PROFESSORA JOANA D’ARC,
FONTE DE LUZ, COERÊNCIA E LEALDADE...
Quem, como eu, teve o
privilégio e a felicidade de conhecer a querida e agora saudosa Professora
Joana D’Arc Gomes Braga em tenra idade, sabe que ela sempre será sinônimo de
alegria, esperança, sabedoria e lealdade. Sua precoce eternização empobrece
ainda mais nossa cosmopolita Corumbá de todos os povos, os encantos e os
sonhos...
Era março de 1989. O hoje CPAN (Campus do Pantanal) da UFMS ainda se chamava CEUC (Centro Universitário de Corumbá). Ainda que, não muito diferente de hoje, esse importante centro de excelência, ciência e altos estudos fosse acintosamente ignorado pelas (obscurantistas) elites políticas, nunca deixou de ser uma usina de inquietude juvenil, de despertar para o saber que incomoda porque questiona e clama por transformações. Foi como tive a honra e o prazer de conhecer a caçulinha dos calouros de Biologia, aos 18 anos, a agora saudosa Joana D’Arc Gomes Braga, cujo sorriso e espontaneidade desconcertavam os senhores engravatados de então.
Ao lado das igualmente queridas Márcia Ivana do Amaral, Maria Helena Andrade, Greice Kelly Bastos, Simone do Valle Leone e Kátia Braga e dos Amigos Abel Maia, Amaro Feitosa e Amilton Evangelista, além do agora saudoso Joaquim Ivan do Amaral, todos do curso de Biologia, tão dedicados a estudos e pesquisas quanto questionadores e irrequietos, a ponto de terem sido alvo de demonstração do autoritarismo ainda remanescente do regime de 1964, então impregnado nas instituições universitárias, até por conta da longa vigência de uma legislação repressora liderada pela Lei Federal nº 5.540/1968 e dos famigerados decretos nos. 228 e 477, também do mesmo ano, fruto do nefasto Acordo MEC-USAID, responsável pela reforma universitária goela abaixo e da Lei Federal nº 5.692/1971, que retirou o conteúdo humanista e impôs o ensino profissionalizante aos estudantes do ensino fundamental e médio (então “primeiro” e “segundo” graus).
É verdade que a Constituição Cidadã acabara de ser promulgada apenas uns meses antes, mas a cultura do autoritarismo não havia sido erradicada do cotidiano repressor do ambiente escolar e universitário. Aliás, essa aproximação se deu por meio de Mara Leslie do Amaral, Irmã que a Vida me presenteou, que fazia algumas disciplinas de História depois de ter concluído Letras havia uns anos antes. Os seus dois Irmãos (Joaquim Ivan e Márcia Ivana) faziam Biologia e também sentiram na própria pele as retaliações de professores/as mais antigos, desacostumados/as à inquietude salutar e fecunda desses jovens estudantes.
Nesse contexto de vida universitária em que a irreverência é uma das características da juventude transformadora e autêntica, é que conheci a alegria sem fim da querida Joana D’Arc. Então o CEUC carecia de um meio de circulação de ideias, sugestões, críticas e opiniões, devidamente assinadas, e não demoramos muito para estruturar coletivamente um periódico acadêmico, cujo nome, por votação livre e secreta, foi “Embrião” (a maioria o escolheu porque, segundo o seu entendimento, viria à luz para transformar nosso local de convívio, “muito careta e pouco dinâmico”). A contribuição da Joana D’Arc foi surpreendente: um texto bastante objetivo, coerente e de uma irreverência contagiante pela alegria com que encarava a realidade.
Além dos colegas de Biologia, tivemos a participação de estudantes de Psicologia, com destaque para o hoje Professor Marco Antônio Oliva Monje (depois eleito por grande maioria, por voto direto, para a primeira presidência do Diretório Setorial de Estudantes); História, em que o hoje Professor Jorge Eremites de Oliveira, então presidente do Centro Acadêmico de História, também se destacou, além do sargento Edson Barbosa, bastante atuante e estudioso, transferido para sua cidade-natal antes de concluir o curso; Letras foi muito pródigo, tendo se destacado os hoje Professores Júlio Xavier Galharte, Maria Inês Arruda, Ana Cláudia Pimenta e Dary Jr. (que depois se transferiu para Campo Grande para seguir brilhante carreira jornalística e musical), e Henrique (o sobrenome não lembro, então tenente da Marinha, também transferido antes de concluir a graduação) e Gilson Sávio de Souza (falecido precocemente em acidente rodoviário antes do final daquele ano, uma grande promessa cuja breve existência deixou um vazio nunca preenchido).
O ambiente universitário ainda padecia da cultura dos popularmente chamados de X9, ou dedos-duros, que em troca de vantagens com professores alinhados ao antigo regime eram encarregados da delação (e muitas vezes pura invencionice) sobre o que era tratado nas reuniões estudantis. Somado a isso, a paralisação dos docentes por mais de três meses e a realização da primeira eleição presidencial direta pós-1964 (nove candidatos no primeiro turno, e a disputa entre Collor e Lula no segundo turno), acabaram por atropelar o projeto de periódico acadêmico. Mas entre os estudantes de Biologia, cada vez mais empoderados, a querida Joana D’Arc se sobressaía de modo especial.
Aos poucos, os estudos e a maturidade a tornavam ainda mais influente e generosa. Quando foi a colação de grau, em 1993 se não me engano, ela era uma referência entre os colegas no CEUC. Em toda a sua trajetória de conquistas milimetricamente construídas com solidariedade e lealdade Joana D’Arc foi como uma ex-aluna a descreveu (e confirmado pela querida Professora Angélica Bezerra): vítima de depressão, a grande epidemia juvenil de nossos tempos, a jovem confidenciou o gesto angelical de Joana D’Arc, que desenhou em seu braço cheio de marcas das dores da alma um coração, dizendo-lhe que cada ferida representava uma dor no coração materno. Atitude que revela quem sempre foi a querida jovem alegre, irreverente e leal que iluminou a vida de quem teve a sorte de conviver com ela em algum momento de sua rica, generosa e intensa Vida. Com letra maiúscula.
Obrigado, Joana D’Arc, por ter-nos presenteado com a sua iluminada e generosa existência. Até sempre, querida e inesquecível Amiga e Companheira de lutas e sonhos...
Ahmad Schabib Hany
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