A GESTANTE E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
RESUMO
Partindo do entendimento de
que a mãe tem uma participação fundamental dentro da família, sobretudo quando
diz respeito à saúde – pois são elas que determinam muitos dos comportamentos
que seus filhos adotarão –, este trabalho de conclusão de curso tem por
objetivo demonstrar, com base em pesquisa bibliográfica, o papel do Assistente
Social no oferecimento de qualidade de vida e de saúde das gestantes, proporcionando
subsídios para que elas repassem conhecimentos adquiridos aos seus filhos. Além
de contribuir para o reconhecimento do exercício profissional do Assistente
Social no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), durante o desenvolvimento da pesquisa, por meio da presença dos
estudantes nas reuniões e atividades junto às gestantes, fomentou sobremaneira
a integração com as gestantes, possibilitando um esclarecimento acerca das
dúvidas, para promover saúde as mães e permitindo que os estudantes atuem
melhorando na qualidade de vida das mesmas.
Palavras-chave: Qualidade de vida. Gestante. Assistente Social.
RESUMEN
Partiendo de la comprensión de que la madre tiene una participación
determinante en el tejido familiar, sobre todo con respecto a la salud – pues son
ellas que determinan muchos de los procederes que sus hijos adoptarán –, este
trabajo de conclusión de curso tiene por objetivo demostrar, con base en revisión
bibliográfica, el papel del Trabajador Social en el contexto de la garantía de calidad
de vida y de salud de señoras embarazadas, proporcionando subsidios para que ellas
repasen conocimientos adquiridos a sus hijos. Además de contribuir para el
reconocimiento del ejercicio profesional del Trabajador Social en el Sistema
Único de Salud (SUS) y en el Sistema Único de Asistencia Social (SUAS), en el
desarrollo de la investigación, por medio de la presencia de los estudiantes en
las reuniones y actividades con las embarazadas, fomentó sobre manera la
integración con las gestantes, posibilitando aclarar algunas dudas, para la
promoción de la salud de las madres y permitiendo que los futuros trabajadores
sociales actúen mejorando la calidad de vida de las mismas.
Palabras claves: Calidad de vida. Gestante. Trabajador Social.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 8
2. OBJETIVOS .................................................................................................................. 11
3. ANTECEDENTES
HISTÓRICOS DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL ............. 12
3.1
EVOLUÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA ............................................................ 16
4. GESTAÇÃO: QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE ................................................... 21
4.1
CONCEITO DE QUALIDADE DE VIDA ................................................................. 21
4.2
GESTAÇÃO ............................................................................................................... 23
4.3
DIREITOS DA GESTANTE ...................................................................................... 25
5. LEGISLAÇÃO POSTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1988
................................ 28
5.1
“CONSTITUIÇÃO CIDADÔ ..................................................................................... 28
5.2
LEI ORGÂNICA DA SAÚDE ................................................................................... 29
5.3
LEI ORGÂNICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ....................................................... 34
5.4
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ............................................................................... 36
5.5
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL .................................................... 38
6. O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NA
GARANTIA DE QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE À GESTANTE ................................................................................................. 41
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 47
REFERÊNCIAS...............................................................................................................
49
1 INTRODUÇÃO
Tendo como pressuposto que a família desempenha um papel determinante na
sociedade e que a mãe é o pivô da estrutura familiar, sobretudo no contexto da
saúde – são elas que determinam muitos dos comportamentos que seus filhos
adotarão –, o presente trabalho visa demonstrar, com base em pesquisa bibliográfica,
o papel do Assistente Social no oferecimento de qualidade de vida e de saúde
das gestantes, proporcionando subsídios para que elas repassem conhecimentos
adquiridos aos seus filhos.
Além de contribuir para o reconhecimento do exercício profissional do
Assistente Social no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), durante o desenvolvimento da pesquisa, por meio da
presença dos estudantes nas reuniões e atividades junto às gestantes, fomentou
sobremaneira a integração com as gestantes, possibilitando um esclarecimento
acerca das dúvidas, para promover saúde as mães e permitindo que os estudantes
atuem melhorando na qualidade de vida das mesmas.
A gestação é um período de desenvolvimento e mudanças importantes para o
crescimento e desenvolvimento da vida humana. Trata-se de um momento em que
existem adaptações fisiológicas preparando o organismo materno para receber o
feto em crescimento até que esteja em condições de nascer. Essas alterações
ocorridas pelo desenvolvimento do feto ocasionam mudanças na postura da
gestante, no seu equilíbrio, percepção corporal, gasto energético e nas
propriedades biomecânicas.
O desenvolvimento deste trabalho partiu da necessidade de estudos sobre
o tema, pois atualmente são poucos os estudos disponibilizados em âmbito
regional que relatam sobre a contribuição do profissional de Serviço Social
para a qualidade de vida da gestante e a garantia da saúde do recém-nascido e
por extensão de toda a prole. Por outro lado, as gestantes estão procurando
mais informações sobre as alterações que estão ocorrendo no próprio corpo e a
também buscam mais qualidade de vida com a prática de exercícios físicos, além
de que os profissionais que trabalham com esta população sentem falta de maior
suporte científico para atuarem de modo multidisciplinar e interprofissional.
Nesse
universo, o papel do Assistente Social é instigante e desafiador, ainda mais
quando se trata do exercício profissional no contexto do Sistema Único de Saúde
(SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em processo de
implantação. Até porque, conforme definido em lei que regulamenta a profissão,
é de responsabilidade do Assistente Social o bem-estar no meio social, por meio
de projetos e programas de origem pública ou privada, de modo a promover ações
para melhorar as condições de vida da população em situação de
fragilidade/vulnerabilidade social e econômica, atuando na integração do
indivíduo ou de segmentos sociais no conjunto da sociedade, no intuito de
transformar a realidade social para diminuir as diferenças socioeconômicas
mediante a elaboração e execução de projetos que visem proporcionar melhorias
em saúde, educação, saneamento, alimentação, habitação, garantindo direitos
sociais inerentes a toda a população.
Ademais, é fator
relevante para este trabalho ressaltar também a contribuição para o espaço
científico do Serviço Social e, sobretudo, a importância do trabalhador social
na consolidação do SUS e do SUAS, seu papel por meio de intervenções
norteadoras e um proceder metodológico, ético-político circunscrito no teor do
exercício da profissão, assim como as evidências de um trabalho comunitário
perspicaz, em que a garantia de qualidade de vida à gestante, e por extensão ao
recém-nascido e à família como um todo faz a diferença na formação de um novo
paradigma social neste novo milênio.
Assim,
novos eixos de atuação se apresentam para o profissional de Serviço Social. E,
com base nesse entendimento, analisar-se-á o campo de atuação que se apresenta
nesse universo, muitas vezes não aproveitado para transformar em espaço de
trabalho profissional a construção de novas ideias e novas propostas de
melhorias, isto é, uma nova posição frente às mudanças e às demandas geradas
pelo desenvolvimento da sociedade contemporânea.
A presente monografia foi desenvolvida com base em pesquisa bibliográfica
em fonte secundária, tendo sido estudados Elza Baracho, D. Becker, E. A.
Bonetti, Maria Inês Souza Bravo, Maurílio Castro de Matos, Leônia Capaverde Bulla,
Antônio Carlos Gil, Marilda Vilela Iamamoto,
Raul Carvalho, Vitor K. R. Matsudo, Sandra M.M. Matsudo, Vanice Maria Schaedler, José Fernando Siqueira da Silva,
Adalgisa Sposati, M. Falcão, Alicia Santolini Tonon e Juliene Aglio,
além de sites do governo federal para
obtenção de dados oficiais, legislação e descrição de programas sociais. A
redação final contém seis seções: na primeira seção, apresenta-se a
introdução ao tema; a segunda seção aborda os objetivos e a metodologia adotada
na execução da pesquisa; na terceira seção, trata-se dos antecedentes
históricos do Serviço Social no Brasil; a quarta seção analisa a realidade da
gestante e a evolução de seus direitos junto à sociedade, à saúde e ao trabalho;
na quinta seção estudou-se a legislação brasileira posterior à promulgação da Constituição
Federal de 1988 nos campos da saúde e da assistência social (Lei Orgânica da
Saúde e Lei Orgânica da Assistência Social) e a implantação do SUS e do SUAS; a
sexta seção discute o papel do assistente social no oferecimento e garantia de
qualidade de vida à gestante e ao recém-nascido no âmbito do SUS e do SUAS; e nas
considerações finais, faz-se uma reflexão baseada na pesquisa em tela, com
ênfase para o compromisso ético-profissional do assistente social, a fim de se
consolidar a atuação propositiva, em vez de meramente executiva, e se resgatam
as propostas apresentadas pela experiência narrada por Schaedler (2005) em
Toledo (PR), acerca do trabalho do profissional de Serviço Social em unidade
básica de saúde da família, em que gestantes e recém-nascidos foram acolhidos
dentro de uma iniciativa em que docentes e alunos do curso de Serviço Social
foram protagonistas.
