional Colégio das Irmãs (que faria 100 anos no mesmo ano de Dona Izulina, em 2025).

Antologias e livros autorais de contos, poesias e memórias; telas, esculturas e artesanato com traços singulares; mecenato espontâneo e discreto de diversos artistas e entidades populares (como o Grupo Argos de Teatro, do Amigo-Irmão Aníbal Carlos Monzón, e a Associação de Poetas e Escritores de Corumbá, APEC, fundada pelos Amigos-Irmãos Seu Balbino G. de Oliveira e Wolmar Walter Rien); criação de espaços culturais e artísticos para a difusão das artes no coração do Pantanal, como o Art-Izu e a galeria de artes no interior de sua residência.

Com a mesma generosidade com que abrigou diversos projetos (inclusive de pessoas que conhecia pouco, mas nem por isso deixara de apoiar de alguma forma), Dona Izulina foi em Vida e permanecerá para sempre como a versão feminina e laica do Padre Ernesto Sassida, tão cosmopolita quanto ele, ambos chegados de muito longe e apaixonados pelo povo pantaneiro, para o qual dedicou toda a sua existência terrena. Republicana por natureza, era cosmopolita, plural e democrática: nunca discriminou alguém por origem, nacionalidade, religião, raça, gênero, opinião política ou ideologia.

A toda a Família Gomes Xavier, em especial ao Amigo Antônio Carlos, à Amiga Lauzie e ao Doutor Cristiano, nossos profundos sentimentos, e o reconhecimento de um legado rico e benfazejo tão vivo quanto pródigo quanto a querida, terna e eterna Mãe e Avó que, como Matriarca, têm como fonte inspiradora e honrosa, sobretudo, neste momento em que o Brasil se encontra com a História e os valores civilizatórios.

Até sempre, Dona Izulina, mais que devota de São Francisco, a própria apóstola de São Francisco! Obrigado pelos inúmeros exemplos de generosidade, humildade e lealdade, também replicados em seus descendentes, como o(a)s querido(a)s Antônio Carlos, Lauzie e Dr. Cristiano, com quem pude reconhecer a vocação de servir ao próximo, inata na agora saudosa peregrina de luz e esperança.

Ahmad Schabib Hany

sábado, 12 de novembro de 2022

Jorge Ben e Gal Costa - Que pena


Gravação privativa de Jorge Ben Jor, de mais de 35 anos atrás. Uma verdadeira relíquia. Saudades, Gal!!!

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

GAL E BOLDRIN SE ETERNIZAM

Gal e Boldrin se eternizam

A cultura brasileira se empobrece em dose dupla neste 9 de novembro: Gal Costa, a intérprete da voz de cristal, e Rolando Boldrin, o contador de causos mais autêntico da tevê, interrompem sua jornada e passam a iluminar desde a eternidade a população recém liberta do atraso e do obscurantismo fundamentalista.

“Ressuscita-me / Ainda que mais não seja / Porque sou poeta / E ansiava o futuro / Ressuscita-me / Lutando contra as misérias do quotidiano / Ressuscita-me por isso / Ressuscita-me / Quero acabar de viver o que me cabe / Minha vida para que não mais existam amores servis / Ressuscita-me / Para que ninguém mais tenha de sacrificar-se / Por uma casa, um buraco / Ressuscita-me / Para que a partir de hoje, a partir de hoje / A família se transforme e o pai seja pelo menos o Universo / E a mãe seja no mínimo a Terra / A Terra / A Terra” (“O amor”, de Caetano Veloso e Ney Costa Santos Filho, homenagem ao Poeta soviético Vladimir Maiakovski, autor do poema musicado.)

Entre o corre-corre do curso que absorve a maior parte do tempo, eis que a mensagem de minha querida Sobrinha-Camarada-Companheira-Amiga-Irmã-Ídolo Dunia me leva à dura realidade, ao silêncio: a diva, terna e agora eterna Gal Costa se cala logo agora, quando há tanto por fazer, construir, erguer. A gaivota da voz de cristal passa a iluminar para sempre este povo altivo, recém libertado dos grilhões do obscurantismo fascista, farsante e vil. Ela que enfrentou com maestria, ainda garota, a (mal)ditadura perversa e opressora nos anos sombrios de 1960, 1970 e 1980.

