Não por
acaso, a juventude e os estudos são o binômio que todo conservadorismo teme. E
falando claro: não basta ser jovem, é preciso ser estudioso(a), conectado(a) à
realidade, para estar à frente de seu tempo, na vanguarda.
E foi assim
como nasceu o que bem mais tarde foi denominado de “Movimento Estudantil”: já
na chamada Idade Moderna, durante o processo de afirmação da burguesia como
classe então revolucionária, o chamado Iluminismo (ou Enciclopedismo) era
exatamente isso – a soma do ímpeto juvenil com as luzes oriundas do saber.
Não só a
Revolução Francesa foi protagonizada, mas todo o processo de independência das
colônias da América, desde os Estados Unidos (em 1776) até as nações
ibero-americanas de nosso entorno, algumas bem depois do Brasil, dentro do
marco dos Libertadores da América (Simón Bolívar, Antonio José de Sucre, José
Martí, Andrés de Santa Cruz etc), contra o qual, lamentavelmente, conspiram os
golpistas que assaltaram o governo neste fatídico mês de maio, induzindo o(a)s
desinformado(a)s a ter preconceito contra a integração latino-americana, a
grande saída emancipadora desde os tempos coloniais do século XIX.
Aí, com
todo o devido respeito, o Brasil é uma exceção, vocês sabem: foi resultado de
um acordo entre as coroas inglesa e portuguesa, pelo qual coube ao povo
brasileiro ficar com a vultosa dívida externa portuguesa, como forma de
compensar a perda da colônia para os ingleses, ávidos de novos centros
provedores de matéria-prima e de mercados consumidores para os produtos do capitalismo
incipiente.
E por falar
em capitalismo, em menos de 50 anos, este sistema econômico enfrentou a sua
primeira grande crise, ainda durante a primeira Revolução Industrial: a
vigência de um mercado autorregulável (isto é, sem legislação que o
disciplinasse), associada a guerras por disputa de territórios, levou ao
agravamento da situação econômica, com a falta de matéria-prima, excesso de
alguns produtos e desemprego (era a primeira metade do século XIX). Isso levou
a classe operária a se organizar para defender seus direitos.
Nesse
contexto, nascem correntes filosóficas e políticas voltadas para os interesses
legítimos dos trabalhadores. Foi quando Marx e Engels escrevem o “Manifesto de
1848” e desenvolvem estudos sobre as contradições do capitalismo, consolidadas
na clássica obra “O Capital”. Isso serviu de ponta de lança para a organização
dos trabalhadores em todo o mundo, e, com eles, os intelectuais de vanguarda,
desejosos de uma sociedade mais justa, livre e solidária. Até a Igreja
Católica, por meio da encíclica “Rerum Novarum”, do Papa Leão XIII, saiu em
defesa do “mundo do trabalho”, muito embora houvesse outras motivações nos
bastidores.
No Brasil, desde
os tempos coloniais não foram poucos os intelectuais que, organizados em grupos
políticos, afrontaram os interesses dos colonizadores e ousaram contrapor-se,
ainda que à custa de sua liberdade e de sua própria Vida. Foi o caso de Zumbi,
no Quilombo dos Palmares; de Tiradentes, na opulenta Vila Rica das Minas
Gerais; Frei Caneca, em sua ousadia contra a herança colonial.
Antes, porém,
houve a manifestação (que não era solitária, pois havia uma rede de
solidariedade entre os irmãos jesuítas envolvidos nesses nobres ideais) de José
de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Antônio Vieira e André João Antonil. Embora
seja mais comum lermos na escola sobre os Sermões de Antônio Vieira e os poemas
de Anchieta, Nóbrega e Antonil escreveram muitas verdades aos seus irmãos
jesuítas e se viram envolvidos em complicações por sua, entre aspas,
“desobediência”.
A maior
prova disso é a obra clássica “Cultura e opulência no Brasil”, de Antonil, a
primeira obra verdadeiramente analítica sobre a cobiçada colônia, que passou
dois séculos sob censura, depois de publicada, trancafiada nos palácios da
metrópole, por ordem expressa da coroa, que alegava que sua publicação atentava
contra a segurança dos interesses coloniais.
