Vexado com aqueles
7 a 1
(Por Luiz Taques)
Betão e Betinho: trajetórias opostas.
Desde pequenos, até no tratamento dos apelidos: um, no
aumentativo; outro, no diminutivo.
Moram na Cidade Maravilhosa – Betão, podendo tudo, na zona
sul, próximo à valorizadíssima orla marítima; Betinho, se virando com o que
tem, na zona norte, não muito longe dos velhos trilhos da Central do Brasil.
Betão é togado – Betinho vive na boleia de caminhão-baú.
Não se conhecem, mas eles têm algo em comum (matrimônios desfeitos)
e uma angústia diária a enfrentar (violência urbana).
Em qualquer deslocamento pelo Rio, consultam no celular o
aplicativo OTT: Onde Tem Tiroteio.
O carioca sempre lançando moda.
Sobre Betão, o que se pode dizer é que, na partilha dos bens,
não saiu no prejuízo, não.
Dinheiro dele aplicado no exterior, por exemplo, sequer foi
citado ou veio à tona.
Propaganda com Gerson, o canhotinha de ouro da Copa de 70, já
pregava que era preciso levar vantagem em tudo. Foi o que Betão fez em toda a
carreira, na magistratura brasileira.
Da mansão onde morava, nem precisou arredar o pé. Como a ex
também era magistrada, os meritíssimos (com os altos salários, diárias gordas,
palestras, auxílios-moradia, 14º e 15º salários de produtividade) já haviam
mandado construir outra casa muito mais confortável e luxuosa, além de terem
adquirido diversos apartamentos no Leblon, na Urca e em São Conrado.
Com o divórcio, a ex mudaria para o novo empreendimento
imobiliário, para aquela casa muito mais confortável e luxuosa. Lógico, frete
seria bancado com auxílio-mudança a que os juízes também tinham direito.
Futuro das filhas?
Ora, bolas: herdarão as polpudas aposentadorias dos pais
magistrados, andarão de elevador e, para tentar escapar das balas perdidas, de
carro blindado.
E Betinho?
Ah, com a separação, o magro patrimônio de Betinho encolheu
mais um pouquinho. E o seu coração, não fujamos à verdade, também saiu partido,
definhado: era apaixonado pela ex-mulher e agora com ele, a mulata, que fazia
os homens do bairro suspirarem quando passava requebrando, não queria mais
papo.
Porém, continuariam a morar no mesmo prédio: ela, na parte
térrea; Betinho, no piso superior do humilde sobradinho.
Privacidade?
Em parte, preservada.
Impedido pela ex-mulher de passar pela parte térrea – a
escada que levava ao andar de cima ficava dentro da casa, na sala de visita –
Betinho teve de improvisar.
Para um sujeito igual a ele (acostumado aos sacolejos das
esburacadas vias do Rio) foi obra fácil alicerçar o improviso.
Ali, na calçada, ao ar-livre, Betinho ergueu uma escada.
Treze degraus separam a rua do seu aposento.
Quis o destino que os degraus passassem em frente à janela da
ex.
As crianças?
Nisso, fizeram um golaço; não houve bate-boca: Betinho e a
sua manicure não deixariam as crianças sem ao menos feijão preto no almoço. Foi
o combinado.
Mas, uns sussurros deixam a mulata intrigada: vizinhos, para
não atrair azar, andam evitando “a calçada do Betinho” (como é chamada pelos
moradores do bairro).
Betinho dá de ombros para a superstição.
Tampouco vive cabisbaixo.
Quando provocado, Betinho, um flamenguista sempre elegante
com o vocabulário, responde assim: “Vexados descemos nós as escadas do estádio
após aqueles 7 a 1.”
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