RÉQUIEM PARA A ILUMINADA PROFESSORA
DÚNIA SAFA
A
jovem Professora Dúnia Safa, eternizada no ápice de sua existência vitoriosa,
nos ensina com seu longo e injustificável martírio que a Vida é resistência e luta,
mas sem perder a ternura e a alegria jamais.
O
dia 6 de fevereiro de 2020 entra para a história de nossas vidas como o mais
triste de todos, pois, embora preocupados com a longa permanência da jovem
Professora Dúnia Safa no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital de
Caridade de Corumbá, nutríamos a esperança de que logo, logo, estaria de volta ao
nosso convívio. Afinal, tratava-se de uma jovem vitoriosa, sinônimo de
resistência, alegria e incontáveis conquistas.
Mas
a jovem guerreira, frágil só na aparência, e sinônimo de delicadeza e determinação,
precisou seguir a inexorável jornada rumo à eternidade, como estrela de luz
própria cuja missão é iluminar, iluminar, iluminar...
Foi
assim em sua alegre infância e em sua adolescência de intensas conquistas,
fosse nos estudos ou nos certames a que se dedicou, não para competir, mas para
experimentar, pois sua alma peregrina lhe requeria intensidade, como que quisesse
compensar a brevidade de sua permanência neste mundo em que não cabem os/as
justos/as, os/as generosos/as, os/as solidários/as.
Foi
assim, também, quando decidiu, em sua tenra juventude, enveredar pela Educação,
em que o ofício não é outro que iluminar, abrir horizontes, estimular a
inquietude. Ela, a despeito de sua juventude, assim o fez por onde esteve,
fosse em substituição de alguma colega ou já no exercício pleno do magistério.
Quem
teve a sorte e o privilégio de partilhar de sua iluminada trajetória
universitária sabe de seu comportamento solidário e contagiantemente alegre. Eu,
modestamente, tive esse privilégio brevemente, quando me dirigia ao Bloco I da
Unidade 1 do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no
início de 2016, para umas esvaziadas aulas noturnas de Educação para as Relações
Étnico-Raciais, e nos encontrávamos nos corredores, quando me contava com os
olhos cintilantes suas inquietações. Não foram muitas oportunidades, é verdade,
mas foram marcantes, como em tudo a que fez.
Com
singular brilhantismo foi selecionada como professora substituta no mesmo ano
em que colou grau, e estava muito feliz por ser docente na universidade em que
se graduara. Foi esse, aliás, o tema de nosso encontro derradeiro, no início de
janeiro de 2020, quando ela, ao lado dos Pais Jalila e Munther Safa, e eu em
companhia de meus pequenos Omar e Sofia, conversamos sobre a oportunidade de
fazer o Mestrado em Corumbá, o qual seria seu próximo desafio não tivesse sido
a imponderabilidade da Vida.
Custa-me
muito, com sinceridade, ter que escrever este réquiem para alguém que vi
crescer desde tenra infância, filha e sobrinha de grandes Amigos/as e
Companheiros/as de causa, de luta, de solidariedade ao milenar Povo Palestino,
de cuja inesgotável riqueza ancestral é uma eloquente expressão. Seu
comportamento singular, marcado e marcante pela intensidade, pela alegria, pela
inquietude, pela infindável capacidade de vencer e convencer com humildade e
leveza.
Além
disso, a querida Professora que nos ensinou muito mais do que se pode imaginar é
homônima de minha igualmente querida Sobrinha, da mesma geração e idade, cuja trajetória
foi protagonizada nesta Corumbá de todos os povos, credos, convicções e
desafios. Cidadãs de um generoso tempo interrompido pelas forças do atraso, vicejam
a transformação que nossas gerações ousaram sonhar e realizar.
Expressão
fidedigna da alma palestina e pantaneira, a jovem Professora Dúnia Safa faz (no
presente) História, e seu legado de luz e alegre inquietude nos ensina que vale
a pena lutar por um planeta, por uma sociedade melhor, em que a infância, a
adolescência e a juventude tenham oportunidades e, sobretudo, garantias de que
o mundo que estamos lhes deixando precisa ser melhor que aquele que recebemos
das gerações anteriores a nós, livre de ódio, recalques, intolerância, mentiras
e hipocrisias.
Sou
testemunha de que o(a)s Amigo(a)s Jalila e Munther, seus orgulhosos e hoje
desolados Pais, devotaram os melhores dias de suas existências não só para formar
seus queridos/as Filhos/as como para contribuir efetivamente na construção de
uma sociedade em que a liberdade, a solidariedade, a generosidade, o amor, a
justiça social e a fraternidade universal não sejam palavras vãs...
E
hoje, quando o(a)s vejo tomado(a)s pela desolação, pela irreparável perda dessa
querida e iluminada jovem, quero dizer-lhes, com profunda sinceridade, que
todos/as partilhamos dessa profunda e indescritível dor, remetendo-me ao
fatídico dia em que meus saudosos Pais, 46 anos atrás, choravam copiosamente
sobre o corpo de outro jovem iluminado (de 25 anos), meu saudoso Irmão Mohamed,
cuja trajetória de luz e saber foi igualmente interrompida num contexto
lamentavelmente não muito diferente do que se prenuncia neste abominável
contexto histórico, de tiranetes e marionetes.
Por
essa e outras razões, continuar sua/nossa luta é a melhor forma de homenagear a
existência/resistência da querida e agora saudosa Professora Dúnia Safa, cuja
presença iluminada sempre permanecerá em nossas mentes, corações e ações
cidadãs.
¡Hasta
siempre, Compañera, y gracias por existir y resistir!
Ahmad Schabib Hany
Nenhum comentário:
Postar um comentário