Na melódica voz de Gal, ‘Baby’ (Caetano Veloso), ‘Divino Maravilhoso’ (Caetano Veloso e Gilberto Gil), ‘Meu nome é Gal’ (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), ‘O amor / Ressuscita-me’ (Caetano Veloso e Ney Costa Santos Filho sobre poema de Vladimir Maiakovski), ‘Chuva de prata’ (Ed Wilson e Ronaldo Bastos), ‘Sorte’ (Caetano Veloso) e ‘Brasil / Mostra tua cara’ (Cazuza) se alternam na minha memória, como numa gravação que vem do âmago. É que sou da geração que aprendeu o português, o amor e a cidadania ao som de divas como Gal Costa, Beth Carvalho e Elis Regina, entre outras talentosas mulheres de vanguarda, corajosas, transformadoras.

Voz penetrante e inconfundível, Gal era rigorosamente seletiva. Foi incondicional intérprete do fundador da bossa-nova, o imortal João Gilberto. Ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia, se transformou na musa do tropicalismo, mas sem deixar suas raízes na bossa-nova. Era dialética, se reinventando o tempo todo, e assim revelou seu ecletismo musical, interpretando, com arranjo magistral, diversos gêneros e compositores. Discreta, jamais se expôs, o que a distanciou do grande público, que, no entanto, soube reconhecer o talento e personalidade. Sua carreira internacional não foi caudatária, pois acompanhou sua própria trajetória: uma conquista pessoal, brilhou nos Estados Unidos e Europa, tendo sido celebrada no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, na década de 1980.

Pena que as novas gerações não tenham desfrutado da genialidade de Gal, aliás, Maria da Graça Penna Burgos Costa, baiana nascida no pós-guerra de 1945. A despeito da ação repressora da (mal)ditadura de 1964, sua geração foi talentosa, irreverente e inovadora e tem um legado extraordinário em diversas áreas da cultura e das transformações deste país-continente. Inspiração para as futuras gerações, tanto na vanguarda estética como no comportamento generoso e irreverente, Gal Costa enriquece a constelação eterna da humanidade, com a peculiar discrição que caracterizou sua vida.

Boldrin, gênio do regional

“Pra todo aquele que só fala que eu não sei viver / Chega lá em casa pruma visitinha / Que no verso ou no reverso da vida inteirinha / Há de encontrar-me num cateretê / Há de encontrar-me num cateretê” (Rolando Boldrin)

Ainda em Campo Grande, outro baque: o ator, compositor e contador de causos Rolando Boldrin, no mesmo fatídico 9 de novembro, se eternizou também em São Paulo. Todos nós aprendemos muito também com ele, não só em seu pioneiro ‘Som Brasil’, como nos sucessivos programas que foi criando, produzindo e apresentando magistralmente desde 1981.

No tempo em que o televisor era artigo de luxo, aos meus 12 anos, dava um jeito de dar uma escapadela para assistir ‘Os deuses estão mortos’ (Record, 1971) e ‘Mulheres de areia’ (Tupi, 1973) na hospedaria da saudosa Dona Elisabeth Wünder de Arza, Amiga de minha saudosa Mãe. Voz grave, feição sisuda (acentuada pela fronte marcada por uma cicatriz) e sua singular capacidade de interpretação fizeram do ator pioneiro da tevê um ícone, mais pelo talento e versatilidade que pelo pioneirismo.

Sua capacidade inventiva o levou a mais de 150 composições inesquecíveis: ‘Vide vida marvada’, ‘Tema para Juliana’, ‘Seresta’, ‘Violeiro’, ‘Faca de ponta’, ‘Eu, a viola e Deus’ e ‘Amanheceu, peguei a viola’. Além disso, sua generosidade gigante permitiu que inúmeros artistas (não só compositores, como escultores e artesãos) pudessem sair do anonimato e debutar em seus respectivos programas. Graças a essa atitude, milhares de artistas têm nele um padrinho pé quente, pois após debutar em seu programa ganharam rumo em seu ofício sagrado.