Além deles,
tivemos Castro Alves e Gonçalves Dias, na luta pela abolição da escravatura, e Tomás
Antônio Gonzaga, contra a colonização portuguesa. Nossa literatura e nossa
história se confundem no relato dos movimentos emancipadores, seja contra a
escravidão ou contra a truculenta rapinagem colonial, que ainda hoje vive à
espreita, por meio de personagens de nossa política, nos maiores cargos da
República, e, pior, em nossos dias, quando um presidente interino é denunciado
por seus vínculos com a espionagem da maior potência militar contemporânea.
Pois,
enquanto as ex-colônias espanholas dispunham de inúmeras universidades com mais
de duzentos anos à época de sua independência, o Brasil só viria a implantar as
academias no início do século XX, por ocasião do centenário da independência.
Por conta disso, precisou recorrer a expedientes como o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB), de perfil conservador e oficioso (afinal,
funcionava como uma edícula do palácio imperial de Dom Pedro II). O IHGB foi o
responsável pela identidade imposta ao povo brasileiro, de que o Brasil era um
“país branco, católico e monarquista”, no intuito de legitimar a herança colonial
portuguesa, com sua dinastia.
Obviamente,
a despeito do oficialismo entranhado, não foram poucos os intelectuais
republicanos e abolicionistas capazes de liderar movimentos, como Frei Caneca,
Ruy Barbosa e Capistrano de Abreu. E é bom que se diga que eles não têm uma relação
direta com a Lei Áurea e a Proclamação da República, sobretudo esta última, que
não passou de um golpe, sem qualquer apoio popular, como retaliação à sanção
pela Princesa Isabel da lei da abolição da escravatura, sem assegurar, porém,
aos libertos as mínimas condições de vida ou qualquer indenização para que
vivessem com dignidade.
Mas, nesse
contexto acanhado e conservador, movimento mesmo, só viria a se constituir a
partir da segunda década do século XX, inclusive por conta de episódios
históricos de grande relevância, como a Semana de Arte Moderna acontecida em
São Paulo, o Tenentismo que norteou o jovem oficialato sedento de justiça e
liberdade, a Coluna Prestes que peregrinou por todo o país, e inclusive a
fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), como será possível constatar na
obra do célebre historiador Edgar Carone sobre o Movimento Sindical e a
República no Brasil.
Mas o
Movimento Estudantil, como vanguarda política nacional, só ganha expressão a
partir da década de 1930. Antes do famigerado MMDC, durante a conflagração da
Revolução Constitucionalista de 1932, de São Paulo. No Rio de Janeiro (então
capital federal), Recife, Salvador e São Paulo, jovens intelectuais de formação
universitária se organizavam em defesa de uma agenda política que tirasse o
Brasil da política café-com-leite e de sua lógica servil como país
agroexportador.
Não eram
poucos os integrantes de movimentos em que o estudantado estava cerrando os punhos
em favor da defesa, pela recém-fundada UNE (União Nacional dos Estudantes), por
reformas profundas, acompanhando educadores com o pioneirismo de Anísio
Teixeira (atualizadíssimo até hoje, com sua escola integral em tempo integral)
e escritores da estatura de Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira,
Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade (o primeiro em defesa da
independência editorial brasileira para desenvolver a cultura nacional, e os demais
em defesa da preservação do patrimônio histórico e da identidade cultural
brasileira).
E,
juntamente com eles (Anísio, Lobato, Graciliano, Bandeira, Andrade e Drummond),
as reformas pretendidas então, ganharam as ruas por meio de entidades como a
UNE com campanhas como O Petróleo é nosso,
pela criação da Sociedade do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e em defesa
da escola pública e laica, que deram origem à Petrobrás, ao IPHAN e à primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1962.
Sobretudo
depois da Segunda Guerra Mundial, o Movimento Estudantil se ampliou por todo o território
nacional, com a implantação de diversas universidades públicas pelo Brasil. Com
isso, nas décadas de 1950 e 1960 a UNE desenvolve programas de grande impacto,
com a participação de artistas (músicos e atores), como os Centros Populares de
Cultura (CPCs), na perspectiva de promover a diversidade da cultura popular
brasileira.
