domingo, 8 de fevereiro de 2015

E o almoço ficou à espera de nós...



Como nunca, as crianças acordaram dispostas, alegres e entusiasmadas. É a primeira vez que irão a um sítio. Desde o dia anterior estão a me perguntar: Qual a diferença de sítio e fazenda, pai?! Será que podemos pegar nos pintinhos?! E correr pelo sítio?! E se acharmos uma onça?!... Em menos de meia-hora, estavam prontos. Tempo recorde para quem costuma se deitar depois da meia-noite, como eles, que desde bem pequenos fazem questão de me acompanhar enquanto trabalho.
Omar, dois anos mais velho, há muito tempo vem falando que quer morar “numa fazenda”, pois anda cansado do apartamento em que moramos. E Sofia, sua fiel escudeira, faz eco: que seja uma casinha, mas com quintal. Eles querem cachorros, gatos e, se possível, galinhas: adoram pintinhos. Até os brinquedos já se transformaram em animais domésticos em sua fértil imaginação... Também, pudera! A Vida toda – até a presente data – passaram dentro de um “aquário” que no final do dia se transforma em verdadeira estufa!
É inarrável a expressão de contrariedade feita quando receberam a notícia de que não seria desta vez. Precisei levá-los para dar uma volta pelo bairro antes do almoço, pois não queriam almoçar em casa: “Vamos almoçar no sítio!” “Mas você falou que íamos passear no sítio...” Felizmente, a volta pelo bairro, debaixo de um sol causticante, em menos de uma hora, permitiu um retorno tranquilo para o almoço, que foi demorado porque era outro o programa deles hoje. Coisas da Vida...
Dona Santina – a querida anfitriã, esposa de Seu Francisco de Assis e Mãe da querida Eliane Ceri – não ficou diferente. Quando falei com ela pelo telefone, estava desolada, triste, muito chateada com o acontecido: o imprevisto é capaz de mudar tudo, e desta feita fora o motor, que decidira se fundir sem dar aviso prévio. Antes tivéssemos ido por nossos meios, mas não havíamos combinado, sobretudo, por não conhecermos a localização do sítio, embora conhecêssemos há anos Seu Adão, irmão de Seu Francisco, presidente da associação dos pequenos produtores daquela agrovila, localizada no antigo Projeto de Assentamento Taquaral, fruto de uma conquista apoteótica do movimento de trabalhadores rurais, na década de 1980, em sua maioria oriundos do Acampamento Marcos Freire, ligados ao movimento de ocupação da fazenda Santa Idalina, no sul do estado.
E isto me leva à reflexão algo de que sou testemunha ocular, pois retornei a Corumbá (nessa época como correspondente do maior jornal do estado) exatamente no momento em que, final do regime de 1964, o governo do estado era chefiado por um democrata ex-cassado pelas medidas de exceção, e o município conduzido por um médico cuja vida pregressa tinha um forte viés democrático, não apenas por ter sido integrante do partido do ex-presidente JK mas, sobretudo, por ter permanecido, durante a vigência da ditadura, à margem da política, como poucos o fizeram, em solidariedade com as vítimas da peçonha dos perseguidores do arbítrio.
Pois naquele momento Corumbá (como outros municípios sul-mato-grossenses) se preparava para abrigar projetos de assentamentos rurais do INCRA, que, a despeito de ainda obedecer às diretrizes do governo do general João Figueiredo, coordenava o processo de execução da reforma agrária dentro dos parâmetros mais flexíveis. Com isso, iniciou-se o moroso mas efetivo processo de instalação de cinco projetos de assentamentos rurais: Tamarineiro I e II, Taquaral, Urucum e Mato Grande, todos sem qualquer infraestrutura e apoio das diferentes administrações municipais, que acintosamente os ignoram desde aquela época – mal sabem eles, ignorantes por ação ou omissão, que o município só não teve redução de sua população graças à vinda das mais de 5.000 famílias, que garantem não apenas a gorda fatia do bolo do Fundo de Participação do Município como aquece o mercado local, que também – salvo honrosas exceções – finge não conhecê-los, para agradar a caquética elite do século XIX que ainda não se apercebeu que vivemos o século XXI.
Sim, senhores, as heroicas famílias que dão vida, produzem alimentos e fazem história nos agora sete projetos de assentamento da região, sem o devido apoio das instituições do estado e do município, estão a enfrentar as adversidades que neste domingo pudemos partilhar, ainda que na condição de convidados. Mais que almoços a esperar os convidados que não vêm, as famílias esperam ações efetivas do Estado (com letra maiúscula) há décadas, ainda que muito dinheiro tenha sido anunciado nas festivas propagandas dos políticos estaduais e municipais, sempre, obviamente, em véspera de eleições.
E que não venham dizer que isso também “é culpa da Dilma”, como tudo ultimamente. Cinismo tem que ter limites, pois a paciência deles pode estar no fim.
Ahmad Schabib Hany

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