Gal e Boldrin, cada qual ao seu jeito sincero e marcante, têm contribuições únicas à cultura brasileira. Abriram também os horizontes de diversas gerações que tiveram neles referência inspiradora, despertando-lhes o sentido de pertencimento e, sobretudo, de cidadania. Numa época em que o tema diversidade-identidade era refém de um estúpido compêndio instituído sem qualquer discussão com as diferentes regiões do País, além da censura imposta por meio dos atos institucionais outorgados na calada da noite durante os sombrios tempos de Médici e Costa e Silva (é proposital a inversão da ordem dos generais de plantão).

Gal, por exemplo, nos deu provas inequívocas de sua rebeldia convicta quando, sozinha, ousou enfrentar a matilha fascista que a ferro e fogo silenciou juventude, artistas, intelectuais, pensadores e oposicionistas e os levou à prisão, tortura, morte ou exílio -- exatamente como ocorreu com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Marieta Severo, que precisaram se refugiar na Europa. Já Boldrin, seu aparente conservadorismo era cênico, para dar um ar de autenticidade a sua genial arte dramática, presente em toda a sua obra, em todo o seu ofício.

Até sempre, Gal! Até sempre, Boldrin! Obrigado pelos inúmeros ensinamentos, obrigado por sua generosidade, obrigado por seu talento e obrigado por ter-nos tornado amantes da cultura do Povo Brasileiro!

Ahmad Schabib Hany

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

ALVORECER DE UM NOVO TEMPO

Alvorecer de um novo tempo

A despeito dos inúmeros atos ilegais cometidos pela máquina do inominável para ganhar a qualquer custo, o Povo Brasileiro decidiu, por uma honrosa diferença de quase três milhões de eleitores, sair do apagão e se encontrar com a História. Enquanto raia o novo tempo, os seres do atraso se refugiam no pandemônio que criaram nos sombrios tempos que impuseram à maioria, sob o reino da mentira, pavor, intolerância e ódio.

Nada como um dia depois do outro. Eis que vemos, afinal, o Povo Brasileiro aliviado, a respirar os novos ares da liberdade. Livres da opressão medieval, eivada de ódio, pavor, intolerância e mentira, muita mentira. As hordas nazifascistas que tomaram de assalto o porvir da Nação são viciadas na mentira e praticantes da hipocrisia: faça o que digo, não o que faço.

Enquanto assistíamos à comemoração pela vitória legítima e libertária do estadista vindo do povo que o Brasil levou 500 anos para oferecer à humanidade, a civilização cintilava altiva a redenção da maior democracia do hemisfério sul. Por isso a maioria dos governos do planeta de imediato enviou as congratulações protocolares ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e ao vice Geraldo Alckmin. Antes, o reconhecimento da vitória lícita e inquestionável pelos presidentes do TSE, STF, Senado e Câmara Federal.

Não por acaso, o governo do Egito enviou em sua mensagem de congratulações também um convite para participar, como sede da COP27 (a Conferência das Nações Unidas sobre o clima), como personalidade convidada, porque o inominável abandonou oficialmente todas as negociações desde 2019 e retirou o Brasil, país protagonista da Rio-92 (que fez a Agenda 21), das negociações em defesa da conservação dos biomas -- como Amazônia, Pantanal e Cerrado -- para evitar a trágica elevação da temperatura no Planeta em mais de 2ºC (dois graus centígrados).

Sábio e sensato, o Presidente Lula, só irá ao Egito na segunda semana do evento, quando serão acordados os compromissos futuros, até para não constranger os servidores de carreira do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente, presentes em Sharm El-Sheik, a  cidade sede da Conferência Mundial sobre o Clima.

