AVANÇOS E DESAFIOS NO CONTROLE SOCIAL EM CORUMBÁ
A posse, com mais de dois meses de atraso, dos membros do Conselho
Municipal de Saúde de Corumbá – particularmente dos segmentos dos usuários do
SUS e dos trabalhadores em saúde, legal e legitimamente eleitos em
assembléia-geral sob a coordenação do Fórum Permanente de Entidades Não
Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), por meio do Fórum dos
Usuários do SUS e do Fórum dos Trabalhadores em Saúde, e a prévia comunicação
ao Ministério Público – nos leva a uma reflexão inadiável, sincera e coletiva
sobre os avanços e desafios do controle social em nossa região.
Se, por um lado, é indiscutível o avanço institucional do controle
social em nosso município, por meio de mecanismos democráticos exaustivamente
pleiteados pelos anônimos cidadãos que estoicamente têm se dedicado à muitas
vezes incompreendida labuta cidadã (onerosa, inclusive financeiramente, pois
ninguém os recompensa pelo tempo dispensado e das despesas empreendidas, além
dos incontáveis constrangimentos morais de que são alvo) – e o fundamental
apoio do Ministério Público –, há, por outro lado, uma minoria silenciosa que
conspira contra preceitos constitucionais relevantes, no afã de coibir o
exercício do controle social, inclusive por meio de argumentos de uma
legalidade duvidosa, repudiada, aliás, por ninguém menos que o notável
doutrinador Edson Sêda (um dos redatores do Estatuto da Criança e do
Adolescente) em sua recente visita a Corumbá.
Até o ato de posse, aliás, foi emblemático. É verdade que não houve
água, café e biscoitos, embora tivesse sido marcada para as onze da manhã e os
representantes da administração municipal só tivessem chegado por volta do
meio-dia. Mas, é bom que fique para os anais da história do controle social,
sobrou boa-vontade e desprendimento dos recém-empossados para, a despeito da
total falta de infra-estrutura do auditório (sem mesa de trabalho e até sal
para combater a queda de pressão arterial por conta da não ingestão de
alimentos na hora do almoço), ouvir atentamente uma sucessão de breves relatos
de nada menos que catorze projetos, aprovados a toque-de-caixa, mais por
acreditar na boa-fé dos gestores locais que por cumprir com as prerrogativas de
conselheiro, tortura que só teve fim às catorze horas e trinta minutos, quando
fizemos questão de nos comparar às vítimas de estupro.
Para melhor compreensão do termo “controle social”, faremos uma breve
retrospectiva à História Universal. A primeira vez que o termo foi usado,
durante o conturbado período de consolidação da França pós-Revolução de 1789,
essa locução tinha conotação policialesca, pois os revolucionários de então
entendiam que cabia ao Estado o “controle da sociedade” – e o resultado dessa
experiência sócio-política entrou para a História, com o final melancólico do
regime pós-revolucionário sob as patas do cavalo de Napoleão Bonaparte, da
mesma forma que a experiência do chamado socialismo real experimentado pela
extinta União Soviética, cujo fim todos também conhecemos.
Mas foi o constituinte brasileiro que, entre 1987 e 1988, ouvindo os
clamores dos movimentos sociais articulados pelos setores da sociedade civil
organizada – entre os quais o Movimento da Reforma Sanitária e o Movimento
Criança Constituinte Prioridade Absoluta, por exemplo –, ousou introduzir esse
termo no cotidiano da vida cidadã do Brasil pós-Constituição Federal de 1988.
Desde então, sobretudo no título da Ordem Social da Carta Magna, “controle
social” passou a ser sinônimo de participação pública, participação cidadã ou
participação popular – até porque, pela nova Lei Maior, o Brasil não é apenas
uma democracia representativa, mas também participativa, razão pela qual todas
as políticas públicas passaram a dispor de um órgão colegiado de caráter
deliberativo chamado conselho nas três esferas de governo, dispondo de um fundo
público gerido sob o monitoramento da sociedade e mecanismos efetivos de
capacitação dos técnicos ou agentes sociais engajados num tipo de intervenção
qualificada, denominado projeto, cujo financiamento passou a ter um tratamento
impessoal, transparente, ético e acima de tudo público (ou seja, não privado,
como sempre foi na breve história republicana latino-americana).
