Como nunca, as crianças acordaram dispostas, alegres
e entusiasmadas. É a primeira vez que irão a um sítio. Desde o dia anterior
estão a me perguntar: Qual a diferença de
sítio e fazenda, pai?!
Será que podemos pegar nos pintinhos?! E correr pelo sítio?! E se acharmos uma
onça?!... Em menos de meia-hora, estavam prontos. Tempo
recorde para quem costuma se deitar depois da meia-noite, como eles, que desde
bem pequenos fazem questão de me acompanhar enquanto trabalho.
Omar, dois anos mais velho, há muito tempo vem
falando que quer morar “numa fazenda”, pois anda cansado do apartamento em que
moramos. E Sofia, sua fiel escudeira, faz eco: que seja uma casinha, mas com
quintal. Eles querem cachorros, gatos e, se possível, galinhas: adoram pintinhos.
Até os brinquedos já se transformaram em animais domésticos em sua fértil
imaginação... Também, pudera! A Vida toda – até a presente data – passaram dentro
de um “aquário” que no final do dia se transforma em verdadeira estufa!
É inarrável a expressão de contrariedade feita
quando receberam a notícia de que não seria desta vez. Precisei levá-los para
dar uma volta pelo bairro antes do almoço, pois não queriam almoçar em casa: “Vamos
almoçar no sítio!” “Mas você falou que íamos passear no sítio...” Felizmente, a
volta pelo bairro, debaixo de um sol causticante, em menos de uma hora,
permitiu um retorno tranquilo para o almoço, que foi demorado porque era outro
o programa deles hoje. Coisas da Vida...
Dona Santina – a querida anfitriã, esposa de Seu
Francisco de Assis e Mãe da querida Eliane Ceri – não ficou diferente. Quando
falei com ela pelo telefone, estava desolada, triste, muito chateada com o
acontecido: o imprevisto é capaz de mudar tudo, e desta feita fora o motor, que
decidira se fundir sem dar aviso prévio. Antes tivéssemos ido por nossos meios,
mas não havíamos combinado, sobretudo, por não conhecermos a localização do
sítio, embora conhecêssemos há anos Seu Adão, irmão de Seu Francisco, presidente
da associação dos pequenos produtores daquela agrovila, localizada no antigo
Projeto de Assentamento Taquaral, fruto de uma conquista apoteótica do
movimento de trabalhadores rurais, na década de 1980, em sua maioria oriundos
do Acampamento Marcos Freire, ligados ao movimento de ocupação da fazenda Santa
Idalina, no sul do estado.
E isto me leva à reflexão algo de que sou testemunha
ocular, pois retornei a Corumbá (nessa época como correspondente do maior
jornal do estado) exatamente no momento em que, final do regime de 1964, o
governo do estado era chefiado por um democrata ex-cassado pelas medidas de exceção,
e o município conduzido por um médico cuja vida pregressa tinha um forte viés
democrático, não apenas por ter sido integrante do partido do ex-presidente JK
mas, sobretudo, por ter permanecido, durante a vigência da ditadura, à margem
da política, como poucos o fizeram, em solidariedade com as vítimas da peçonha
dos perseguidores do arbítrio.
Pois naquele momento Corumbá (como outros municípios
sul-mato-grossenses) se preparava para abrigar projetos de assentamentos rurais
do INCRA, que, a despeito de ainda obedecer às diretrizes do governo do general
João Figueiredo, coordenava o processo de execução da reforma agrária dentro
dos parâmetros mais flexíveis. Com isso, iniciou-se o moroso mas efetivo
processo de instalação de cinco projetos de assentamentos rurais: Tamarineiro I
e II, Taquaral, Urucum e Mato Grande, todos sem qualquer infraestrutura e apoio
das diferentes administrações municipais, que acintosamente os ignoram desde
aquela época – mal sabem eles, ignorantes por ação ou omissão, que o município
só não teve redução de sua população graças à vinda das mais de 5.000 famílias,
que garantem não apenas a gorda fatia do bolo do Fundo de Participação do Município
como aquece o mercado local, que também – salvo honrosas exceções – finge não
conhecê-los, para agradar a caquética elite do século XIX que ainda não se
apercebeu que vivemos o século XXI.
Sim, senhores, as heroicas famílias que dão vida,
produzem alimentos e fazem história nos agora sete projetos de assentamento da
região, sem o devido apoio das instituições do estado e do município, estão a
enfrentar as adversidades que neste domingo pudemos partilhar, ainda que na
condição de convidados. Mais que almoços a esperar os convidados que não vêm,
as famílias esperam ações efetivas do Estado (com letra maiúscula) há décadas,
ainda que muito dinheiro tenha sido anunciado nas festivas propagandas dos
políticos estaduais e municipais, sempre, obviamente, em véspera de eleições.
E que não venham dizer que isso também “é culpa da
Dilma”, como tudo ultimamente. Cinismo tem que ter limites, pois a paciência
deles pode estar no fim.
Ahmad
Schabib Hany
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