“A INSÓLITA DAMA DO PACAEMBU”
Há
textos que ficam gravados em nosso âmago para toda a Vida. “A insólita dama do
Pacaembu”, da saudosa e querida (embora, lamentavelmente, não a tenha conhecido
pessoalmente) Jornalista Irede A. Cardoso, da maneira mais sensível e profunda,
nos apresenta uma belíssima senhorinha que, depois de ter servido a
tradicionais famílias de quatrocentões paulistanos, vira moradora de rua, sem
perder o afeto pelos, digamos, filhos de criação e todo o glamour do universo
em que estava inserida, ainda que como serviçal descartável.
Publicada
em 1982 (acredito que no mês de maio), a li, reli e “treli” como se eu mesmo a
tivesse escrito. Aí decidi mostrá-la a colegas de curso para incluí-la como
parte de um trabalho em grupo da disciplina de Antropologia Cultural I,
ministrada pela querida Professora Iara Penteado, da Fadafi (Faculdade Dom
Aquino de Filosofia, Ciências e Letras), da Fucmt (Faculdades Unidas Católicas
de Mato Grosso). Para dar-lhe o ambiente que a temática exigia, escolhemos os
versos imortais do saudoso compositor argentino Horacio Guarany eternizados na
potente voz da imortal Mercedes Sosa, “Si se calla el cantor”: “Qué ha de ser la vida / si
el que canta / no levanta su voz en las tribunas / por el que sufre, / por el
que no hay ninguna razón / que lo condene a andar sin manta.”
Irede
Cardoso fez parte de uma geração de Jornalistas que, mais que informar ou
noticiar com talento, estilo e maestria, abriram horizontes e lapidaram almas
com generosidade e originalidade, ainda nos tenebrosos anos de chumbo, e sem
perder a ternura e a fé na humanidade. Então gente como Joyce Plagiasselman e
assemelhados já existiam, mas só ganhavam notoriedade nas redações dos jornalões
e revistonas com o ajutório de seus proprietários, que desde sempre foram
coniventes com as ações de delinquentes dos regimes de exceção. Basta nos
lembrarmos de Alexandre Garcia e Bóris Casoy, que para se tornarem
“celebridades” tiveram que prestar seus inconfessáveis serviços à ditadura para
depois ganhar o imprescindível “empurrão” da Rede Gloebbels de Conspiração ou
de Senor “Sílvio Santos” Abravanel, que ganhou de presente a concessão que
pertencera à Rede Tupi antes do fim do nefasto regime de 1964, mesmo sendo
sócio da Record, o que a legislação proibia.
Mas
esqueçamos desse (i)mundo fétido e podre, e retornemos ao ambiente saudável da
Vida dos seres iluminados que fizeram história registrando ou analisando fatos
que poderiam ter passado despercebidos não fosse o seu faro aguçado de repórteres
e de cronistas de seu tempo.
É
claro que há outras memoráveis crônicas dignas de citação, como a “Leila Roque
Diniz”, em que o querido e saudoso Jornalista Tarso de Castro homenageia a
inimitável, bela e irreverente Leila Diniz, a propósito dos cinco anos de sua
eternização, quando ela, a primeira nudez de grávida a ilustrar capa de revista
(e logo na imortal “Realidade”, fundada e dirigida inicialmente por Luis Carta,
irmão de Mino Carta), retornava de uma premiação num festival de cinema em Nova
Deli com saudades de sua rebenta e o avião da Varig em que viajava foi a pique
antes de chegar ao Rio de Janeiro. Tarso de Castro, que privara da amizade da
eterna musa do “Pasquim”, quando escreveu essa crônica, em 1977, estava, ao
lado de Fortuna e Nelson Merlin, na “Folha de S.Paulo”, dirigindo a equipe de
“Folhetim” e, simultaneamente, editando a “Ilustrada” durante a semana.
