Dona
Izulina e a resistência de uma peregrina
Nascida no mesmo dia do aniversário
de Monteiro Lobato, Dona Izulina Gomes Xavier fez de sua existência uma
incansável procura de luz e esperança, como Nordestina Pantaneira que celebrou
a Vida, a despeito das adversidades e dos enormes desafios que soube superar
com graça e meiguice.
Dona Izulina Gomes Xavier encerrou
sua incansável jornada cosmopolita com a mesma sobriedade nordestino-pantaneira
com que celebrou a Vida, sem mágoas, ressentimentos ou decepções. A esperança e
a luz que a acompanharam em todas as suas inesgotáveis iniciativas -- literatura,
artes plásticas, escultura, artesanato, turismo, promoção da fé, defesa ambiental
e inclusão social -- a tornam referência nos campos da cidadania, cultura e meio
ambiente, tudo isso no coração do Pantanal e da América do Sul.
Discreta e comedida, Dona Izulina se
eternizou um dia depois da data comemorativa da Proclamação da República, de
cujos valores foi expressão eloquente, como uma jovem nonagenária generosa e
resistente a toda sorte de adversidades -- como a perda, na enxurrada de
fevereiro de 1992, de seu Companheiro de Vida, Seu José Xavier, e do Neto
querido, ainda criança e com largos horizontes em sua existência. Homem de
confiança dos irmãos Chamma na implantação da Siderurgia Brasileira (SIDERBRÁS,
mais tarde SOBRAMIL, Sociedade Brasileira de Mineração Ltda.), Seu Xavier trouxe
Dona Izulina para as exuberantes terras pantaneiras.
Nascida no Piauí, a 18 de abril de
1925 (dia do natalício de Monteiro Lobato, pioneiro de diversas iniciativas,
que, além de escritor de raro talento, foi fundador de duas editoras
emblemáticas para a difusão da cultura e da soberania nacional, sobretudo na
defesa do petróleo, com a campanha ‘O petróleo é nosso’, que deu origem à
empresa brasileira de petróleo, Petrobrás, em 1950), Dona Izulina passou parte
da juventude no estado de São Paulo, para onde se mudara com seus Pais, e nos anos
1940 veio com seu Companheiro de Vida para Corumbá.
Grata ao povo de Corumbá e entusiasta
pela exuberância do Pantanal, a devota de São Francisco amava as pessoas
humildes, para quem dedicou suas obras mais imponentes, como o Cristo Rei do
Pantanal, que vela por Corumbá desde o Morro do Cruzeiro, e o São Francisco,
que estava instalado originalmente na Praça Generoso Ponce (e para onde deveria
retornar, como homenagem à sua memória). Não se cansava de dizer que eram as
pessoas simples que gostavam dela: ciclistas, carroceiros e pedestres que,
quando a viam na frente de sua residência, cumprimentavam-na com carinho e
reverência.
Corumbá, que é pródiga no curioso
esquecimento de fatos relevantes (e, sobretudo, de pessoas generosas e
abnegadas), precisa conhecer a história completa da construção do Cristo Rei do
Pantanal. Assim como no passado (década de 1970, antes da celebração do
Bicentenário de Corumbá, em 1978) o renomado artista plástico catalão Antônio
Burgos (Mestre Burgos) teve abortado seu projeto pioneiro do Cristo Redentor
(praticamente já concluído, aos fundos de sua casa), por descumprimento da
palavra empenhada pelos gestores de então, vinte anos depois o projeto de Dona
Izulina só foi concretizado pela histórica iniciativa do Senhor Jorge José
Katurchi, membro da coordenação do Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva
Corumbá), que procurou o então governador José Orcírio Miranda dos Santos (o
Zeca do PT) para patrocinar a construção do Cristo Rei, e assim coube ao Lions
Clube de Corumbá, à época presidido pelo saudoso Carlos Alberto Machado, o
repasse dos recursos financeiros, pois, por ser o Pacto Pela Cidadania espaço
público não estatal, não dispunha de CNPJ, o que o impedia de receber quaisquer
verbas públicas ou privadas.