Programas
como os da UNE foram replicados, mais tarde, em outros projetos como o
Pixinguinha, o Asa Branca e o Seis e Meia, nos quais atores, compositores e
intérpretes como Gianfrancesco Guarnieri, Marieta Severo, Edu Lobo, Nara Leão e
Sérgio Ricardo, revelados nos CPCs da UNE, se engajam na defesa das identidades
brasileiras, de modo diverso e plural. Mas a juventude universitária não ficou
apenas nisso: campanhas nacionais em defesa da escola e universidade públicas e
gratuitas, a meia-entrada em eventos culturais e o passe estudantil
espalharam-se em todo o País, além da defesa das reformas de base durante os
governos democráticos de Getúlio Vargas (1950-1954), Juscelino Kubitschek
(1956-1961) e de João Goulart (1962-1964).
Desculpem,
mas vou reiterar: graças ao Movimento Estudantil, várias leis de defesa de
direitos da cidadania foram aprovadas naquela época: meia-entrada, meio-passe
estudantil, isenção de taxa escolar em universidades e escolas públicas,
restaurantes universitários, moradias estudantis, hospitais universitários,
escolas de aplicação e bolsas de estudo de permanência e de iniciação
científica. E, justiça seja feita, o fato de ter sido desengavetado o
projeto-de-lei que permaneceu 13 anos nos meandros do Congresso Nacional e que
somente em 1962 acabou virando lei federal: a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei Federal nº 4.024/1962), que em teve Anísio Teixeira seu
inspirador e defensor, mas que só teve vigência por apenas dois anos. Esse mesmo
fim teve Teixeira: foi sequestrado em plena via pública, torturado e morto, e
dias depois o seu corpo “achado” no fosso do elevador do prédio do amigo para
onde ia antes da emboscada.
Com o golpe
de 1º de abril de 1964, a UNE foi colocada na ilegalidade, seus dirigentes
presos, torturados e até mortos e desaparecidos. O último presidente da UNE,
daquela época, Honestino Guimarães, está desaparecido até nossos dias, pois seu
corpo sequer foi achado depois que foi detido “para averiguações”. Assim como a
UNE, os CAs (centros acadêmicos), DCEs (diretórios centrais de estudantes), as
UMEs (uniões municipais de estudantes) e UEEs (uniões estaduais de estudantes)
foram extintas por decreto, tendo sido editados dois decretos nefastos (o 228 e
o 477, que criminalizavam as atividades estudantis e as suas representações,
tendo como punição a expulsão do curso em que o acusado estivesse matriculado e
a proibição de voltar a estudar por dez anos), além da revogação da LDB de 1962
dois anos depois, e que foi sendo substituída em 1968 pela Lei Federal nº
5.540/1968 (“Lei da Reforma Universitária”, sobre o ensino superior) e em 1971 pela
Lei Federal nº 5.692/1971 (“Lei do Ensino Profissionalizante”, sobre o ensino
fundamental e médio), em decorrência do famigerado Acordo MEC-USAID (dos
Estados Unidos), as quais foram um verdadeiro retrocesso curricular: no caso da
primeira, extinção das cátedras, do conceito clássico de universidade e um
significativo esvaziamento curricular; na segunda, imposição da formação
técnica em detrimento da formação humanística, eliminação de disciplinas como
Filosofia no ensino médio e História e Geografia no ensino fundamental, e
imposição das disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social
e Política Brasileira (OSPB), Estudos Sociais, Educação Artística, Educação
Física e Programa de Saúde.
Durante os
21 anos de regime ditatorial, o Movimento Estudantil precisou se reinventar.
Para não cair no jogo da ditadura, foram desenvolvidas atividades culturais,
artísticas e até científicas, sempre com uma visão de cidadania, uma
perspectiva política de soberania popular. Entre 1968 (ano em que o Congresso
da UNE em Ibiúna foi atacado pela repressão) e 1977 (ano do reinício das
atividades do Movimento Estudantil depois que os trabalhadores do ABC
protagonizaram a maior greve da história, sob a direção de Luiz Inácio Lula da
Silva, então torneiro-mecânico da Volkswagen e presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo), em
Mato Grosso (antes da divisão, que se efetivou em 1979) uma tímida iniciativa
estudantil começava a se organizar em Cuiabá, Campo Grande, Dourados e Corumbá,
de modo espontâneo, mas muito organizado.
