LUIS
ESPINAL PRESENTE!
Ao contrário da desinformação mal-intencionada da
mí(r)dia mercenária, houve um simbolismo na entrega do (sic) "polêmico" crucifixo pelo
Presidente Evo Morales, da Bolívia, ao Papa Francisco dias atrás, durante a
estada do pontífice católico na terra dos devotos de Nossa Senhora de
Copacabana, sobretudo para aqueles que lutaram contra os narcogenerais e suas
quadrilhas entre as décadas de 1970 e 1980.
Ocorre que o seu autor, o saudoso Frei Luis Espinal
Camps, jesuíta adepto da Teologia da Libertação e conterrâneo do incansável Dom
Pedro Casaldáliga (Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, em Mato
Grosso), o criara no intuito de fazer uma relação entre a luta de Jesus Cristo
e a dos milhões de lavradores e operários bolivianos, vítimas da repressão,
exploração e opressão nos anos de chumbo.
Portanto, entre o dignitário boliviano e o pontífice
católico havia pelo menos um espírito de luz que se encontrava exultante,
depois de 35 anos de seu covarde assassinato, ao sair de uma sessão
cinematográfica no centro da capital boliviana. Pouco antes de morrer, havia
deixado um livro, intitulado Religião,
em que profetizava: “Quem não tem a coragem de falar pelos homens, tampouco tem
o direito de falar de Deus.”
E como a ignorância é arrogante! Caso os boçais
editores do telejornalismo, radiojornalismo e dos jornalões tivessem lido ao
menos os livros célebres de dois de seus colegas das décadas de 1970 e 1980 – Se me deixam falar, de Moema Viezer, e Com a pólvora na boca, de Júlio José
Chiavenato –, teriam feito a diferença nestes pobres e burros tempos de apagão
global, em que o ofício de editor se resume ao me(r)díocre ato de mandar
requentar textos vomitados pela corja camuflada por trás da Sociedade
Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Washington.
Esses pobres diabos, os penas de aluguel
contemporâneos, mal sabem que Lucho Espinal, além de sacerdote de rara
erudição, era Jornalista formado nas melhores escolas da Europa e que entre
1960 e 1968, no calor das transformações do Concílio Vaticano II, se destacou
no Jornalismo televisivo espanhol ao afrontar o franquismo opressor em sua
terra, a Catalunha, e por isso acabou sendo levado a um exílio contra a sua
vontade para a Bolívia, como professor na Universidade Católica de La Paz.
Chegara no ano seguinte ao assassinato covarde de
Ernesto Che Guevara, em plena ditadura de René Barrientos, mesmo assim logo de
início se destacou pela ousadia de produzir e comandar um programa na emissora
de televisão estatal, e que não demorou muito para ser censurado. Seu texto
indignado era de uma presença de espírito descomunal, tal qual a escultura que,
décadas depois, foi entregue por um Presidente índio, das camadas populares, eleito
e reeleito pelo voto democrático, ao Sumo Pontífice católico nascido na Argentina
de Ernesto Che Guevara: “Se a Igreja e os opressores se identificam de tal
modo, a gente se pergunta o que foi feito do Evangelho, que foi pregado aos
pobres e levou a Jesus Cristo para a Cruz.”
Com rara capacidade de conciliar com brilhantismo
desconcertante as atividades docentes na Universidade Católica, conduzir uma
paróquia populosa na periferia de La Paz e dedicar-se ao Jornalismo
investigativo na mídia eletrônica, logo estava numa das melhores redações da
Bolívia: a do extinto diário Presencia
(jornal católico fundado no ano da Revolução de 1952 pelo emblemático
Jornalista Huáscar Cajías Kauffman, maior opositor dos regimes de exceção entre
1964 e 1982, e curiosamente fechado por ordem da cúpula da Igreja conservadora
em 1999, auge das reformas neoliberais empreendidas na Bolívia e demais países
latino-americanos).
Além de ter sido fundador e primeiro diretor do
emblemático e combativo semanário Aquí
(cuja consigna era “semanário do povo”), que fez escola, ele também foi o
artífice da criação, ao lado do Padre Pedro Tumiri (outro grande lutador das
causas maiores do povo boliviano), da Assembleia Permanente de Direitos
Humanos, uma das mais influentes entidades da sociedade civil latino-americana na
luta pelas liberdades democráticas, ainda forte e atuante.
E se tudo isso fosse pouco, dedicou-se ao cinema com
dois memoráveis documentários, premiados em grandes festivais pela temática social
e linguagem vanguardista, até porque ele entendia que, num continente com tanto
analfabetismo, nada melhor como o audiovisual para levar mensagens de esperança
e luta. Aliás, como missionário católico dera voz e vez aos milhões de
excluídos que constituem o milenar povo do país localizado no coração da
América Latina, e acabou torturado e morto por paramilitares em março de 1980.
Parece que sua eliminação física foi um (mau)
presságio para os tempos de uma segunda ditadura sanguinária que viria a se
abater sobre a Bolívia: os filhotes de Hugo Banzer dois meses depois tomaram
literalmente de assalto o frágil governo da Presidente constitucional Lidia
Gueiler Tejada e promoviam uma carnificina igual ou pior que a do seu nefasto
mestre, sob a batuta de dois narcogenerais, Luis García Meza e Luis Arce Gómez,
medíocres de cérebro mas ousados na peçonhenta arte da tortura.
Sob esse regime corrupto e sanguinário foram
torturados e mortos com requintes de crueldade nada menos que o combativo
senador e professor universitário Marcelo Quiroga Santa Cruz (quarto colocado
nas duas eleições presidenciais de 1979 e 1980) e o lendário líder operário
comunista Simón Reyes, além dos jovens dirigentes políticos no massacre
tristemente célebre da Calle Harrington, em La Paz. Junto com Lucho Espinal,
morria a nata da esquerda ética da Bolívia, para deixar os sabujos ruborizados
travestidos de esquerda entreguista, tal qual a que conhecemos por estas plagas.
Ahmad Schabib Hany
Este "texto indignado" foi generosamente publicado no Pravda, de Moscou (Rússia), com o título O significado do presente que o Papa Francisco recebeu na Bolívia (http://port.pravda.ru/busines/ 13-07-2015/39055-papa_bolivia- 0/), graças à querida Amiga-Irmã Amyra El-Khalili (http://amyra.lachatre. org.br/), colaboradora do emblemático diário russo, a quem agradeço com penhor, além de fazê-lo também à igualmente querida Amiga-Irmã Natalia Forcat (http://natcartoons. daportfolio.com/), que com sua capacidade persuasiva me instigou a tomar essa iniciativa, depois de ter estado algum tempo "fora do ar".
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