Depois da ressaca do fracasso collorido, quando o Movimento Pela Ética
na Política do saudoso sociólogo Herbert de Souza (carinhosamente Betinho)
chamou a atenção de toda a sociedade para a falta de prioridade às políticas
sociais em sua memorável Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida
(popularmente conhecida por Campanha contra a Fome), em Corumbá, no coração do
Pantanal e da América do Sul, sob a generosa coordenação de Dom José Alves da
Costa (bispo emérito da Diocese de Corumbá), precisamente em 1993, era
desencadeada uma verdadeira reviravolta na história de Corumbá: iniciado na Segunda
Semana Social Brasileira, o movimento foi ganhando expressão e logo se traduziu
no Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania, que mais tarde culminou
com o Pacto Pela Cidadania (ou Movimento Viva Corumbá) e o Fórum Permanente de
Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário.
Essa construção cidadã foi feita à luz do dia e ao lado de homens e
mulheres de boa-vontade, como o Padre Pascoal Forin (então vigário-geral da
Diocese e pároco de São João Bosco), Pastor Fernando Sabra Caminada (da Igreja
Presbiteriana), Pastor Marcelo da Silva (da Primeira Igreja Batista), Irmã
Antônia Brioschi (diretora do GENIC), Irmã Zenaide Britto (diretora da
Creche-Lar Santa Rosa), o saudoso Padre Antônio Müller (pároco de Nossa Senhora
de Fátima), Padre Júlio Mônaco (pároco de Nossa Senhora dos Remédios), Padre
Ernesto Sassida (idealizador e diretor da Cidade Dom Bosco), professora Rosa
das Graças Nunes Delgado (representante da União Espírita de Corumbá), a
bancária Fátima Garcia (representante dos funcionários da agência local de um
dos bancos oficiais do Brasil), a eletricitária Elígia Assad (funcionária de
uma antiga estatal de eletricidade), a saudosa professora Maria de Paula e seu
esposo Zózimo de Paula (membros da comunidade presbiteriana), os agentes de pastoral
Luiz Carlos Vargas, Amélia Pereira de Santana Zanella, Milton Jacques Zanotto e
Ivaneide Terezinha Minozzo (da Pastoral Social da Diocese), os sindicalistas
Anísio Guilherme da Fonseca (da Ferrovia), Mara Leslie do Amaral (da
Previdência), Cristiane Sant’Anna de Oliveira (do magistério privado), Ednir de
Paulo (da Câmara Municipal), Aurélio Mansilha Tórrez e Sonner Rodrigues da
Silva (do SINDEESSAÚDE), Reginaldo Rodrigues de Almeida e Gumercindo Sarapião
de Carvalho (dos Correios), Alexandre Gonçalves dos Santos e Luiz Carlos Rocha
(dos camelôs), Antônio Corrêa (dos taxistas) e Mirane dos Santos Costa (da
Embrapa), artista plástica Marlene Terezinha Mourão (Peninha), escritor Augusto
César Proença (da Sociedade dos Amigos da Cultura), o saudoso jornalista Márcio
Nunes Pereira (do Diário de Corumbá), os ativistas culturais Arturo Castedo
Ardaya e Heloísa Helena da Costa Urt, os comerciantes Jorge José Katurchi, Luz
Marina Cavalcante da Silva, Balbino Gonçalves de Oliveira e Vera Anache, os
advogados Carmelino Arruda Rezende e Walter Mendes Garcia, os engenheiros
Francisco Fausto Mato Grosso Pereira e Elano Holanda Saldanha, a advogada
Denise Mansano, os dentistas Lamartine de Figueiredo Costa e Robson Ajala Lins,
