Reconhecimento histórico
A vitória de Ainda estamos aqui como melhor filme internacional na cerimônia do
Oscar, mais que a maior conquista do cinema nacional, é reconhecimento
histórico do talento do artista e de sua consciência cidadã. O povo brasileiro,
de pé, aplaude seus artistas, que agem com cidadania enquanto seus ‘patriotas’ viajam com dinheiro público para implorar invasão
do Brasil.
Iniciamos dando os parabéns
merecidos a todo o elenco, aos roteiristas, à produção e à direção de Ainda estou aqui. Parabéns à Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton
Mello e Walter Salles e equipe! Acrescente-se a tudo isso o fato de o povo
brasileiro ter se identificado com um roteiro de caráter histórico num momento
em que pretensos pais
da república começam a
responder por crimes de lesa-pátria ao serem desmascarados por tentar um golpe
monstruoso com o assassinato do presidente eleito, vice-presidente eleito e o
presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Indicado em três
categorias, Ainda
estou aqui foi
contemplado em uma, mas lavou a alma do Brasil e dos amantes da Democracia em
todo o planeta. Imagine-se que tudo isto tenha ocorrido a pouco mais de um mês
da posse de um fascista que, por não ter sido julgado por tentativa de golpe de
Estado quatro anos atrás, virou presidente com ampla maioria nas duas casas do
Congresso Nacional dos Estados Unidos. E, pior, ameaça com seu delírio esquizofrênico
toda a humanidade.
Obviamente, 2025 entra para a história por uma série de
fatos, cujo mais relevante no momento em que escrevo é o reconhecimento pela
Academia de Cinema de Hollywood de um filme brasileiro que contraria os
interesses da extrema direita em todo o mundo. Ainda estou aqui, de
Walter Salles, com base na obra de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva,
ex-deputado do PTB cassado pelo AI-1 em 1964 e perseguido até a morte por
ajudar brasileiros que tentavam resistir aos abusos do regime, e de Dona Eunice
Paiva, viúva do desaparecido político que inspirou o autor, seu filho, como
artistas, roteiristas, produtores e direção.
O orgulho nacional está no alto neste carnaval de
2025. A
conquista do primeiro Oscar por um filme brasileiro se compara ao que, em
passado recente, representou ganhar a Copa Mundial de Futebol. Mas
não se trata da conquista do primeiro Oscar, ‘apenas’ -- como se isso fosse pouco,
há tanto tempo chegando perto, mas ‘batendo na trave’ --, essa vitória tem um
sentido muito mais emblemático. Como bem ilustra a charge de Alexandre Beck, o
denominado ‘drama biográfico’ trata de parte de nossa história, de nossa memória,
que alguns tentaram apagar de todos nós, cidadãos anônimos.
Rubens Paiva, lembrado por Ulysses Guimarães no ato
de promulgação da Constituição de 1988, foi sequestrado de sua própria casa por
homens fardados numa noite de janeiro de 1971 e, depois de aprisionar também sua Companheira,
Eunice Paiva, e duas de suas filhas mais velhas por alguns dias, nunca mais foi
visto com vida. Ele, um deputado cassado nos primeiros dias do nefasto regime,
teve esse fim trágico. Quantos milhares de outros brasileiros e brasileiras,
sem qualquer acusação formal e condenação pela justiça, foram privados de sua
liberdade, submetidos à tortura e até à morte sem que seus familiares pudessem,
ao menos, enterrar seus restos mortais?
Essa é a história do
regime de 1964, cuja verdade vem sendo escondida da população, em especial das
novas gerações. Estas, sem conhecer a história e doutrinadas por fakenews criminosas, fazem apologia a esse maldito
regime. Digo maldito por ter perdido, também, meu irmão quando, no Brasil, a ‘redentora’
comemorava seus ‘primeiros dez anos’. Quem teve um familiar morto em
circunstâncias nunca elucidadas sabe, porque viveu, o drama da família que
perde seu ente querido. E o pior, ainda, é o estigma que orbita sobre os que
sobrevivem a esse duplo, triplo assassinato: além de ter a memória enxovalhada,
o defunto vira ‘lição’ para os seus contemporâneos: “Veja o que ocorreu com
fulano!”