Dona Izulina foi apoiadora e fundadora
de outras ações e projetos que também entraram para a história, a começar pelo
primeiro projeto de turismo receptivo de Corumbá, em meados da década de 1970. Graças
ao seu prestígio junto a empresários locais, como o então fundador e dono do
Santa Mônica Hotel (Moura Neto, o saudoso Seu Netinho), o também saudoso Gilson
Dário Vianna, idealizador e gestor da ‘Pant-Tour Office -- Informações e
Turismo’, responsável pelo pioneiro ‘La Barca Tour’, de 1978, conseguiu
concretizá-lo, tanto que o escritório ficava num espaço do referido hotel, à
época o mais caro da cidade, e tão prestigiado quanto o extinto Hotel Campo
Grande, de Lúdio Coelho, situado na futura capital do novo estado, Mato Grosso
do Sul.
Generosa, Dona Izulina, durante
alguns anos, dedicou-se a iniciativas de inclusão social e defesa do meio
ambiente, como ServCarmo e Seapan, duas entidades que entraram para a história
por serem pioneiras na região. Quem se esquecerá da atuação da Sociedade
Ecológica Amigos do Pantanal com sua memorável comitiva à Rio-92, quando o
Pantanal começou a despertar para a preservação, depois das memoráveis atuações
populares na luta pela instalação de filtros na fábrica de cimento local e da
proibição da instalação de usinas de álcool no Pantanal, no início dos anos
1980? Da mesma forma, o ServCarmo, emblemática entidade que durante décadas
contribuiu sobremaneira para a proteção social de crianças e adolescentes no
bairro Aeroporto, depois sucedida pelo projeto das Irmãs Salesianas do CENIC, o
Geniquinho, desativado pelo fechamento do tradicional Colégio das Irmãs (que
faria 100 anos no mesmo ano de Dona Izulina, em 2025).
Antologias e livros autorais de
contos, poesias e memórias; telas, esculturas e artesanato com traços
singulares; mecenato espontâneo e discreto de diversos artistas e entidades
populares (como o Grupo Argos de Teatro, do Amigo-Irmão Aníbal Carlos Monzón, e
a Associação de Poetas e Escritores de Corumbá, APEC, fundada pelos
Amigos-Irmãos Seu Balbino G. de Oliveira e Wolmar Walter Rien); criação de
espaços culturais e artísticos para a difusão das artes no coração do Pantanal,
como o Art-Izu e a galeria de artes no interior de sua residência.
Com a mesma generosidade com que
abrigou diversos projetos (inclusive de pessoas que conhecia pouco, mas nem por
isso deixara de apoiar de alguma forma), Dona Izulina foi em Vida e permanecerá
para sempre como a versão feminina e laica do Padre Ernesto Sassida, tão
cosmopolita quanto ele, ambos chegados de muito longe e apaixonados pelo povo
pantaneiro, para o qual dedicou toda a sua existência terrena. Republicana por
natureza, era cosmopolita, plural e democrática: nunca discriminou alguém por
origem, nacionalidade, religião, raça, gênero, opinião política ou ideologia.
A toda a Família Gomes Xavier, em
especial ao Amigo Antônio Carlos, à Amiga Lauzie e ao Doutor Cristiano, nossos
profundos sentimentos, e o reconhecimento de um legado rico e benfazejo tão
vivo quanto pródigo quanto a querida, terna e eterna Mãe e Avó que, como
Matriarca, têm como fonte inspiradora e honrosa, sobretudo, neste momento em
que o Brasil se encontra com a História e os valores civilizatórios.
Até sempre, Dona Izulina, mais que
devota de São Francisco, a própria apóstola de São Francisco! Obrigado pelos
inúmeros exemplos de generosidade, humildade e lealdade, também replicados em
seus descendentes, como o(a)s querido(a)s Antônio Carlos, Lauzie e Dr.
Cristiano, com quem pude reconhecer a vocação de servir ao próximo, inata na
agora saudosa peregrina de luz e esperança.
Ahmad
Schabib Hany