A de
Cuiabá, capital do estado, terra do memorável líder estudantil pré-1964 Gilney
Viana, era conduzida por um grupo ligado ao mais tarde célebre líder das
Diretas-Já, Dante de Oliveira, do qual participava um corumbaense (mais tarde seu
assessor, tanto na prefeitura como no governo do estado, Edésio Ribeiro da
Silva).
A de Campo
Grande, terra do emblemático líder estudantil de 1968 Aldo Arantes e dos
discretos Manoel Sebastião Lima, Carmelino Rezende, Onofre Lima, Fausto Matto
Grosso e Rubens Mandetta, tinha um leque um pouco maior, pois tanto na Cidade
Universitária da UEMT (Universidade Estadual de Mato Grosso), depois UFMS
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), como na FUCMT (Faculdades Unidas
Católicas de Mato Grosso), mais tarde UCDB (Universidade Católica Dom Bosco),
eram pelo menos nove cursos articulados, de modo discreto mas firme, para a reestruturação
do Movimento Estudantil, dentro da camisa-de-força dos chamados “Diretórios Acadêmicos”
(impostos pelo regime de exceção), liderados pela Filosofia (História,
Psicologia, Geografia, Matemática e Biologia, representados pelo DAFEZ,
Diretório Acadêmico Félix Zavattaro), Serviço Social (DAJS, Diretório Acadêmico
José Scampini), Engenharia Civil (DAPP, Diretório Acadêmico Pedro Pedrossian) e
Medicina (e Medicina Veterinária, representados pelo DAHERMA, Diretório
Acadêmico Hércules Maymone) – muitos com posições políticas bem definidas, mas
a maioria sem qualquer vínculo na época, destacam-se os atuais professores
doutores de renome nacional e bastante respeitados Amarílio Ferreira Júnior,
Paulo Roberto Cimó Queiroz, Marisa Bittar, Mariluce Bittar (in memoriam), José Carlos Ziliani, Mário
César Ferreira, Tito Carlos Machado de Oliveira, Arnaldo Romero (in memoriam) e Paulo Marcos Esselin,
além de profissionais bem sucedidos como Semy Ferraz, Ayrton Sampaio, Mauro
Bittar, Gilberto Silva, Flávio Teixeira, Luiz Eduardo de Souza, Mário Sérgio
Lorenzetto, Branca de Menezes, Jussimara Barbosa Bacha, Paulo César Pereira, José
Carlos Sampaio, Cândido Alberto Fonseca, Lélia Rita Sobral da Costa, Zirleide
Silva, Vera Lúcia dos Santos, Lairson Palermo e Caio Sobral da Costa (e, ainda
que sem qualquer expressão ou liderança, ouso incluir este aprendiz de cidadão
que lhes fala, que teima não desistir da luta).
Em
Dourados, terra dos incansáveis Laerte Tetila e Egon Krackecke, os estudantes de
Agronomia do então CEUD (hoje UFGD) protagonizaram a primeira greve da UFMS,
então recém-criada, tendo à frente um grupo de alunos, entre os quais o
lendário Gumercindo “Guma” Rodrigues, que depois de formado se mudou para o
Acre e passou a atuar profissionalmente em apoio às iniciativas do saudoso
Chico Mendes e os seringueiros de Xapuri, e o discreto Jorge Benevides, que
abandonou o curso e foi ser funcionário de carreira, concursado, no Itamaraty
(Ministério das Relações Exteriores).