as médicas Angélica Anache e Rosemeire Fernandes Árias, os saudosos médicos
Pedro Paulo de Barros Lima, Humberto da Silva Pereira e Salomão Baruki, a
saudosa dentista Mary de García, os saudosos advogados Joilce Viegas de Araújo,
Lício Benzi Paiva Garcia e Pecy de Barros Por Deus, as estudantes Adriana
Ferraz Santos, Simone Yara Benítez e Adriana Lara de Souza, a benfeitora Cerise
de Campos Barros (da Associação das Senhoras Católicas da Diocese de Corumbá),
os jornalistas Luiz Taques e Edson Moraes, os psicólogos Juvenal Ávila de
Oliveira, Aguinaldo Rodrigues, Tânia Nozieres de Sant’Anna, Maria Helena Faria,
Marilza da Silva Pinheiro e Delari Botega Ebeling, as enfermeiras Lourdes
Missio, Margarete Knok Mendonça e Socorro de Maria Pinho, o saudoso
farmecêutico Volmar Walter Rien, os professores Valmir Batista Corrêa e Celso
Cordeiro (UFMS), Marco Antônio Monje e Raul Nunes Delgado (SINTED), as
professoras Margarida Garrido Duarte (Cidade Dom Bosco), Mariléia Ribeiro
(GENIC), Judith Pedreira (Santa Teresa) e Clélia Regina Duarte (da Sociedade
Espírita Francisco de Assis), as assistentes sociais Eliane Barreto Melo
Pereira, Dulce Regina Amorim e Estela Márcia Scandola, os aposentados Alcides
dos Santos Ribeiro (da FAPEMS), Vergínio Alves de Morais (da SUCAM), José
Batista de Pontes (da SEAPAN), Ariodê Martins Navarro (Pastoral da Criança),
Assunção do Carmo Vieira (da AAPIC) e João Gonçalves Miguéis (da LEMAC), Pastor
Antônio Ribeiro (da Igreja Batista Missionária), as servidoras Nelly Ramona
Costa dos Santos e Edna de Freitas, a biblioteconomista Elenir Machado de Melo,
o artesão Carlos Canavarros, os saudosos poetas Rubens de Castro e João Lisboa
de Macedo, a saudosa dona Laura Pinheiro (da ACLAUD) e o incansável Armando
Carlos Arruda de Lacerda, discreto colaborador.
Se, na calada da noite, o crime organizado tenta impiedosamente assediar
seu contingente de súditos para amealhar o tecido social tenuemente constituído
nesta sociedade de tradição excludente – ousando não apenas recrutar para suas
tropas adolescentes sem perspectivas e adultos em desespero, mas bizarros
líderes de si mesmos que pretendem escalar os generosos espaços da democracia
por meio da compra de consciências e a troca de vantagens – há felizmente
aqueles que diuturna e discretamente oferecem o melhor tempo de suas vidas para
a construção de uma sociedade liberta, solidária, justa e igualitária para que
a humanidade não venha a ser refém da barbárie que ronda os lares, as vidas e
as esperanças das sociedades contemporâneas.
Como bem disse o poeta: a história é um carro alegre, cheio de povo
contente, que atropela indiferente aquele que ousar impedi-lo.
Ahmad Schabib Hany
PS: Dedicamos este artigo-reflexão à memória do agora saudoso advogado
Walter Mendes Garcia, cuja notícia de seu lamentável falecimento nos chega no
momento em que o concluíamos. O querido doutor Walter Mendes Garcia, além de
Pai do grande Amigo William Garcia, era um advogado da maior dignidade,
batalhador dos Direitos Humanos e das liberdades democráticas que nos foi
generosamente apresentado pelo também querido Amigo, o doutor Carmelino Rezende
em fins da década de 1980.