Ah, sim! E os patriotas? Muitos não conseguem
segurar sua contrariedade com a conquista. Primeiro, porque se trata de um fato
histórico em que seus ‘ídolos’ são desmascarados em escala mundial: o filme não
deixa dúvida de que o deputado cassado foi vítima de abusos de uma horda de
milicianos que se julgavam ‘donos’ da nação. Seus hoje idolatrados, seus mitos,
não passam de fora de lei covardes que se valeram da impunidade para cometer os
seus mórbidos atos libidinosos e assassinos. Tudo em nome de... ‘Deus, pátria e
família’!
Mas o pior é que alguns, membros da família do
inominável, viajaram até os Estados Unidos para implorar ao inominável de lá
que invadisse (sic) o Brasil e
depusesse o presidente da República. Como se não conhecessem a palavra e o
significado de soberania nacional. Não entendem, na prática, pois quando o palerma
daqui usou e abusou do cargo, arriou suas calças para se entregar aos gringos
do hemisfério norte e, não satisfeito com isso, jurou a sua bisonha lealdade a
gente como Elon Musk e assemelhados. Conduta própria de quem não tem a
hombridade de sair do armário e ser feliz...
E se isso fosse pouco,
proclamam-se inimigos da corrupção, mas se locupletaram cínica e asquerosamente
até com centavos, clipes e grampos. Com leite condensado, lubrificante anal e Viagra.
Empreenderam viagem à terra de seus amos e senhores -- os Estados Unidos! -- com
dinheiro público, recursos do erário nacional. Como, aliás, sempre o fizeram:
ou a imprensa corporativa desconhece que o palerma que só chegou a ser
presidente porque Lula foi impedido de ser candidato a presidente em 2018 fez orgias absurdas durante
todo o seu desgoverno? E não só ele, mas muitos que hoje como governadores e
parlamentares também se locupletaram compulsivamente.
Eis o grau de civismo,
consciência cidadã e, sobretudo, respeito ao Estado Democrático de Direito.
Tentando repetir o delírio orgástico cometido entre 2013 e 2018. O choque de realidade somente veio
depois da intentona de 8 de janeiro de 2023, quando foram todos -- isto é, os mais otários e otárias das hordas --
presos e julgados por tentativa de golpe e abolição do Estado de Direito.
Sentem-se injustiçados por não terem sido apoiados em sua loucura. O fascista é
assim: quando contrariado age como criança mimada, com toda a idade que tem e o
cinismo que encobre seus propósitos nada honestos e civilizados.
Não percam por esperar:
diversos juristas, ciosos do erário, já protocolaram inúmeras ações contra
esses otários, que com acinte e perversão cometem crimes de toda natureza. Além
de terem que reembolsar o Estado pela dinheirama gasta sem comedimento algum,
responderão a processo por crime de lesa-pátria, ao propor, como detentores de cargos
eletivos, a invasão do país por potência estrangeira e atentar contra o Estado
Democrático de Direito de maneira tão explícita, que dispensa maior materialidade.
Com patriotas de tão baixo nível, o que esperar de seus
hipotéticos projetos para o país? Virar um Haiti?
Diferentemente dos patriotas, fardados ou
não, os artistas e as pessoas humildes deste país-continente têm em comum
consciência cidadã e empatia, profunda empatia. Tudo o que foi conquistado pelos
humildes e muitas vezes anônimos brasileiros no Brasil e lá fora o fizeram
merecidamente, com denodo e generosidade. Não amealharam um centavo sob
pretexto de ‘defender a pátria’ para por trás se locupletar. Essa hipocrisia de
usar discurso de beato e patriota sempre foi recurso nada criativo das elites
canhestras e suas hordas de serviçais, inclusive fardados, que vão sendo, um a
um, desmascarados.
Por tudo isso, caro leitor, é preciso ler, mas ler
coisa que preste, em bibliotecas públicas, e autores de referência, para que os
facínoras dos ‘brasis perpendiculares’, ‘brasis de cócoras’ e ‘brasis
rastejantes’ não maculem obras conhecidas e reconhecidas com edições piratas e
destituídas de fidedignidade. Instruir, educar e formar nunca foram sinônimos
de doutrinar -- mas de emancipar, libertar, tornar autônomas mentes e corações.
Viva o cinema nacional! Vivas aos artistas e
cineastas! Vivas às culturas e às artes! Ainda estamos aqui!
Ahmad
Schabib Hany