quinta-feira, 7 de junho de 2018

Vexado com aqueles 7 a 1 (Por Luiz Taques)


Vexado com aqueles 7 a 1

(Por Luiz Taques)

Betão e Betinho: trajetórias opostas.

Desde pequenos, até no tratamento dos apelidos: um, no aumentativo; outro, no diminutivo.

Moram na Cidade Maravilhosa – Betão, podendo tudo, na zona sul, próximo à valorizadíssima orla marítima; Betinho, se virando com o que tem, na zona norte, não muito longe dos velhos trilhos da Central do Brasil.

Betão é togado – Betinho vive na boleia de caminhão-baú.

Não se conhecem, mas eles têm algo em comum (matrimônios desfeitos) e uma angústia diária a enfrentar (violência urbana).

Em qualquer deslocamento pelo Rio, consultam no celular o aplicativo OTT: Onde Tem Tiroteio.

O carioca sempre lançando moda.

Sobre Betão, o que se pode dizer é que, na partilha dos bens, não saiu no prejuízo, não.

Dinheiro dele aplicado no exterior, por exemplo, sequer foi citado ou veio à tona.

Propaganda com Gerson, o canhotinha de ouro da Copa de 70, já pregava que era preciso levar vantagem em tudo. Foi o que Betão fez em toda a carreira, na magistratura brasileira.

Da mansão onde morava, nem precisou arredar o pé. Como a ex também era magistrada, os meritíssimos (com os altos salários, diárias gordas, palestras, auxílios-moradia, 14º e 15º salários de produtividade) já haviam mandado construir outra casa muito mais confortável e luxuosa, além de terem adquirido diversos apartamentos no Leblon, na Urca e em São Conrado.

Com o divórcio, a ex mudaria para o novo empreendimento imobiliário, para aquela casa muito mais confortável e luxuosa. Lógico, frete seria bancado com auxílio-mudança a que os juízes também tinham direito.

Futuro das filhas?

Ora, bolas: herdarão as polpudas aposentadorias dos pais magistrados, andarão de elevador e, para tentar escapar das balas perdidas, de carro blindado.

E Betinho?

Ah, com a separação, o magro patrimônio de Betinho encolheu mais um pouquinho. E o seu coração, não fujamos à verdade, também saiu partido, definhado: era apaixonado pela ex-mulher e agora com ele, a mulata, que fazia os homens do bairro suspirarem quando passava requebrando, não queria mais papo.

Porém, continuariam a morar no mesmo prédio: ela, na parte térrea; Betinho, no piso superior do humilde sobradinho.

Privacidade?

Em parte, preservada.

Impedido pela ex-mulher de passar pela parte térrea – a escada que levava ao andar de cima ficava dentro da casa, na sala de visita – Betinho teve de improvisar.

Para um sujeito igual a ele (acostumado aos sacolejos das esburacadas vias do Rio) foi obra fácil alicerçar o improviso.

Ali, na calçada, ao ar-livre, Betinho ergueu uma escada.

Treze degraus separam a rua do seu aposento.

Quis o destino que os degraus passassem em frente à janela da ex.

As crianças?

Nisso, fizeram um golaço; não houve bate-boca: Betinho e a sua manicure não deixariam as crianças sem ao menos feijão preto no almoço. Foi o combinado.

Mas, uns sussurros deixam a mulata intrigada: vizinhos, para não atrair azar, andam evitando “a calçada do Betinho” (como é chamada pelos moradores do bairro).

Betinho dá de ombros para a superstição.

Tampouco vive cabisbaixo.

Quando provocado, Betinho, um flamenguista sempre elegante com o vocabulário, responde assim: “Vexados descemos nós as escadas do estádio após aqueles 7 a 1.”

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