Em Corumbá,
cidade-natal do combativo líder estudantil em Campinas Lejeune Mirhan, atualmente
sociólogo e professor universitário em São Paulo, atuavam, no contexto do
memorável DADAC (Diretório Acadêmico Dom Aquino Corrêa), a saudosa Heloísa Urt,
o incansável José Dílson Carvalho, a exuberante Roma Román Áñez, a discreta
Marlene “Peninha” Mourão e a contundente Janán Hany (depois professora na UFMS),
que se encarregaram de reconstruir, na terra de Lobivar de Matos, Apolônio de
Carvalho e Manoel de Barros, o Movimento Estudantil, recorrendo à organização
de grupos de teatro amador, sessões de cineclube (enviados desde Campo Grande
pelo pessoal do DAFEZ), e, sobretudo, integrando o então CEUC (hoje CPAN) ao
circuito nacional do Projeto Pixinguinha e ao inesquecível ciclo de debates
regionais “Perspectivas do Homem no Século XX”, que permitiram à comunidade
universitária assistir a memoráveis palestras, shows e peças teatrais memoráveis.
Se isso fosse pouco, a realização do VI SEPE (Seminário de Ensino, Pesquisa e
Extensão) em Corumbá em junho de 1984 – uma versão regional das assembleias
anuais da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) – coroou o
ápice protagonizado pelo CEUC, quando as vanguardas docente e discente estreitaram
os laços com o propósito de solidificar as bases de uma sociedade livre,
fraterna e solidária.
Graças à
solidariedade, coragem e prudência dos dirigentes estudantis de então, aos
poucos a vanguarda estudantil foi se articulando em níveis regional e nacional,
tendo participado dos emblemáticos Congressos da UNE de Salvador (1979) e
Piracicaba (1980). Com a chamada “abertura lenta, gradual e segura”, aos
poucos, o Movimento Estudantil foi ganhando cores políticas, como toda
democracia recomenda, e cada qual foi tomando seu rumo, mas não sem afirmar o
protagonismo juvenil do(a)s universitário(a)s sedentos de liberdade e de
democracia. Aliás, foi essa geração que preparou a agenda política para o
pós-1964, com a aprovação da luta por uma Anistia Ampla Geral e Irrestrita, uma
Assembleia Nacional Constituinte, ensino público e gratuito (fim das taxas e
sobretaxas), autonomia universitária, eleição direta para reitore(a)s e
vice-reitore(a)s das universidades públicas e nova legislação para a educação,
além das Diretas-Já, que levou às ruas milhões de pessoas durante 1983 e 1984,
entre outras iniciativas não menos importantes.
Durante o
governo Sarney, professore(a)s e aluno(a)s da UFMS promoveram, em todas as
cidades em que havia algum campus, um importante processo de participação
política chamado “UFMS na Constituinte”, entre 1986 e 1988, mobilizando,
debatendo e sensibilizando a sociedade para os grandes temas a serem propostos
aos deputados e senadores constituintes. Não por acaso, inúmeras bandeiras de
luta dos universitários foram consignadas na Constituição Cidadã, celebrada por
todos os movimentos populares, tendo a UNE participação total. Da mesma forma
aconteceu com o movimento dos “caras pintadas” no impeachment de Collor (em que
a CPI mista do Congresso Nacional comprovou desvio de dinheiro para as contas
pessoais do então presidente da República e pessoas de sua relação pessoal), em
1992, além de importante mobilização na Rio 92 (ou Eco 92), quando a Agenda 21
foi aprovada por um número de chefes de Estado e de governo nunca antes visto
num encontro promovido pela ONU em qualquer parte do mundo.
Entre 1985
(pós-regime de 1964) e 2005, no contexto da UFMS, despontaram o incansável estudante
de Agronomia do CEUD, Hélvio Rech, como vice-presidente regional da UNE, e o(a)s
estudantes de Engenharia Semy Ferraz, de Letras Ana Cláudia Salomão, de
Matemática Renato Gomes Nogueira (in
memoriam), de Pedagogia Anamaria Santana e de Jornalismo Gerson Jara, que
foram presidentes do DCE da UFMS na segunda metade da década de 1980 e início
da década de 1990. Período histórico
fecundo para o Movimento Estudantil, conquistas adicionais foram protagonizadas
dentro da UFMS, entre as quais a Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos, cujos
titulares estabeleceram uma interlocução produtiva, em que o direito à
assistência estudantil se efetivou, como a moradia e o restaurante
universitário foram implantados em todos os campi.
