sábado, 2 de janeiro de 2016

DILMA NÃO É COLLOR: IMPEACHMENT É GOLPE!

DILMA NÃO É COLLOR: IMPEACHMENT É GOLPE!

Um dos legados do marxismo -- ou melhor, do materialismo dialético -- é a análise com base no contexto histórico. Até os mais avessos às ideias revolucionárias de Marx reconhecem essa fundamental contribuição para o conhecimento. É como se antes disso, ao se conhecer um fato, ele ficasse “solto”, desvinculado do conjunto de circunstâncias ou fatores intrínsecos à realidade em tela.

Foi a partir da adoção desse método que a humanidade passou a compreender o processo histórico de forma crítica e profunda, inclusive e sobretudo a vanguarda das classes proletárias. Tanto é verdade, que as máquinas de propaganda do nazismo e do fascismo, nas primeiras décadas do século XX, funcionaram mediante a negação desse procedimento. Isto é, ao ser manipulado o contexto histórico, determinado fato, fora de contexto, virava factoide, ficção, instrumento de propaganda.

Pois, em plena segunda década do século XXI, nos vemos às voltas com manipulações dessa natureza, feitas com o maior cinismo e acinte, como se tivéssemos sido abduzidos por algum extraterrestre e nossa memória estivesse definitivamente comprometida. Desta vez, porém, com a participação explícita de setores autointitulados de “democratas”, “socialdemocratas” e, pior, ex-“marxistas” (ou marxistas arrependidos).

Curiosamente, é que estes, sobretudo os ex-“marxistas”, na ânsia de se legitimarem no conjunto da pseudovanguarda neoliberal, procuram fundamentar a intolerância golpista dos órfãos da ditadura de 1964 e dos grupos políticos que a gestaram (como a UDN, de triste memória), praticando a cartilha bizarra e anacrônica de Goebbels, o homem da propaganda de Hitler.

Insistem, teimam copiosamente, em reiterar fatos inverossímeis como se todos fôssemos a “velhinha de Taubaté”, criação do extraordinário Luís Fernando Veríssimo, em sua magistral crônica dedicada ao último general-presidente, em 1983. Repetem as absurdas mentiras até torná-las verdade no senso comum, no afã mesquinho e sórdido de arranjar um atalho espúrio para chegar onde não tiveram capacidade de conquistar pelo voto democrático.

Nem que para tanto venham a comprometer a jovem democracia, destruir a economia do país, causar danos irreparáveis à população e imolar a primeira mulher a exercer o principal cargo da República, cientes que são de sua probidade e, sobretudo, determinação republicana de não permitir que alguém obste o curso dos inquéritos da Polícia Federal ou do Ministério Público.

Não há como não reconhecer a diferença abismal entre Collor de 1990 e Dilma de 2015.

Depois de implantar um conjunto de medidas contra o país ao escancarar sem qualquer critério o mercado brasileiro às multinacionais -- promovendo uma quebradeira de indústrias nacionais e demissões de trabalhadores --, de confiscar impunemente a poupança de toda a população e de achatar o poder aquisitivo dos assalariados, Collor se envolveu (ou foi envolvido por seus principais assessores) em falcatruas que direta e irrefutavelmente o beneficiavam e à primeira-dama.

Dilma, ainda que tenha sido levada a tomar medidas impopulares em seu segundo mandato, manteve os programas sociais, as políticas habitacionais e a economia do país sob controle: apesar da torcida e boataria dos sabotadores, a inflação anual não chegou a 11%, quando FHC, antecessor de Lula, emplacou em 1999 e 2000 índices próximos de 15%, as maiores taxas de desemprego pós-1985 e arrocho salarial sem precedentes.

Além disso, a atual presidente não só não interfere no processo de investigação das diferentes denúncias -- que remontam a outros mandatos presidenciais, inclusive do cardeal-mor do tucanato --, como em nenhum momento houve qualquer evidência de alguma suposta participação sua, seja por ação ou omissão deliberada.

Esses são, a bem da verdade, aspectos do contexto histórico que os ex-“marxistas” omitem ainda que os dominem como bons alunos que foram das organizações predecessoras do PPS e do PSDB (não esqueçamos o passado “subversivo” dos cardeais dessas duas legendas, reduzidas a reles serviçais da direita provinciana, obtusa e intolerante).

Na verdade -- e eles conhecem sobejamente esse fato --, entre os mais afoitos pela destituição da Presidente Dilma Rousseff estão os que são alvo das investigações, mas cujos nomes ainda não vieram à tona. Sejam eles membros da oposição ou do governo (neste ou em mandatos anteriores, no de Lula, FHC e inclusive Itamar), por sua prática promíscua, não demorarão a serem levados às barras dos tribunais, tal qual Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara com seus votos “éticos”.

Ainda que por caminhos tortuosos e duros, a esquerda, mais uma vez, dá a sua contribuição à história republicana ao incorrer em erros primários, como o de não ter realizado uma profunda auditoria tão logo assumiu o Executivo nacional e denunciado os esquemas e quadrilhas existentes desde os mais remotos tempos de nossas precárias instituições públicas -- sempre, aliás, privadas, em razão da promiscuidade entre a “casa grande” e o Estado, antes vinculado a uma corte corrupta, gananciosa, primitiva e ignorante.

Mas Dilma, como Lula, vem pagando o preço de haver promovido uma verdadeira ascensão social multitudinária por meio de políticas públicas outrora relegadas a meras promessas eleitorais, além de -- particularmente Dilma ao final de seu primeiro mandato -- ter empreendido uma política externa que não apenas reafirmou a soberania nacional, mas deu eloquentes provas de o Brasil se distanciar dos Estados Unidos e de sua política beligerante e intervencionista, protagonizando a inimaginável conformação do novo bloco econômico, dos BRICS, e de seu banco de desenvolvimento. Não tenhamos dúvida de que por trás de bizarros “líderes” de organizações como o (sic) “Movimento Brasil Livre” encontra-se a “mão invisível” dos maiores controladores do deus-mercado.

Atribuída a um combatente comunista, meticulosamente escolhido pelo núcleo de poder do regime de 1964 como “inimigo público número 1”, Carlos Marighela teria sentenciado, num dos infindáveis debates da vanguarda marxista nos anos de chumbo, que “a prática é o critério da verdade”. Ex-“marxistas”, “socialdemocratas” e “democratas” têm conhecimento disso. E a história, mais cedo ou mais tarde, os chamará à razão, pois sua ação, ou omissão, não passa despercebida neste contexto crítico -- e por isso de avanço, de superação --, queiram ou não as peçonhentas pitonisas do retrocesso.

(Ahmad Schabib Hany)