Da mesma forma, ao ser proclamada sua vitória, soube reconhecer e atribuí-la às forças democráticas que corajosa e altivamente se somaram à sua candidatura, algumas desde o primeiro turno. Como não reconhecer o papel da senadora e ex-presidenciável Simone Tebet; da ex-ministra Marina Silva; dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney; dos senadores José Serra e José Aníbal; do ex-senador e presidenciável Ciro Gomes; do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, dos economistas autores do Real Pérsio Arida, Edmar Bacha e Pedro Malan, e dos ex-ministros do STF Joaquim Barbosa, Nelson Jobim e Aires Marques?

Todos eles foram imprescindíveis e fundamentais para assegurar a vitória da civilização sobre a barbárie; a vitória da democracia sobre a tirania nazifascista. Tal qual Charles De Gaulle no pós-guerra de 1945, o experiente Lula fará um governo de reconstrução, ou seja, será um governo de composição em defesa do Estado Democrático de Direito, e já tem dado sinais nesse sentido: coube ao vice-presidente eleito, Alckmin, a coordenação da Comissão de Transição -- hábil, o estadista colocou seu companheiro de chapa rumo à participação efetiva de seu futuro mandato. Mais que sinalização ao mercado, ele vem sinalizando às instituições governamentais e à sociedade civil seu compromisso de fazer um governo para todos os brasileiros, direcionado ao concerto das nações.

O ‘mito’ na berlinda

Entrementes, as hordas, envoltas em rituais de trevas, desvarios e ódio, experimentam o seu próprio veneno. Ao atender à convocação da pretensa dinastia mitômana, causando verdadeiro caos e prejuízos imensuráveis à já combalida economia do país, esses seres bizarros, além de ridículos, colocam seu mito na berlinda: se não apoia é covarde traidor e se os apoia ficarão patentes os crimes de prevaricação e de sedição, isto é, de alta traição à pátria.

Ao ter jurado que cumprirá, respeitará e defenderá a Constituição Federal e todas as leis infraconstitucionais durante o exercício do mais alto cargo da República, ele jamais poderá estimular ou aceitar qualquer ato ilícito de suas hordas. É evidente e consensual, no entanto, que desde o primeiro dia ele instigou atos contrários ao Estado Democrático de Direito, até por seu perfil desajustado desde os tempos da caserna.

Dez anos atrás, as cenas que nos remetem ao tempo medieval teriam sido inimagináveis. Como um ‘lobo solitário’ poderia ter-se transformado em líder inconteste de milhões de pessoas? Acontece que, ao ser aberta a caixa de Pandora, durante o golpe de Eduardo Cunha, Aécio e Temer contra a primeira mulher eleita e reeleita para a Presidência da República, em 2016, os viúvos e órfãos da ditadura se rearticularam mais rápido que os aprendizes de golpistas e, sempre em conluio com Sérgio Moro e a turma da Leva Jeito, foi consumado o assalto das hordas ao futuro da nação.

Por que um parlamentar desqualificado recluso à invisibilidade por décadas a fio poderia se tornar um líder inconteste? Como uma sociedade complexa e moderna feito a nossa se deixou contaminar por mentiras construídas sob as ruínas do nazifascismo embolorado, à base do legado da repulsiva consigna de Joseph Goebbels, o homem da propaganda de Adolf Hitler, de que ‘a mentira repetida muitas vezes se torna verdade’? A base de tudo são as raízes escravocratas que ainda teimam em predominar na mente de muita gente; o recalque, o desamor (ressentimento social), de boa parcela da população, e o ranço do integralismo (versão brasileira do nazifascismo) ainda presente entre nós.

A História (com letra maiúscula) se encarregará de elucidar profundamente essas causas que, conjugadas, produziram o monstro que colocou à prova a indiscutível grandeza de alma existente no seio do Povo Brasileiro, que nada tem a ver com toda essa vergonha, esse vexame colossal. Tanto que, quando convocado a se manifestar, expressou seu não rotundo às hordas medievais e reafirmou seu compromisso com o Estado Democrático de Direito, construído com generosidade e galhardia por todas as parcelas da população, à exceção dos facínoras que ainda mantêm sórdidos vínculos com a ditadura.

Ahmad Schabib Hany