E aqui
vamos abrir um parêntese imprescindível para Corumbá. A realização, durante a gestão
do reitor Celso Pierezan, do projeto exaustivamente debatido pelo Professor
Fausto Mato Grosso (à época pró-reitor de Assuntos Acadêmicos) do Festival de
Corumbá, nos moldes do Festival de Ouro Preto (MG) – um ancestral bem-sucedido
do renomado Festival América do Sul do governo Zeca do PT, depois totalmente
descaracterizado nos governos de André Puccinelli e de Reinaldo Azambuja –, se
converteu numa usina de criatividade e cidadania, em que produtore(a)s
culturais e pesquisadore(a)s da academia se deram fraternalmente as mãos e
protagonizaram momentos memoráveis de resgate da diversidade cultural e de
preservação e valorização do patrimônio artístico e cultural do estado.
Nesse contexto,
o então CEUC desenvolveu importante papel de vanguarda no Movimento Estudantil,
tempo em que a atuação do estudantado corumbaense se equivalia à vanguarda
nacional, além das conquistas de uma qualidade maior do ensino e da pesquisa e
a infraestrutura necessária para assistir o(a) estudante (sobretudo restaurante
universitário e moradia estudantil) tinham memoráveis protagonistas, entre os
quais Joel de Carvalho Moreira, Manoel do Carmo Vitório, Maurício Lopo Vieira,
João Carlos Parejas Urquidi, José Carlos de Souza Martins, Deusmar Jatobá
Espíndola (in memoriam), Glauter
Cavalheiro, Mara Leslie do Amaral, Dary Jr., Gilson Sávio (in memoriam), Júlio Augusto Xavier Galharte, Marco Antônio Monje,
Joaquim Ivan do Amaral, Simone do Valle Leone, Kátia Braga, Grace Kelly Bastos,
Márcia Ivana do Amaral, Edson Barbosa, Jorge Eremites de Oliveira, Laércio
Honorato, Cristiane Sant’Anna de Oliveira, Aguinaldo Rodrigues, Ednaldo Torres
Taques, Anísio Guilherme da Fonseca, Zilda Maria Borges, Solange Gomes, Marta
Maricato, José Carlos Cacá de Oliveira e Simone Yara Benites, cuja contribuição
cidadã, inclusive depois de sua formação profissional, é notoriamente
reconhecida dentro de fora de Mato Grosso do Sul.
Com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã,
houve avanços históricos em todos os campos. Na educação, em decorrência da
luta de várias gerações do Movimento Estudantil, por meio da UNE e da UBES
(União Brasileira de Estudantes Secundaristas), o direito à educação pública e
gratuita, como dever do Estado, passou a constar do texto constitucional, entre
outros não menos importantes. Lamentavelmente, durante os dois mandatos
presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo que abandonou suas
convicções e passou oito anos privatizando tudo no Brasil, o dispositivo
constitucional relativo à educação foi modificado, com a inclusão das palavras
“família e sociedade” – assim, com base em deliberação do Congresso Mundial da
Educação para Todos, na Tailândia em 1992, uma emenda constitucional de
iniciativa do governo FHC, a educação passou a ser dever do Estado, da família
e da sociedade, abrindo uma brecha para um retrocesso a qualquer momento, seja
como o fim da gratuidade ou até mesmo a abertura para a iniciativa privada,
inclusive por meio de “ONGs” (entre aspas, de fachada), de orientação
neoliberal, que acabou influenciando a LDB de 1996.