No
tempo em que a revista “Veja” era dirigida por seu fundador e primeiro diretor,
o talentoso e incansável Jornalista Mino Carta, reserva moral do Jornalismo contemporâneo,
há uma centena de memoráveis edições de “Carta ao Leitor” assinada por ele (M. C.),
entre 1968 e 1975. Inesquecível, no entanto, é a edição dedicada à apresentação
da reportagem sobre a demissão do então ministro da Indústria e Comércio do
general-presidente Ernesto Geisel, o grande brasileiro Severo Fagundes Gomes
(eternizado ao lado de Ulysses Guimarães e suas respectivas esposas, semanas
depois do impeachment de Fernando Collor, em outubro de 1992). Severo Gomes,
segundo a inesquecível reportagem de “Veja”, fora demitido por não se submeter
à pressão do empresariado antinacional que queria ver a CICA (Companhia
Industrial de Conservas Alimentícias) entregue ao controle acionário de uma
multinacional, como acabou acontecendo nos tempos de FHC. Ao não autorizar a
entrega da emblemática empresa nacional, perdeu o cargo e o papel de escudeiro
da indústria nacional, assediada pelo capital internacional desde os tempos do
Coronel Belmiro Gouvêa, o pioneiro da indústria têxtil destruído, morto e
difamado por ter ousado afrontar a multinacional britânica de algodão no início
do século XX.
Em
Corumbá, o então jovem repórter Edson Moraes (que assinava Edson de Moraes na época da saudosa “Folha da
Tarde” dirigida por Daniel de Almeida Lopes e em cuja equipe trabalhava o saudoso
Amigo Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, guru de muitos Jornalistas com letra
maiúscula, entre os quais o Amigo Luiz Taques) tinha uma coluna chamada “No
Bolso do Repórter”, em que esse querido Amigo, nos anos de chumbo, driblava a
censura e antecipava com maestria fatos que viriam a assombrar o atento leitor
dos jornais da década de 1970. Contemporâneo do igualmente querido Amigo
Juvenal Ávila de Oliveira e do saudoso e querido Amigo Augusto Alexandrino dos
Santos “Malah”, antes de se dedicar ao Jornalismo, foi radialista de projeção e
fino trato, a ponto de veteranos da radiofonia do estado terem desaprovado seu abandono
dos microfones ao optar pelo texto impresso.
Edson
Moraes conquistou os leitores não apenas pelo estilo irretocável de seu texto,
mas pela coragem e talento jornalístico. Quando um renomado policial civil
atirou e matou, em plena luz do dia, um conhecido adolescente envolvido em
pequenos furtos sem qualquer poder ofensivo, esse grande Jornalista deu uma
verdadeira aula de Jornalismo ao desvendar, sem adjetivos ou sensacionalismo,
os meandros do episódio. Ganhou o reconhecimento dos leitores e o respeito de
seus colegas veteranos. Mas não demorou muito para ter que, contra a sua
vontade, deixar Corumbá. Já dono de seu próprio diário, o inconfundível “O
Tempo”, em sociedade com o saudoso tipógrafo Manoel de Oliveira, desvendou uma
série de histórias mal contadas, cujo ápice foi a descoberta de um cemitério
clandestino nas imediações da estação ferroviária de Urucum, no qual estavam
sepultados jovens desaparecidos em circunstâncias nunca elucidadas. Resultado:
teve que se desfazer da sociedade, dos equipamentos do jornal e sair às pressas
para não ser o próximo da lista...
O
saudoso e querido Amigo Jornalista Márcio Nunes Pereira, filho caçula do
Jornalista Carlos Paulo Pereira (fundador do “Diário de Corumbá”), também
coleciona crônicas, reportagens e manchetes antológicas que entraram para a
história do Jornalismo. Não por acaso colecionou, também, o maior número de
processos movidos por um único prefeito no exercício do cargo, 23 processos,
ganhos todos pela competência jurídica do igualmente saudoso Advogado (com
letra maiúscula) Joilce Viegas de Araújo. Ele é responsável, entre tantas
denúncias, pela revelação de um estoque de diversas toneladas de feijão doado
ao município pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), durante o
governo Itamar Franco, que acabou apodrecendo por estar mal conservado e ter
permanecido muito mais tempo que o devido.
A
mais emblemática de toda a produção jornalística de Márcio Nunes Pereira, no
entanto, é a manchete com a qual o saudoso diretor do “Diário de Corumbá”
estampou o final de uma administração municipal inúmeras vezes denunciada --
“Prefeito deixa a vida pública para entrar na privada” --, que muitos contemporâneos
consideram uma profecia, pois desde então o referido político não mais teve
sucesso em sua vida pública.
Com
todo o respeito que merecem todas e, sobretudo, as mais novas gerações de
Jornalistas com letra maiúscula, mas, seja em reportagens, em crônicas ou em
ensaios jornalísticos, gerações de grandes talentos prepararam um repositório
com o qual os atuais trabalhadores da imprensa dignos desse ofício precisam se
encontrar, reconhecer-se e empreender novas pugnas.
Ahmad Schabib Hany