Nena, a Tia que não chamávamos de
tia...
Acredito que
muitas famílias tenham algumas tias que são chamadas simplesmente pelo nome.
Não que sejam menos tias, ou menos queridas, que as outras. Mas costumam ser
especiais. Sobretudo pela intimidade com que nos permitem dar-lhes um
tratamento, digamos, “igualitário”, como irmãs ou primas bem chegadas.
Confidentes, parceiras, Amigas...
Assim era a nossa
agora saudosa Nena. Uma das três irmãs caçulas de nossa querida e saudosa Mãe.
A mais parecida com a nossa querida Avó Guadalupe Ascimani de Hany. Nome
pomposo: May María Teresa Hany Ascimani, que ao casar-se passou a assinar María
Teresa Hany de Paz. Mãe dos primos Ariel, Yasmín e Elton, hoje tomados pela
mais temida de todas as dores, a da perda, irreparável, de uma Mãe Companheira.
O semblante era todo
de nossa Avó. A profissão herdou de nosso Avô José (Yussef) Al Hany, o dentista
da Amazônia boliviana que na falta de médico era obrigado a assistir aos
enfermos por onde passava. A nossa querida Nena, que escolhera o Chapare (região
amazônica do departamento de Cochabamba, Bolívia) para exercer sua profissão e
formar sua família, não tinha feriados, nem férias. Embora gostasse de viajar,
visitar a família dispersa por vários continentes, abrira mão de todas as suas
vontades e sonhos para dedicar-se à sua labor.
Pertencente a uma
geração que fez muitas renúncias para lutar por uma sociedade mais justa, Nena
sacrificou os seus melhores dias na região tropical andina (Chapare), a ponto
de esquecer-se da própria saúde, embora fosse profissional da área. Uma das
mais destacadas alunas do curso de Odontologia da emblemática Universidad Mayor de San Simón (de Cochabamba), contemporânea de universitárias
emblemáticas como a líder Jenny Koeller, de Arquitetura, assassinada covardemente
numa das tantas ditaduras entreguistas e sanguinárias que sua geração conheceu.
Discreta, guardou
consigo confidências e testemunhos valiosos, de um tempo de grandes rupturas e dura,
impiedosa repressão. Imagino que sua opção por uma região carente e
desassistida como Chapare também fosse um refúgio, uma forma de manter-se em
silêncio, sobretudo depois de inúmeras decepções com governantes oriundos da “resistência”
que por muito pouco capitularam, indo para o campo adversário, tal como José
Serra e Aloysio Nunes no Brasil, hoje paladinos de contrarreformas vergonhosas
e a entrega da soberania e do patrimônio nacional.
Nena se eternizou na
madrugada deste domingo, 3 de dezembro. Ela, que sempre acudira solidariamente
enfermos em crises de dor, não resistira a o martírio de uma apendicite
supurada. Virou saudade aos 72 anos de uma Vida de renúncias sucessivas, mas
sem perder a ternura, a jovialidade, o carinho e a generosidade. Uma tia-irmã,
uma querida parceira, cúmplice (no melhor dos sentidos) e colaboradora em tempo
integral.
Nosso encontro
derradeiro com Nena foi no funeral de nossa Mãe, em junho de 2009. Ela
permaneceu conosco por duas semanas. Quando fizemos a, literalmente, trinta
mãos um réquiem para nossa Mãe, foi dela a ideia de inserir os emblemáticos
versos do magistral poema “Proverbios y cantares XXIX”, de Antonio Machado, o
poeta sevilhano pertencente à Geração de 1898 que revolucionou a literatura e a
Espanha entre fins do século XIX e o início do século XX. Hoje, pois, os
dedicamos à sua memória: “Caminante, son tus huellas / el camino y nada más /
Caminante, no hay camino, / se hace camino al andar. / Al andar se hace el
camino, / y al volver la vista atrás / se ve la senda que nunca / se ha de
volver a pisar. / Caminante no hay camino, / sino estelas en la mar.”
Até sempre, querida Nena! Obrigado por existir...
Ahmad Schabib Hany
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