Entre 2003,
quando o presidente Lula foi empossado, e 2016, quando a presidenta Dilma
Rousseff foi afastada mediante golpe parlamentar, foram consignados importantes
avanços no campo da educação, bem como em todas as políticas sociais, com a efetiva
participação do Movimento Estudantil, legitimamente representado pela UNE e
UBES: instituição do ENEM como forma de ingresso democrático às universidades
públicas (e inclusive algumas privadas), programas como Ciências sem
Fronteiras, as bolsas de iniciação científica, a política de cotas sociais e
raciais no acesso à universidade, o aumento das verbas para a educação (desde a
infantil até a pós-graduação), a criação de dezenas de universidades federais
em todas as regiões do Brasil, política de interiorização de cursos de
Medicina, Engenharias e, sobretudo, a criação dos institutos federais como
forma de ampliar a oferta de cursos técnicos e tecnológicos – o que, no caso de
Corumbá, representou a emblemática oportunidade para que dois irmãos oriundos
de famílias proletárias pudessem fazer pós-graduação no exterior e trabalhar em
empresas de renome internacional no campo da computação (um no Vale do Silício,
Estados Unidos, e o outro na Austrália).
E diga-se ainda
que nunca, em toda a história do Brasil, a juventude – e especificamente o estudantado
– teve tantas prerrogativas e oportunidades: só o(a)s desinformado(a)s podem
ignorar as políticas para a juventude, que envolveram programas como o Brasil
Jovem Cidadão e a rede de oportunidades destinadas aos jovens das camadas
populares em todos os estados do País, tanto da área urbana como rural. Isso
além da inquestionável ampla liberdade para promover seus protestos, sobretudo
os ocorridos a partir de junho de 2013 (em minha sincera opinião, equivocados,
porque desconexos e manipulados por grupelhos “invisíveis”, por meio da
internet, que mais tarde assumiram nomes de supostas ONGs de um “dono” só, como
o “Vem Pra Rua”, “Movimento Brasil Livre”, “Tchau Querida” e tantos outros
similares espalhados por todos os cantos dentro e fora do território nacional).
Isto, aliás,
decorrência da chamada globalização e da estratégia geopolítica da “dominação
de amplo espectro”, segundo denuncia o historiador brasileiro Moniz Bandeira há
anos. A saudável e necessária inquietação juvenil sendo, por má-fé e
desinformação, manipulada por grupelhos de nazistas e fascistas que difundem o
ódio, o preconceito e a intolerância com o único afã de promover distúrbios
como os que antecederam a Copa do Mundo em 2014. Esse foi o estopim para que
interesses do chamado império do caos ganhassem adepto(a)s no país, com a
reedição daquilo que ficou conhecido como “Primavera Árabe”, e mediante
recursos deploráveis, com a participação de setores antiéticos da imprensa e do
legislativo, além de uma minoria no judiciário e nos órgãos de segurança, conseguiram,
de forma orquestrada, a desestabilização política e econômica da maior potência
continental, sob vários pretextos: ora era a corrupção, ora era a “ameaça comunista”
(que desde o fim da União Soviética não mais existe), ora era a baixa qualidade
dos serviços públicos de saúde, de transportes, de educação, de segurança
pública etc. Tudo, na verdade, pretexto para reverter os altos índices de aceitação
da presidenta da República, então com mais de 80% de popularidade às vésperas
das eleições presidenciais de 2014, até a obtenção daquilo que pretendiam.
Mas, apesar
do individualismo e da apatia pela perda de identidade por efeito da hegemonia
do pensamento massificante e despersonalizado da globalização, o Movimento
Estudantil no atual contexto histórico vem dando provas eloquentes de sua
vitalidade. Isso está sendo constatado ao longo de 2015 e 2016, sobretudo nas
capitais e nas regiões metropolitanas. Aliás, São Paulo e Curitiba têm sido um
palco revelador da violenta repressão policial, há pouco inimaginável, contra
os estudantes que se mobilizaram para barrar o projeto de desmonte das escolas
estaduais e dos centros tecnológicos estaduais, sob as ordens dos mesmos
políticos que, tendo perdido as eleições presidenciais de 2014, tomaram de assalto
o governo federal para impor seu projeto indefensável, porque antipopular e
antinacional, fragorosamente derrotado desde 2002.
Para
concluir, lembro uma consigna muito em voga no Movimento Estudantil de minha
geração, atribuída a um grande brasileiro vitimado por suas convicções
socialistas, Gregório Bezerra, de que “a prática, e somente a prática, é o
critério da verdade”. Até porque não se vive de intenções...
Encerro,
assim, com alguns versos do grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade,
de seu extraordinário poema “Mãos Dadas”: