DILMA NÃO É COLLOR: IMPEACHMENT É GOLPE!
Um dos
legados do marxismo -- ou melhor, do materialismo dialético -- é a análise com
base no contexto histórico. Até os mais avessos às ideias revolucionárias de
Marx reconhecem essa fundamental contribuição para o conhecimento. É como se
antes disso, ao se conhecer um fato, ele ficasse “solto”, desvinculado do
conjunto de circunstâncias ou fatores intrínsecos à realidade em tela.
Foi a
partir da adoção desse método que a humanidade passou a compreender o processo
histórico de forma crítica e profunda, inclusive e sobretudo a vanguarda das
classes proletárias. Tanto é verdade, que as máquinas de propaganda do nazismo
e do fascismo, nas primeiras décadas do século XX, funcionaram mediante a
negação desse procedimento. Isto é, ao ser manipulado o contexto histórico,
determinado fato, fora de contexto, virava factoide, ficção, instrumento de
propaganda.
Pois, em
plena segunda década do século XXI, nos vemos às voltas com manipulações dessa
natureza, feitas com o maior cinismo e acinte, como se tivéssemos sido
abduzidos por algum extraterrestre e nossa memória estivesse definitivamente
comprometida. Desta vez, porém, com a participação explícita de setores autointitulados
de “democratas”, “socialdemocratas” e, pior, ex-“marxistas” (ou marxistas arrependidos).
Curiosamente,
é que estes, sobretudo os ex-“marxistas”, na ânsia de se legitimarem no
conjunto da pseudovanguarda neoliberal, procuram fundamentar a intolerância
golpista dos órfãos da ditadura de 1964 e dos grupos políticos que a gestaram
(como a UDN, de triste memória), praticando a cartilha bizarra e anacrônica de
Goebbels, o homem da propaganda de Hitler.
Insistem,
teimam copiosamente, em reiterar fatos inverossímeis como se todos fôssemos a
“velhinha de Taubaté”, criação do extraordinário Luís Fernando Veríssimo, em
sua magistral crônica dedicada ao último general-presidente, em 1983. Repetem
as absurdas mentiras até torná-las verdade no senso comum, no afã mesquinho e
sórdido de arranjar um atalho espúrio para chegar onde não tiveram capacidade
de conquistar pelo voto democrático.
Nem que
para tanto venham a comprometer a jovem democracia, destruir a economia do país,
causar danos irreparáveis à população e imolar a primeira mulher a exercer o
principal cargo da República, cientes que são de sua probidade e, sobretudo,
determinação republicana de não permitir que alguém obste o curso dos inquéritos
da Polícia Federal ou do Ministério Público.
Não há
como não reconhecer a diferença abismal entre Collor de 1990 e Dilma de 2015.
Depois de
implantar um conjunto de medidas contra o país ao escancarar sem qualquer
critério o mercado brasileiro às multinacionais -- promovendo uma quebradeira
de indústrias nacionais e demissões de trabalhadores --, de confiscar
impunemente a poupança de toda a população e de achatar o poder aquisitivo dos
assalariados, Collor se envolveu (ou foi envolvido por seus principais assessores)
em falcatruas que direta e irrefutavelmente o beneficiavam e à primeira-dama.
Dilma,
ainda que tenha sido levada a tomar medidas impopulares em seu segundo mandato,
manteve os programas sociais, as políticas habitacionais e a economia do país
sob controle: apesar da torcida e boataria dos sabotadores, a inflação anual
não chegou a 11%, quando FHC, antecessor de Lula, emplacou em 1999 e 2000 índices
próximos de 15%, as maiores taxas de desemprego pós-1985 e arrocho salarial sem
precedentes.
Além
disso, a atual presidente não só não interfere no processo de investigação das
diferentes denúncias -- que remontam a outros mandatos presidenciais, inclusive
do cardeal-mor do tucanato --, como em nenhum momento houve qualquer evidência
de alguma suposta participação sua, seja por ação ou omissão deliberada.
Esses
são, a bem da verdade, aspectos do contexto histórico que os ex-“marxistas” omitem
ainda que os dominem como bons alunos que foram das organizações predecessoras
do PPS e do PSDB (não esqueçamos o passado “subversivo” dos cardeais dessas
duas legendas, reduzidas a reles serviçais da direita provinciana, obtusa e
intolerante).
Na
verdade -- e eles conhecem sobejamente esse fato --, entre os mais afoitos pela
destituição da Presidente Dilma Rousseff estão os que são alvo das
investigações, mas cujos nomes ainda não vieram à tona. Sejam eles membros da
oposição ou do governo (neste ou em mandatos anteriores, no de Lula, FHC e
inclusive Itamar), por sua prática promíscua, não demorarão a serem levados às
barras dos tribunais, tal qual Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara com
seus votos “éticos”.
Ainda que
por caminhos tortuosos e duros, a esquerda, mais uma vez, dá a sua contribuição
à história republicana ao incorrer em erros primários, como o de não ter realizado
uma profunda auditoria tão logo assumiu o Executivo nacional e denunciado os esquemas
e quadrilhas existentes desde os mais remotos tempos de nossas precárias
instituições públicas -- sempre, aliás, privadas, em razão da promiscuidade
entre a “casa grande” e o Estado, antes vinculado a uma corte corrupta, gananciosa,
primitiva e ignorante.
Mas
Dilma, como Lula, vem pagando o preço de haver promovido uma verdadeira ascensão
social multitudinária por meio de políticas públicas outrora relegadas a meras
promessas eleitorais, além de -- particularmente Dilma ao final de seu primeiro
mandato -- ter empreendido uma política externa que não apenas reafirmou a
soberania nacional, mas deu eloquentes provas de o Brasil se distanciar dos
Estados Unidos e de sua política beligerante e intervencionista, protagonizando
a inimaginável conformação do novo bloco econômico, dos BRICS, e de seu banco
de desenvolvimento. Não tenhamos dúvida de que por trás de bizarros “líderes”
de organizações como o (sic) “Movimento
Brasil Livre” encontra-se a “mão invisível” dos maiores controladores do
deus-mercado.
Atribuída
a um combatente comunista, meticulosamente escolhido pelo núcleo de poder do
regime de 1964 como “inimigo público número 1”, Carlos Marighela teria sentenciado,
num dos infindáveis debates da vanguarda marxista nos anos de chumbo, que “a prática
é o critério da verdade”. Ex-“marxistas”, “socialdemocratas” e “democratas” têm
conhecimento disso. E a história, mais cedo ou mais tarde, os chamará à razão,
pois sua ação, ou omissão, não passa despercebida neste contexto crítico -- e
por isso de avanço, de superação --, queiram ou não as peçonhentas pitonisas do
retrocesso.
(Ahmad Schabib Hany)
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