2 OBJETIVOS
Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo geral
analisar o exercício profissional do assistente social no oferecimento e
garantia de qualidade de vida à gestante e, por extensão, à mãe, ao
recém-nascido, aos filhos e demais membros da família, estrutura básica da
sociedade contemporânea.
São objetivos específicos: a) apresentar os antecedentes históricos do exercício
profissional do assistente social no Brasil; b) analisar a gestação no ambiente
da saúde e da assistência social, à luz de seus conceitos, e os direitos da
gestante junto à sociedade, à saúde e ao trabalho; c) estudar a legislação
brasileira da saúde e da assistência social posterior à promulgação da
Constituição de 1988 (LOS e LOAS) e a implantação do SUS e do SUAS; d) discutir
o papel do assistente social no oferecimento e garantia de qualidade de vida à
gestante e ao recém-nascido no âmbito do SUS e do SUAS.
A título de justificativa, a escolha do tema decorreu da necessidade de
dados e estudos dentro dessa temática, pois são poucas as pesquisas em âmbito
regional que tratam da intervenção do assistente social no contexto da
qualidade de vida da gestante e da saúde do recém-nascido e por extensão de
toda a família. Procurou-se, a partir daí, elencar fatores e aspectos de modo a
elaborar uma reflexão sobre o exercício profissional do assistente social no
oferecimento e garantia de qualidade de vida à gestante e ao recém-nascido pelo
SUS e SUAS.
Já no processo de execução do trabalho, na etapa relativa ao
referencial teórico, foi adotada a metodologia de pesquisa bibliográfica em
fonte secundária (GIL, 2002). A pesquisa foi realizada durante o quinto
semestre do curso com aproveitamento dos estudos em estágio supervisionado,
tendo sido elaborada a fase dissertativa durante o sétimo e oitavo semestres.
Houve também acesso a informações de caráter teórico-metodológico mediante
pesquisas online, referências
digitais, revisões bibliográficas, trocas de informações e orientações por meio
dos profissionais da área.
3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
Fruto das lutas pela redução das desigualdades sociais ocorridas
no final do século XIX nos Estados Unidos e Europa, o ramo das Ciências Sociais
que mais tarde passou a ser denominado Serviço Social detinha um perfil filantrópico
– mediante a atuação caritativa de pessoas vinculadas ao empresariado, à igreja
e ao Estado. Tal experiência foi realizada nos Estados Unidos, Inglaterra e
Alemanha, países onde o desenvolvimento do capitalismo industrial fazia a
sociedade rever os conceitos relacionados à autorregulação do mercado, sem a
mínima intervenção do Estado. (BULLA, 2003).
Com as encíclicas Rerum
Novarum (do Papa Leão XIII, em 1891) e Quadragesimo
Anno (do Papa Pio IX, em 1931), a Igreja Católica evidenciava a preocupação
de recristianizar o mundo, passando a exercer maior influência para o Estado
intervir nas relações entre capital e trabalho, sobretudo numa época marcada
por crises econômicas e sociais decorrentes de guerras, inclusive a Primeira
Grande Guerra (1914-1917), e conflitos sociais, entre os quais a ascenção do
socialismo, do nazismo e do fascismo pelo planeta. (BULLA, 2003).
No Brasil, depois da vitória da Revolução de 1930 e a posse
do presidente Getúlio Vargas, coube à Igreja Católica a construção de alianças
que garantissem as mudanças decorrentes das transformações sociais posteriores
à derrota da política oligárquica dos senhores do café e da pecuária. Graças a
isso, a população brasileira pôde ser beneficiária da legislação trabalhista
que vige até hoje (com a introdução de direitos sociais fundamentais, como o
descanso semanal, férias e jornada de oito horas), além de outras intervenções
do Estado brasileiro no processo de industrialização do país. (SILVA, 2008).
Então, vários movimentos sociais eclodiram pela Terra, fato
que contribuiu decisivamente para a mudança de comportamentos e concepções
entre diversos segmentos sociais. Nesse diapasão, Wagner (2004) demonstra que o
movimento de mulheres foi determinante para a profissionalização do assistente
social, que foi lento e em muitos momentos seguiu paralelamente às lutas
empreendidas pelos trabalhadores, que estavam organizados em sindicatos,
partidos e associações profissionais.
Segundo Iamamoto & Carvalho (1983, p.256), a criação do
Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), em 1938, vinculado ao Ministério da
Educação e Saúde, assinala-se como marco da inquietação do Estado respeito à
centralização e organização das iniciativas assistenciais públicas e privadas. Cabiam
ao CNSS atribuições como: realizar inquéritos e pesquisas sobre as situações de
desajustes sociais; organizar o Plano Nacional de Serviço Social, englobando
setores públicos e privados; propor políticas sociais a serem implantadas pelo
governo; dar parecer sobre a organização de subvenções governamentais às
instituições privadas.
No entanto, o que parecia ser a versão brasileira do Estado
de Bem-Estar Social (Well Fare State),
objeto de expressivos investimentos destinados para as demandas sociais, principalmente
para iniciativas compensatórias, não chegou a ser implantado no Brasil, em
razão do conservadorismo dos dois sucessores do presidente Vargas. Já o processo
de industrialização iniciado na década de 1930 causou, ao longo do pós-guerra
de 1945, concentração de capital por conta da política desenvolvimentista
incentivada pela Guerra Fria (a disputa entre os Estados Unidos e a União
Soviética, as duas superpotências, entre 1945 e 1990, o primeiro liderando o
bloco ocidental e a segunda o bloco socialista). (BULLA, 2003).
Em 1942, a criação de autarquias federais como a Legião
Brasileira de Assistência (LBA) – órgão de colaboração junto ao Estado para
cuidar dos serviços de Assistência Social –, o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) – e
quatro anos mais tarde o Serviço Social da Indústria (SESI) e Serviço Social do
Comércio (SESC) –, propicia as bases para a consolidação do modelo assistencial
reinante por praticamente 50 anos, até a promulgação da Lei Orgânica de
Assistência Social (LOAS), em 1993. (BULLA, 2003).
Ainda em 1942, incorporou-se à Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), o primeiro curso de Serviço Social do Brasil
(criado em 1936), responsável pela formação da primeira geração de assistentes
sociais brasileiros, seguidos pelos cariocas e gaúchos. Dez anos depois, em
1952, foi fundada a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS),
emblemática entidade que articulou e encaminhou as demandas sociais,
profissionais e políticas da categoria. (BULLA, 2003).
De arcordo com Bulla (2003), as primeiras atividades dos
assistentes sociais no Brasil estavam ligadas às áreas jurídica e de saúde, cujos
principais empregadores eram o Estado e as instituições religiosas. Na saúde, o
trabalho vinculava-se a centros de saúde, hospitais gerais, maternidades,
hospitais pediátricos e centros de reabilitação. No Judiciário, atuavam em
casos de abandono, maus-tratos de crianças e adolescentes, jovens e adultos
infratores e outros problemas familiares. Segundo registros, os primeiros
profissionais de Serviço Social atuaram, ainda que em menor escala, na
educação, habitação, na assistência social (Legião Brasileira de Assistência,
LBA) e agricultura (na extensão rural, em programas de desenvolvimento de
comunidades rurais). (BULLA, 2003).
Nas décadas seguintes, o desenvolvimento econômico brasileiro
fez com que o campo de atuação do assistente social fosse se interiorizando,
passando a ocupar espaços profissionais em grandes organizações vinculadas ao
setor produtivo, como as entidades patronais ligadas à indústria (SESI e SENAI)
e ao comércio (SESC e SENAC). A LBA, mantida basicamente por recursos públicos,
foi a organização que mais contribuiu para a interiorização do profissional de
Serviço Social, mas sempre muito criticada pela influência direta das
primeiras-damas do estados e municípios e as ingerências político-eleitorais
assistencialistas. (BULLA, 2003).
Para Iamamoto apud
Bulla (2003, p.6-8), o assistente social teve que se submeter, em suas primeiras
áreas de atuação, ao modelo teórico-metodológico importado dos países em
estágio de desenvolvimento mais avançado (América do Norte e Europa). Contudo,
a diametral diferença de realidade, em que as condições de subdesenvolvimento
colocavam o público destinatário da ação do profissional de Serviço Social em
outro perfil de atendimento, a abordagem individual, paliativa, embutiu ao
Serviço Social uma herança cultural com fortes marcas confessionais – isto é,
por seus vínculos originais com as instituções religiosas (IAMAMOTO apud BULLA, 2003, p.6-8).
Daí que o Serviço Social era visto como uma “missão”, um
“serviço” para a sociedade, em que a vocação dos profissionais era
determinante, pois, pelo senso comum, deveriam fazer o “bem-feito”, no dizer de
Iamamoto apud Bulla (2003), dentro de
padrões morais e éticos de ajuda, de doação integral, equivalente ao que se
espera de uma irmã de caridade. No entanto, esse perfil profissional não
prosperou no campo de atuação brasileiro por ter se revelado insuficiente para
fazer frente à realidade social do país. (IAMAMOTO apud BULLA, 2003).
Desde a decada de 1945, por conseguinte, os novos
profissionais de Serviço Social buscaram um embasamento teórico-metodológico
nas ciências sociais, tendo adotado a visão funcionalista americana, também por
causa da Guerra Fria, em que correntes ideológicas disputavam a hegemonia na
América Latina e em outras regiões do planeta. Esses fundamentos, no entanto,
revelaram-se pouco eficientes por conta da dura realidade de país com
disparidades sociais próprias do Terceiro Mundo, como se chamavam os países
nesse estágio de desenvolvimento. (BULLA, 2003).
Como resposta ao movimento de organização da categoria – que
passou a buscar a garantia e o acesso de direitos às camadas populares e
segmentos de trabalhadores –, ao longo da década de 1950, os assistentes
sociais tiveram a oficialização do curso de Serviço Social, por meio da Lei
Federal nº. 1.889, de 13 de junho de 1953. Quatro anos mais tarde, a profissão
de assistente social foi regulamentada pela Lei Federal nº. 3.252, de 27 de
agosto de 1957, e pelo Decreto nº. 994, de 15 de maio de 1962. (BULLA, 2003).
Na década de 1960, a profissão de assistente social se
expandiu, não só com a abertura de novos cursos por várias capitais de estado e
cidades-polo por todo o território brasileiro, mas também com a contratação de
profissionais em instituições públicas e privadas. Desde então, grandes
mudanças acontecem no país, na ordem social, política, cultural e econômica, em
razão da luta do assistente social, que se direciona para a ruptura com o
conservadorismo e pleiteia a laicização da profissão, abrindo-se para as
ciências sociais e relacionando-se com os movimentos sociais, que estavam sob
pressão do regime militar vigente. (BULLA, 2003).
Até por conta disso, ao longo das mobilizações pela
democratização do Brasil, o Conselho Federal de Serviço Social (CFSS), ao lado
dos profissionais de saúde, participou do Movimento da Reforma Sanitária que
construiu as bases do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao lado do Conselho Federal
de Psicologia (CFP) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), participou do
Movimento Criança Constituinte Prioridade Absoluta que construiu o inovador
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ao lado das mesmas entidades
profissionais participou da emblemática Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), que décadas depois permitiu implantar o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS). Todas essas conquistas foram feitas com muita mobilização
durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, que elaborou
a Constituição Federal de 1988 e que fez constar no título da Ordem Social todas
essas importantes transformações, em que saúde, educação, assistência social e
sistema de garantia de direitos ganharam status de políticas públicas e de cuja
elaboração a sociedade organizada participa por meio dos respectivos conselhos
paritários. (BECKER, 2001).
3.1 EVOLUÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
Ao profissional de Serviço Social contemporâneo cabe um papel
estratégico, nesse processo evolutivo, por se tratar de uma atividade
geralmente inserida em equipe multidisciplinar e intersetorial, ora atuando junto
a instituição pública ou privada, ora na saúde, na assistência social, na
garantia de direitos ou na afirmação do protagonismo cidadão. Como
profissional, atuando na formulação, execução e avaliação de serviços,
programas e políticas sociais que visam a preservação, defesa a ampliação dos
direitos humanos e a justiça social. (BULLA, 2003).
Na atualidade, os campos de atuação profissional estão
vinculados a equipamentos da rede de serviços sociais e urbanos das
organizações públicas, empresas privadas e organizações não governamentais como
hospitais, escolas, creches, clínicas, centros de convivência, administrações
municipais, estaduais e federais; serviços de proteção judiciária, conselhos de
direitos e de gestão, movimentos sociais, instâncias de defesa e de
representação política. (BULLA, 2003).
Observe-se que, para Bulla (2003), o modelo excludente da
sociedade brasileira, imposto desde os tempos da colonização, faz da pessoa em
situação de vulnerabilidade social mais uma vítima da estigmatização e do
processo de exclusão social. A autora adverte para a fragilização do tecido
social, em pleno processo de industrialização ocorrido na primeira metade do
século XX:
O Estado, com sua concepção liberal, expressa mais
manifestamente na Constituição Brasileira de 1891, negava-se a intervir nos
conflitos entre patrões e empregados e se opunha a realizações sociais
distributivas de caráter obrigatório (Fischlowitz, 1964). De acordo com as
concepções vigentes, não se admitia a intervenção direta do Estado na economia.
Ele atuava como um simples “regulador do livre jogo das forças econômicas,
administrando, cobrando impostos, fornecendo meios de comunicações e
transportes baratos para a circulação de mercadorias” (Flores, 1986, p. 98). Ao
contrário do que acontecera em governos anteriores, entretanto, o governo
populista, que assumiu o poder logo após a Revolução de 1930, reconheceu a
existência da questão social, que passou a ser uma questão política, a ser
enfrentada e resolvida pelo Estado. / A partir de 1930, o Brasil entrou num
período de maior desenvolvimento econômico, que se refletiu no aumento da renda
per capita, dos salários reais e do consumo. Simultaneamente registrou-se um
incremento da taxa de crescimento da população e de urbanização. A concentração
da população nas áreas urbanas trouxe consigo problemas de assistência,
educação, habitação, saneamento básico, de infra-estrutura e tantos outros. Na
medida em que a industrialização avançava, crescia a concentração da renda,
ampliando-se as desigualdades sociais, aumentando as tensões nas relações de
trabalho e agravando-se a questão social. (BULLA, 2003, p.5-6)
Como profissionais e docentes de Serviço
Social com longa militância em questões sociais, Sposati & Falcão (1989) advertem
para uma estratégia de desenvolvimento de práticas articuladas, isto é, multidisciplinares
e intersetoriais. Pois, “sem a articulação e integração das ações, o objetivo da inclusão social
geralmente termina não sendo alcançado, pois dificilmente há condições de
identificação plena das clientelas atendidas com um ou mais programas”.
As
autoras observam que a falta de articulação e integração de programas
socioassistenciais “inviabiliza a operacionalização sistêmica de uma estratégia
de inclusão social, sem falar na ausência de políticas públicas para diversos
segmentos sociais e economicamente excluídos”. Até porque “a inclusão social
constitui um processo com começo, meio e fim, que envolve a coordenação de
múltiplas e transversais ações”.
Apenas o pagamento de uma bolsa de garantia de renda a
uma família carente não permite, necessariamente, a plena inclusão, pois pode
haver pessoas com problemas psicológicos, de saúde, de dependência química, de
baixa escolaridade, além dos problemas de moradia, de transporte, de saneamento
básico, dentre tantas outras condições de exclusão social. Assim, a oferta de
uma ação governamental isolada não é suficiente para a ruptura do ciclo estrutural
de pobreza no Brasil. (SPOSATI & FALCÃO, 1989).
Relevante
enfatizar-se o contexto da compreensão de conquista cidadã do profissional de
Serviço Social, protagonizada pela categoria nas últimas décadas – sobretudo,
durante o movimento social em favor da democratização do Brasil, tanto na
construção de uma agenda para a Assembleia Nacional Constituinte (1986-1988)
que elaborou o texto da emblemática Constituição
Cidadã, como nas especificidades de cada uma das políticas sociais: a saúde
pública no Movimento da Reforma Sanitária, que criou o Sistema Único de Saúde
(SUS); a educação como direito social, embora não bem consignado na Lei de
Diretrizes e Bases de 1996; a assistência social enquanto política pública
baseada naquilo que depois se transformou na Lei Orgânica da Assistência
Social, de 1993, e a vitória da doutrina da proteção integral da infância e
adolescência estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a
velha doutrina da situação irregular do Código de Menores. (BECKER, 2001).
Por
conta da compreensão de conquista cidadã do assistente social, Bravo &
Matos (2004, p.17) consideram que “o código de ética da profissão
apresenta ferramentas fundantes para o trabalho dos assistentes sociais na
saúde em todas as suas dimensões: na prestação de serviços diretos à população,
no planejamento e na assessoria”. Mesmo porque compete ao Serviço Social
[...] – numa ação
necessariamente articulada com outros segmentos que defendem o aprofundamento
do Sistema Único de Saúde (SUS) – formular estratégias que busquem reforçar ou
criar experiências nos serviços de saúde que efetivem o direito social à saúde,
atentando que o trabalho do assistente social que queira ter como norte o
projeto ético-político profissional tem que, necessariamente, estar articulado
ao projeto da reforma sanitária. (BRAVO & MATOS, 2004, p.17)
Já no desenvolvimento do protagonismo cidadão – ou
emancipação política, no dizer de Silva (2008, p.4) –, o papel do assistente
social engajado na autossuperação da população destinatária de sua ação
afirmativa tem esta direção:
[...] com todos os
estudos sistematizados por importantes quadros da profissão – que,
inegavelmente, expressaram avanços significativos no âmbito da formação
profissional, na participação ativa da categoria na luta por direitos, na
construção de inúmeras legislações sociais, na construção do projeto
ético-político, na discussão, aprovação e implantação das diretrizes
curriculares, a partir da segunda metade dos anos 1990, entre outras
importantes conquistas –, o que se percebeu foi uma crença persistente dos
assistentes sociais (dentro e fora das universidades, com variações não
desprezíveis – convicção esta advinda dos anos 1980), de que a afirmação de
direitos e a implantação e maior radicalização da democracia seria o caminho
para a construção de “uma outra sociedade” com indivíduos emancipados.(SILVA,
2008, p.4)
A
conjuntura política da década de 1980 serviu de cenário para um novo projeto
ético-político do Serviço Social fosse gestado, rompendo uma trajetória
conservadora. Vários fatores contribuíram para esse rompimento, entre eles o
movimento de reconstituição, a crise da ditadura militar, a abertura
democrática e as mobilizações de diferentes categorias de trabalhadores. O
contexto histórico vivido pela sociedade levou a categoria a um
redimensionamento publico comprometido, optando pela construção de uma sociedade
mais justa e democrática.
Atualmente, a atuação
consciente do profissional é colocada à prova em razão das contradições
inerentes à própria sociedade, seja na assistência à gestante ou à mulher
vítima de violência, na garantia de direitos dos destinatários de sua atuação
ou mesmo nas demais áreas de trabalho. Nas palavras de Iamamoto (2004, p.11), “o exercício profissional participa de
um mesmo movimento que tanto permite a continuidade da sociedade de classes
quanto cria as possibilidades de sua transformação”.
Como a sociedade na
qual se inscreve o exercício profissional é atravessada por projetos sociais
distintos - projeto de classes para a sociedade – tem-se um terreno
sócio-histórico aberto à construção de projetos profissionais também diversos,
indissociáveis dos projetos mais amplos para a sociedade. É essa presença de
forças sociais e políticas reais – que não são mera ilusão –, que permite à
categoria profissional estabelecer estratégias político-profissionais no
sentido de reforçar interesses das classes subalternas, alvo prioritário das
ações profissionais. Sendo a profissão atravessada por relações de poder, ela
dispõe de um caráter essencialmente político, o que não decorre apenas das
intenções pessoais do assistente social, mas dos condicionantes
histórico-sociais dos contextos em que se insere e atua. (IAMAMOTO, 2004, p.11)
Portanto, é inovador o papel do
profissional de Serviço Social neste contexto de atuação, representando um
verdadeiro desafio, ainda que a questão social se remeta ao tempo da construção
do Estado dentro dos paradigmas históricos. Em consonância com a Lei Federal
nº. 8.662/1993, que dispõe sobre a profissão de assistente social, é de sua
responsabilidade o bem-estar no meio social, por meio de projetos, programas de
origem pública ou privada, de modo a promover ações para melhorar as condições
de vida da população em situação de fragilidade / vulnerabilidade
socioeconômica, atuando na integração do individuo ou de segmentos sociais no
conjunto da sociedade, no intuito de transformar a realidade social para
diminuir as diferenças socioeconômicas mediante a elaboração e execução de
projetos que visem proporcionar melhorias em saúde, educação, saneamento,
alimentação, habitação etc, garantindo direitos sociais inerentes a toda a
população (BRASIL, 1993).
Para Bonetti (1996, p.139), no contexto de atuação do
assistente social,
[...] é fundamental
se desvelar as diversas visões de mundo que informam a cultura e o trabalho
profissional, para se apreenderem os elementos constitutivos a ele subjacentes, desde
seu processo de emergência e institucionalização até o tempo presente. / A maioridade
político-intelectual adquirida pela profissão a partir do início dos anos 1990 possibilitou, em
grande parte, a recuperação da teoria crítico-dialética em aspectos não suficientemente
trabalhados: a cultura, a relação indivíduo-sociedade, a heterogeneidade das classes, o
reconhecimento da diversidade e do direito à expressão dos grupos socialmente
discriminados, como os negros e as mulheres. Essa recuperação levou à possibilidade de um
contato do serviço social com a ontologia do ser social, bem como fundamentou a
construção de uma projeção ético-política dirigida à emancipação política e humana, que se
popularizou sob a denominação de projeto ético-político. (BONETTI, 1996,
p.139).
Em conclusão, o assistente social, consoante
com os parâmetros ético-profissionais, tem diante de si o indivíduo em situação
de fragilidade / vulnerabilidade socioeconômica – seja ele na condição de
gestante, ex-presidiário, morador de rua, pessoa com deficiência, criança ou
adolescente em situação de risco, idoso abandonado ou núcleo familiar em
situação de cuidados sociais –, acima de tudo um ser humano, com seus problemas
mas, sobretudo, com dignidade. É nessa condição de ser humano e cidadão que o
profissional de serviço social precisa atender e interagir, para o que se faz
necessário ter uma postura crítica mas propositiva, isto é, proativa da
sociedade em que está inserido.
4 GESTAÇÃO: QUALIDADE DE
VIDA E SAÚDE
4.1 CONCEITO DE QUALIDADE DE VIDA
A preocupação de se conceituar o termo qualidade de vida,
segundo Valentim (2010, p.57), surgiu em meados da década de 1970. A mesma é
uma noção eminentemente humana, estando aproximada ao grau de satisfação
encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética
existencial. Está relacionada aos elementos que a sociedade considera como
padrão de conforto e de bem-estar, variando com a época, os valores, os espaços
e as diferentes histórias, com foco na promoção da saúde, nos termos
consignados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). (VALENTIM, 2010).
Possui raízes tanto na cultura oriental como na
ocidental, aparecendo na antiga filosofia chinesa relacionada à sua arte,
literatura, filosofia e medicina tradicional. A expressão qualidade de vida
começou a ser utilizada nos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial,
tendo como objetivo descrever aquisição de bens materiais, como casa, carro,
investimentos, dinheiro, viagens, entre outros. (VALENTIM, 2010).
Minayo, Hartz & Buss apud Valentim (2010, p.56-7) trazem um
conceito bastante elucidativo acerca do termo, aliás, bastante atual no
contexto do terceiro milênio, em que as transformações pleiteadas têm chegado,
mas a um alto preço para a humanidade, particularmente para as novas gerações,
em razão da banalização das relações humanas, sobretudo de família e de suas
prerrogativas:
Qualidade de vida é uma
noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação
encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética
existencial. Pressupõe a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os
elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem
estar. O termo abrange muitos significados que refletem conhecimentos,
experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em
variadas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo portanto uma construção
social com a marca da relatividade cultural. / [...] Em resumo, a noção de qualidade
de vida transita em um campo semântico polissêmico: de um lado, está
relacionada a modo, condições e estilos de vida (Castellanos, 1997). De outro,
inclui as idéias de desenvolvimento sustentável e ecologia humana. E, por fim,
relaciona-se ao campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos
e sociais. No que concerne à saúde, as noções se unem em uma resultante social
da construção coletiva dos padrões de conforto e tolerância que determinada
sociedade estabelece, como parâmetros, para si. (MINAYO, HARTZ & BUSS apud VALENTIM, 2010, p.56-7).
Um conceito de qualidade de vida utilizado por
pesquisadores, porém, controverso, baseia-se, como já foi explicitado, na
própria definição de saúde da OMS, ou seja, a percepção individual de um completo
bem-estar físico, mental e social. Segundo ela, “é a percepção do indivíduo de
sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais
vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. (VALENTIM, 2010).
Essa definição inclui seis domínios principais:
saúde física, estado psicológico, níveis de independência, relacionamento
social, características ambientais e padrão espiritual. (VALENTIM, 2010).
A avaliação da qualidade de vida vem se tornando cada vez mais
imprescindível para todos os profissionais – inclusive o assistente social –
que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), tamanho o impacto das patologias na
vida dos pacientes. Existem testes e protocolos que são aplicados na avaliação. (BECKER, 2001).
A qualidade de vida tornou-se um conceito difundido em diversas áreas,
principalmente na área acadêmica, por meio de estudos científicos relacionados
à saúde. Alguns estudos têm criticas por autores que alegam que os instrumentos
criados para medir a qualidade de vida na verdade avaliam diferentes fenômenos.
Isto ocorre da falta de consenso sobre o construto e da complexidade do
fenômeno que se pretende avaliar. Há uma
concordância sobre de que a qualidade de vida é composta por aspectos
objetivos e subjetivos, positivos e negativos. (VALENTIM, 2010).
Não há na literatura uma definição consensual de qualidade
de vida, mas existe uma concordância razoável entre os pesquisadores acerca do
construto qualidade de vida, cujas características são a subjetividade, relacionada
às respostas que devem ser do próprio indivíduo e dependem de sua experiência
de vida, valores e cultura; a multidimensionalidade, que se caracteriza pelos
vários domínios que envolvem a avaliação de qualidade de vida e a bipolaridade,
cuja avaliação de qualidade de vida pode variar de bom para ruim. Portanto, a
concepção de qualidade de vida é diferente, entre os indivíduos, locais e
tempos diferentes. (VALENTIM, 2010).
4.2 A GESTAÇÃO
Estar grávida, mostrar-se mulher em sua “plenitude”, tornar-se mãe, ou
até ser mãe novamente, são aspectos de uma experiência que pode ser rica, mas
também ameaçadora, pois uma gravidez gera não só um lindo bebê, que vem
realizar sonhos ou retratar uma condição sublime, mas gera paralelamente, uma
multiplicidade de reações e emoções ambíguas. Por tal razão, é indispensável
dar a uma gestante condições adequadas ao longo de sua gestação, seja do ponto
de vista médico, psicológico ou socioassistencial. (CARDOSO, 2011).
Nos seres humanos, a gravidez também se refere ao estado resultante da
fecundação de um óvulo pelo espermatozóide, envolvendo o subseqüente
desenvolvimento do feto gerado no útero, que dura cerca de 9 meses, até seu
nascimento. (MATSUDO & MATSUDO, 2000).
A prática clínica aponta para a necessidade de fazer considerações
acerca dos sentimentos vivenciados pela mulher, neste momento histórico de sua
vida, como, também, atentar para a importância e o lugar dos familiares e da
equipe de saúde frente a uma experiência de tamanha complexidade. Independente
da condição sócio-econômica, grau de instrução, idade, estado civil e fato de
ser primigesta ou não, a mulher no seu período de gravidez, parto e puerpério
merece atenção e cuidados especiais. O problema mais frequente no ciclo
gestacional é a anemia, resultante da deficiência de ferro. (BARACHO, 2007).
Segundo Cardoso (2011, p.16), as condições materiais da sociedade
contemporânea levaram os casais – e particularmente as mulheres – a não mais se
deixarem enternecer pelo momento mágico caracterizado pela gestação. Assim, nas
palavras da autora, as
[...] mudanças de papel
experimentadas pelas mulheres nos últimos anos, combinadas com uma sociedade
materialista e inconstante, a sua busca por riqueza e posses e a perda de
valores familiares, exercem pressão sobre todos nós e, especialmente, sobre
jovens e seus companheiros que estão vivendo a paternidade (POLDEN; MANTLE,
2002). / Hoje em dia, a gravidez deixou de ser um momento, tempo em um lugar de
intimidade feminina, que muitos pensam que ainda existe. A gravidez está sendo
cada vez mais tardia na vida de muitas mulheres, muito bem pensada, elaborada e
refletida, para que quando ocorra seja um momento mágico, sonhado, cheio de
mistérios, dúvidas e encantamento, em que um corpo se muda para dar vida a
outro ser (SILVA, 2008). (CARDOSO, 2011, p.16).
Nesse sentido, em
decorrência das transformações inerentes à vida moderna, Cardoso (2011, p.16)
apresenta um recorte estatístico que demonstra a queda vertiginosa do número de
nascimentos no país, hoje abaixo do nível de reposição da população:
Dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatam uma queda
no número de nascimentos no Brasil, abaixo do nível de reposição da população,
que seria de dois filhos em média por mulher, a taxa de fecundidade média das
brasileiras (1,94 filho por mulher em 2009) apresenta importantes
desigualdades, sobretudo em função da escolaridade. No país como um todo, as
mulheres com até 7 anos de estudo tinham, em média, 3,19 filhos, quase o dobro
do número de filhos (1,68) daquelas com 8 anos ou mais de estudo (ao menos o
ensino fundamental completo). Além de terem menos filhos, as mulheres com mais
instrução eram mães um pouco mais tarde (com 27,8 anos, frente a 25,2 anos para
as com até 7 anos de estudo) e evitavam mais a gravidez na adolescência: entre
as mulheres com menos de 7 anos de estudo, o grupo etário entre 15 a 19 anos
concentrava 20,3% das mães, enquanto entre as mulheres com 8 anos ou mais de
estudo, a mesma faixa etária respondia por 13,3% da fecundidade (SIS, 2010).
(CARDOSO, 2011, p.16).
O desconforto ocorrente
na gestação é tido como fator que contribui de forma significativa para
desestimular a mulher a engravidar uma ou mais vezes, como expõe Cardoso (2011,
p. 17):
Independente
da condição socioeconômica, grau de escolaridade, idade, estado civil e do fato
de ser primigesta ou não, a maioria das gestantes apresentam sintomas de
desconfortos, e por serem muito frequentes e por não caracterizarem doenças
definidas, passam a ser consideradas como sinais característicos da gravidez e,
portanto parte desse processo fisiológico. Náuseas, vômitos, pirose, mericismo,
sialorréia, constipação, vertigem, palpitações, dor pré-cordial, sonolência,
insônia, cãibras, astenia, depressão, pruridos, leucorréia, polaciúria, varizes
e a lombalgia são algumas das queixas comuns na gestação. A não especificidade
de tais queixas, sob o ponto de vista do modelo biomédico, passa a ser
determinante para que elas sejam de certa forma, desconsideradas (SOUZA, 2002;
FERREIRA; NAKANO, 2001). (CARDOSO, 2011, p.17).
Esse fato, por seu
turno, constitui-se em fator determinante para a implementação de políticas
públicas sociais que incentivem e valorizem a gravidez com qualidade de vida e
segurança em saúde, em que atividades multidisciplinares e interprofissionais
acolham e confortem a gestante, assim observada por Cardoso (2011, p.17):
Considerando-se
que “o bem-estar físico relaciona-se à ausência ou a mínimos graus de doença,
incapacidade e desconfortos músculo-esqueléticos” (DE VITA, 2001, p.3), o
alívio da dor osteomuscular na gestação deve ser preocupação dos profissionais
de saúde na assistência pré-natal. De fato, a sintomatologia osteomuscular pode
ser um sintoma, porém em graus maiores causa incapacidades, devendo ser
considerada como doença e tratada (DE CONTI et al., 2003; NOVAES; SHIMO;
LOPES, 2006). / O desenvolvimento de grupos de gestantes com emprego da
abordagem corporal possui o potencial do atendimento das demandas geradas pelas
alterações corporais próprias da gravidez. O conhecimento sistematizado das
demandas por cuidado que emergem em um grupo de gestantes, sobretudo no que se
refere aos desconfortos físicos e emocionais, e as possibilidades de adoção de
recursos de abordagem corporal para o atendimento delas podem fornecer
subsídios importantes aos profissionais que desenvolvem seu trabalho junto às
gestantes (REBERTE; HOGA, 2005). (CARDOSO, 2011, p.17).
4.3 DIREITOS DA GESTANTE
Com a implantação da Rede Cegonha, em 2011, pelo Ministério
da Saúde em parceria com a Secretaria Nacional dos Direitos da Mulher e o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o governo Federal distribuiu uma
cartilha destinada a usuários e a trabalhadores da saúde, inédita como
iniciativa do Sistema Único de Saúde (SUS), em que são expostos os principais
direitos das gestantes durante a gravidez e depois do parto. (BRASIL, 2011).
Segundo a cartilha, há direitos a serem assegurados pelo SUS,
mas também há outros, a serem garantidos pela sociedade e pelo empregador, no
caso de a grávida ser empregada, seja pública ou da iniciativa privada, como
explicita o documento (BRASIL, 2011):
Cuidar bem dos idosos
e das crianças e especialmente das gestantes devem ser prioridades de países
como o Brasil, cujo potencial de desenvolvimento tornou-se referência para o
mundo. Nesse sentido, o atendimento preferencial por instituições públicas e
privadas, bem como o assento privilegiado no transporte público e a garantia à
licença-maternidade são apenas alguns dos direitos que as futuras mães
brasileiras conquistaram.
Conheça alguns dos
principais direitos da mulher grávida:
No que diz respeito à saúde:
• Realizar seis
consultas de pré-natal no Posto de Saúde mais próximo de sua casa e receber uma
Declaração de Comparecimento e o Cartão Gestante, que contém todas as
informações sobre seu estado de saúde.
• Contar com
acompanhamento mensal do desenvolvimento do bebê e da gestação.
• Fazer exames de
urina, sangue, preventivos, além da verificação da pressão arterial e de seu
peso.
• Realizar o parto,
que é considerado emergência médica e não pode ser negado à parturiente.
(BRASIL, 2011)
Bastante didática e de fácil leitura, a cartilha detalha
direitos ligados ao mundo do trabalho, explicitando cada um deles e como
reivindicá-los. Vejam-se:
Em relação ao trabalho, de
acordo com o Artigo 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
• Licença-maternidade
de 120 dias (a partir do 8º mês de gestação), sem prejuízo do emprego e do
salário, que será integral. Caso receba salário variável, receberá a média dos
últimos seis meses. Confira aqui a Cartilha para a mãe
trabalhadora que amamenta.
• Dois descansos
diários de 30 minutos para amamentação, até a criança completar seis meses de
vida.
• Estabilidade no
emprego, o que significa que do momento da confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto a gestante não poderá ser demitida sem justa causa.
• Trabalhar. A
gestação não pode ser motivo de negativa de admissão.
• Ser dispensada no
horário de trabalho para a realização de pelo menos seis consultas médicas e
demais exames complementares.
• Mudar de função ou
setor de acordo com o estado de saúde e ter assegurada a retomada da antiga
posição.
• Ampliação da
licença-maternidade por 60 dias, a critério da empresa, desde que a mesma faça
parte do Programa Empresa Cidadã (Lei 11.770/08).
• Duas semanas de
repouso no caso de aborto natural.
(BRASIL, 2011)
No âmbito da sociedade, direitos conquistados pela mulher
grávida também são expostos, desta forma:
Na sociedade:
• Tão logo seja
confirmada a gravidez, é direito da gestante ter parte das despesas adicionais
decorrentes da gestação, da concepção ao parto, custeadas pelo futuro pai, na
proporção dos recursos de ambos, segundo a Lei 11.804/08.
• Prioridade no
atendimento médico tanto em instituições públicas como privadas.
• Assentos
preferenciais demarcados em todos os tipos de transporte público.
A mulher grávida
merece todos os cuidados porque toda criança tem o direito de nascer e se
desenvolver em ambiente seguro. E isso só é possível se ela tiver uma gestação
saudável e o atendimento adequado no parto.
(BRASIL, 2011)
Por seu turno, o Estado brasileiro tem suas obrigações
relativas às condições mínimas da gestante no país, já consolidadas como
políticas públicas:
Com o objetivo de
proporcionar ainda mais condições necessárias para que isso aconteça, o Brasil
também desenvolveu as seguintes políticas públicas:
• Política Nacional de Atenção
Obstétrica e Neonatal
Desenvolve ações de
prevenção e assistência à saúde de gestantes, parturientes e recém-nascidos.
• Política Nacional de Atenção
Integral à Mulher
Visa promover
atendimento clínico-ginecológico, planejamento reprodutivo, acompanhamento de
pré-natal e atendimento às mulheres e adolescentes em situação de violência
doméstica e sexual.
• Política de Atenção Integral
à Saúde da Criança
Tem como uma de suas
principais metas cuidar da saúde dos recém-nascidos, promover, proteger e
apoiar o aleitamento materno, além de desenvolver ações para reduzir a
mortalidade infantil e investigar os óbitos dos bebês.
(BRASIL, 2011)
No entanto, a realidade da Unidade Básica de Saúde, do Centro
de Saúde da Mulher e da maternidade pública ou privada recomenda ao
profissional de Serviço Social uma postura mais proativa, efetiva, no contexto
da garantia de direitos da mulher grávida e do recém-nascido, sejam eles
vinculados à saúde, ao trabalho ou à sociedade. Afinal, qualidade de vida é uma
questão de cidadania, de conquista de direitos. Esse é o maior desafio na
atualidade para o assistente social, como será visto na próxima seção.
5 LEGISLAÇÃO
POSTERIOR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
5.1 A “CONSTITUIÇÃO
CIDADÔ
Entre 1977 e 1984, diversos setores da sociedade brasileira
se mobilizaram para enfrentar o regime militar (1964-1985), que cerceava as
liberdades democráticas. Decorrente dessa importante mobilização, a
Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição Cidadã pelo presidente da Assembleia Nacional
Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, consignou um importante espaço – o
título da Ordem Social – à saúde, à assistência social, à educação, à cultura,
à seguridade social, aos esportes, às garantias de direitos como da população
infanto-juvenil, do idoso, da mulher, da juventude, das pessoas com
deficiências, dos índios, do negro etc, elevando cada um desses tópicos em no mínimo
uma política pública, seja intersetorial ou multidisciplinar, conforme o caso.
(BECKER, 2001).
A despeito de ter sido muito criticada quando de sua
promulgação, a Constituição Federal em vigor é a responsável pelo avanço
representado com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) ainda na década
de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº. 8.069/1990),
das Leis Orgânicas da Saúde (Leis Federais nº. 8.080/1990 e 8.142/1990), da Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei Federal nº. 8.742/1993 –, entre
outras inovações conquistadas pela sociedade organizada do país durante
décadas, e que no período imediatamente posterior à promulgação da Carta Magna
foram inseridos na legislação nacional. (BECKER, 2001).
Com a sua promulgação, ganharam status de políticas públicas
a saúde, a educação, a assistência social, a seguridade social, a cultura, os
esportes, a promoção da cidadania e a garantia do acesso a direitos
inalienáveis para reparar desigualdades históricas às crianças, adolescentes,
jovens, idosos, pessoas com deficiências, negros, índios e as chamadas minorias
(entre as quais a mulher, o homossexual e profissionais do sexo). (BECKER,
2001).
Em razão de novos conceitos introduzidos, por exemplo, a
doutrina da proteção integral do ECA substituiu a obsoleta doutrina da situação
irregular do velho Código de Menores, e o termo “controle social” passou a ser
uma exigência da democracia participativa por meio de conselhos paritários, em
que a área não governamental elege seus pares em foro próprio, sem a tutela do
governo. Além disso, o princípio da universalidade, gratuidade e não
contributividade passaram a nortear os sistemas únicos de saúde, assistência
social – só na educação houve um retrocesso, decorrente da mobilização de setores
conservadores entre 1996 e 2002, quando uma onda neoliberal assolou as
instituições brasileiras, ameaçando tais conquistas. (BECKER, 2001).
5.2 A LEI ORGÂNICA DA SAÚDE (LOS)
Fruto do Movimento da Reforma Sanitária, durante os trabalhos
da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), a Lei Orgânica da Saúde (LOS)
– Lei Federal nº. 8.080/1990 –, por causa dos vetos feitos pelo então
presidente Fernando Collor a inúmeras conquistas introduzidas, precisou ter mais
um conjunto de artigos, constantes da Lei Federal nº. 8.142/1990, para
representar o ápice das conquistas até então inimagináveis no Brasil, como a
integralidade, a gratuidade, a universalidade e a não contributividade, pois anteriormente
todo cidadão atendido gratuitamente pela saúde no país era considerado “indigente”.
Isso não só representou um salto qualitativo no atendimento da sociedade
brasileira, mas o resgate de cânones emblemáticos já aceitos pelo Estado
brasileiro mas que ainda não passavam de intenções, como a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (de 1948), a Declaração Universal dos Direitos da Criança
(de 1959) e a própria Declaração Universal dos Direitos da Mulher (1975), entre
outras. (BECKER, 2001).
A mudança de paradigma na atenção à saúde, consolidada com a
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) – cuja rede é representada pela
Estratégia de Saúde da Família (antigo Programa de Saúde da Família), na atenção
básica –, vai além dos princípios consignados na Constituição Federal de 1988,
Artigos 196 a 200, que definem sua universalidade, integralidade, gratuidade e
não contributividade em todo o território nacional, mas com gestão municipal.
(BECKER, 2001).
Destaquem-se os princípios consignados no Artigo 198 da
Constituição Federal de 1988 e as diretrizes estabelecidas na Lei Orgânica da
Saúde (Lei Federal nº. 8.080/1990), Artigo 7º, in verbis:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de
Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.
198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em
todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência,
entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos
e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de
sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos
ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre
sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos
serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento
de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com
direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os
municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de
saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde,
meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais
e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na
prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os
níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar
duplicidade de meios para fins idênticos.
(BRASIL, 1990a)
Decorridas duas
décadas de sua implantação, o SUS hoje é o maior sistema público de saúde do
planeta, fazendo do Brasil uma referência no setor, a despeito das dificuldades
ainda existentes, sobretudo pela da cultura privatista oriunda do sistema
anterior ao novo modelo – do INAMPS, das longas filas e dos agendamentos
intermináveis. (BECKER, 2001).
Assim, sob a vigência deste inovador sistema, a sociedade
brasileira vem construindo – a despeito da má-vontade expressa de
significativos setores da imprensa e do empresariado, que não admitem a mudança
de modelo – para tornar efetivos os dispositivos constantes na Lei Federal nº.
8.142/1990, aprovada meses depois da Lei Orgânica da Saúde (LOS) para assegurar
as conquistas consignadas na Constituição Federal de 1988. (BECKER, 2001).
Em síntese, as unidades da federação (estados e Distrito
Federal) e municípios só terão direito ao repasse dos recursos financeiros do
Fundo Nacional de Saúde se os entes federados cumprirem rigorosamente o que
está expresso no Artigo 3º da Lei Federal nº. 8.142/1990, in verbis:
Art. 3° Os recursos
referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma regular e
automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os
critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.
§ 1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos
critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será
utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente o critério estabelecido
no § 1° do mesmo artigo.
§ 2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados,
pelo menos setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o restante aos
Estados.
§ 3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para
execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de
recursos previstos no inciso IV do art. 2° desta lei.
Art. 4° Para receberem os recursos, de
que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal
deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
II - Conselho de Saúde, com composição paritária de
acordo com o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990;
IV - relatórios de gestão que permitam
o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de
1990;
V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo
orçamento;
VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos
e Salários (PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua implantação.
Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou
pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste
artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados,
respectivamente, pelos Estados ou pela União.
(BRASIL, 1990b)
Segundo Becker (2001), a LOS concebe a saúde como um direito fundamental
do ser humano, cabendo ao Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício, conforme consta de seus Artigos 2º e 3º, caput e parágrafos, expostos a seguir:
Art.
2º A saúde é um direito fundamental do ser
humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde
consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à
redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das
pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Art.
3º A saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população
expressam a organização social e econômica do País.
Parágrafo único. Dizem respeito também à
saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a
garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e
social.
(BRASIL, 1990a)
Para Becker (2001), a LOS regulamentou os Artigos 196 a 200 da
Constituição Federal de 1988, que assegura a todos os cidadãos em território
brasileiro, brasileiros ou extrangeiros, a saúde como direito humano
fundamental, inalienável, como expresso na Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948. A aprovação das duas leis relativas ao SUS em 1990 representa uma
vitória clara do empenho coletivo dos mais diversos setores da sociedade organizada.
Por outro lado, o refluxo representado pelos governos neoliberais da
década de 1990 – expressamente de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) –, quando uma avalanche de iniciativas de
desmonte do Estado, que não se limitaram à série de privatizações de empresas e
autarquias federais, mas a aprovação de emendas constitucionais e leis
orgânicas e ordinárias que retiraram direitos sociais expressos na Carta Magna
havia décadas, deixaram profundas marcas na vida institucional brasileira.
(BECKER, 2001).
O descontentamento de expressivos setores da sociedade brasileira levou
os parlamentares, em setembro de 2000, a aprovar, à revelia do Executivo, a
Emenda Constitucional nº. 29, que reintroduziu ou reiterou direitos
fundamentais que estavam deixando de ser contemplados então, com a explicitação
de meios de financiamento das políticas da Saúde e Educação. (BECKER,
2001).
Nesse sentido, os Artigos 7º. e 8º. da Emenda Constitucional em tela
determinam, de modo eloquente e inquestionável o que segue:
Art. 6º O art. 198 passa a
vigorar acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, numerando-se o atual parágrafo
único como § 1º:
"Art.198...........................................
......................................................"
"§
1º (parágrafo único original).................."
"§
2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da
aplicação de percentuais calculados sobre:" (AC)
"I
– no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista
no § 3º;" (AC)
"II
– no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e
159, inciso I, alínea a, e
inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios;" (AC)
"III
– no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e
159, inciso I, alínea b e § 3º." (AC)
"§
3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos,
estabelecerá:" (AC)
"I
– os percentuais de que trata o § 2º;" (AC)
"II
– os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a
seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades
regionais;" (AC)
"III
– as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas
esferas federal, estadual, distrital e municipal;" (AC)
"IV
– as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União." (AC)
Art. 7º O Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte
art. 77:
"Art.
77. Até o exercício financeiro de
2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde
serão equivalentes:" (AC)
"I
– no caso da União:" (AC)
"a)
no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício
financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;" (AC)
"b)
do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela
variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;" (AC)
"II
– no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que
tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a,
e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios; e" (AC)
"III
– no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que
tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º." (AC)
"§
1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais
inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até
o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um
quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por
cento." (AC)
"§
2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no
mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em
ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei." (AC)
"§
3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às
ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma
finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e
fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da
Constituição Federal." (AC)
"§
4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir
do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios o disposto neste artigo." (AC)
(BRASIL,
2000)
Ainda que o SUS represente uma conquista de grande relevância para
significativos setores da sociedade organizada brasileira, está longe de
afirmar que a população como um todo sente hoje, decorridos 22 anos da
promulgação da LOS e 20 anos de implantação do SUS em âmbito nacional, até
porque a categoria médica, capitaneada pelos empresários do setor privado,
ainda não se identificou com as transformações inerentes ao novo modelo, em que
a medicina preventiva é a meta, em substiuição ao dispendioso e doentio modelo
curativo hospitalar, tomado pelas corporações e grupos mercantis.
5.3 A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS)
Consequência direta dos avanços da Constituição Federal de
1988, a elevação do status da assistência social ao patamar de política pública
ficou consignada em dois artigos do título da Ordem Social, ao lado da
seguridade social e da saúde. Trata-se de conquista eloquente dos movimentos
sociais, tendo à frente os conselhos profissionais de Serviço Social,
Psicologia, Medicina e Enfermagem e a Ordem dos Advogados do Brasil, além do
Movimento da Reforma Sanitária e do Movimento Criança Constituinte Prioridade
Absoluta. (BULLA, 2003).
A promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS),
Lei Federal nº. 8.742/1993, em dezembro de 1993, finalmente regulamentou o
relevante avanço escrito na Constituinte. Com isso, passou-se a contar com
critérios objetivos e normas claras para estruturar a assistência social nas
três esferas de governo, entendendo-se a mesma como direito universal, não
contributivo e gratuito. (BULLA, 2003).
Foi um sério revés à cultura do “primeirodamismo”,
assistencialismo, filantropismo, paternalismo ou clientelismo, que vigorou
desde a proclamação da República até atingir sua decadência no governo Collor,
quando do tristemente célebre episódio da Fundação Canapi, da família da
primeira-dama, Roseane Collor, cujo endereço fictício sequer existia, mesmo
havendo doações milionárias feitas ao longo do mandato do único presidente
brasileiro destituído por impeachment, em razão das evidências de corrupção
praticadas por assessores da presidência. (BULLA, 2003).
Embora entre 1995 e 2002 houvesse ocorrido um sério refluxo
no avanço dessas conquistas, a sociedade organizada em todo o território
nacional empreendeu uma renhida luta, em que a categoria dos assistentes
sociais ganhou mais uma vez reconhecimento, fazendo com que a Política Nacional
do Idoso (mais tarde, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, transformada em
Estatuto do Idoso) e a Política Nacional de Inclusão das Pessoas com
Deficiências (no governo seguinte consolidada como Política Nacional de
Assessibilidade) representassem o marco da resistência ao retrocesso impingido
naqueles oito anos de neoliberalismo. (BULLA, 2003).
Com a posse do presidente Lula, em 2003, deu-se prioridade à
construção de uma rede de proteção e promoção social, a fim de concretizar o
novo paradigma e dar acesso ao conjunto de novos direitos decorrentes do
estabelecimento da nova política social. Entre o fim solene do primeirodamismo
em 1993, quando a extinta Legião Brasileira de Assistência (LBA) deu lugar à
promoção da cidadania e ao conjunto de serviços, programas e ações articuladas
previstas na LOAS, veio o projeto do novo modelo de atenção à população
destinatária das políticas sociais, mais uma nítida conquista dos movimentos
sociais articulados pela categoria dos assistentes sociais, em aliança com
psicólogos, educadores sociais, terapeutas ocupacionais e advogados.
(SCHAEDLER, 2005).
Daí para a constituição do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2005, foi um salto
histórico, pois além de fortalecer a rede de proteção e promoção social, passou
a fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos das populações-alvo do gestor da
assistência social: crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiências,
pessoas em situação de vulnerabilidade/fragilidade social e econômica,
população em situação de rua etc. (SCHAEDLER, 2005).
5.4 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em nível federal em
1991, enfrentando muita resistência de diversas categorias profissionais,
sobretudo dos médicos ligados a empresas de medicina de grupo e a instituições
hospitalares privadas, que viam com receio o novo modelo que começava a ser
construído. Mas os ideólogos do SUS tinham elementos para vê-lo como fim da
sangria dos recursos públicos destinados a estados e municípios, bem como às
chamadas entidades filantrópicas, como mecanismo capaz de interromper a
superposição de serviços e programas de assistência em saúde por todo o país,
além da fragmentação até então existente, em decorrência da falta de vasos
comunicantes entre as diferentes esferas de governo e as inúmeras instituições
médicas, caracterizadas pelo modelo curativo em detrimento do modelo
preventivo, preconizado pelo SUS. (BECKER, 2001).
Além da dificuldade de desmontar a hiperestrutura do
Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS),
presente em todo o país ao longo do apogeu e decadência da ditadura (mais
precisamente entre 1967 e 1989, um ano depois do encerramento dos trabalhos da
Assembleia Constituinte, isto é, da promulgação da Constituição Cidadã),
representava um enorme desafio a transferência de todos os serviços de
assistência e prevenção à saúde existentes então para estados e municípios –
mesmo porque o Fundo de Saúde ainda estava por ser implantado em nível
nacional, não havendo mecanismo transparente e com o devido controle social,
por meio dos conselhos de saúde, quer fossem estaduais ou municipais. (BECKER,
2001).
Foi durante o curto mandato do presidente Itamar Franco, o
vice-presidente que assumiu com o impeachment de Collor (entre 1992 e 1994),
que o então ministro Jamil Haddad, da Saúde, iniciou de fato a descentralização
efetiva da gestão da saúde, inicialmente para os estados e Distrito Federal, o
que permitiu aos municípios que se estruturassem para assumir a gestão local do
SUS. Como a LOS estabelecia que, para que fossem feitos os repasses
fundo-a-fundo era condição indispensável a existência de conselho, plano e
fundo, muitos estados pressionavam o governo federal por meio das bancadas de
deputados e senadores exigindo a demissão do ministro, por extrapolar suas
prerrogativas de gestor da saúde. (BECKER, 2001).
Mais tarde, com a posse de José Serra como ministro da Saúde,
durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, é que os
municípios começaram a efetivar a rede nacional e dar resolutividade ao SUS,
com a devida hierarquização – havia municípios habilitados apenas à atenção
básica com gestão semiplena, outros com prestação de serviços de média e até
alta complexidade e gestão plena, de acordo com a estruturação do SUS em nível
local. (BECKER, 2001).
Nesse meio tempo, por meio de decretos e portarias,
instituiu-se o SUS, com a sanção das Normas Operacionais Básicas sobre
Assistência Médica do Sistema Único de Saúde (NOB/SUS), de 1998, e depois das Normas
Operacionais Básicas sobre Recursos Humanos do Sistema Único de Saúde
(NOB/RH/SUS), de 2002, havendo nesse ínterim um simbólico fato político: a
aprovação, por iniciativa das mesas do Senado e da Câmara de Deputados, da
Emenda Constitucional nº. 29 (já citada nesta seção), que assegurou meio de
financiamento para a estruturação do modelo inovador. (BECKER, 2001).
Ressalte-se que o SUS só ganhou credibilidade depois da
adoção do Programa Saúde da Família (PSF), inspirado no modelo cubano de
atenção em saúde, cuja característica é o modelo preventivo por meio dos
médicos de família, em visita domiciliar. Obviamente, o seu começo foi bastante
polêmico junto à categoria dos médicos, pois estes criam tratar-se de uma
socialização da medicina brasileira. Mais tarde, ao ser implantado em quase a
totalidade dos municípios brasileiros, é que a polêmica teve fim, pois ficara
evidente que o programa não ameaçava a medicina privada já consolidade,
sobretudo o modelo curativo hospitalar, cujo lobby é forte em nível federal,
mesmo porque a bancada médica é a segunda bancada no parlamento federal (Câmara
e Senado). (BECKER, 2001).
Inicialmente como programa, depois chamado de Estratégia
Saúde da Família (ESF), é no governo Lula que se consolidou como serviço
absorvido pelo SUS, tendo sido constituídas equipes interdisciplinares e
mutlidisciplinares definidas territorialmente (com limite de 100 famílias,
dependendo das condições de acesso da localidade ou características do
município), sob coordenação de uma enfermeira com formação universitária, e não
mais o médico, além da participação de psicólogo, assistente social e dentista
por equipe, a critério de cada município.
5.5 O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foi previsto em
1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei Federal nº.
8.742/1993) – e formalmente deliberano na IV Conferência Nacional de
Assistência Social, tendo sido implantado em 2005 por meio das Normas
Operacionais Básicas do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS 2005)
como mecanismo para transpor a fragmentação que então marcava programas,
serviços e ações socioassistenciais. (SILVA, 2008).
O SUAS consolidou finalmente as políticas públicas da área e
transformou efetiva e definitivamente a assistência social como direito
consagrado. Foi inspirado na rede de saúde que já completou vinte anos (o SUS),
e nestes pouco mais de cinco anos de efetiva implantação habilitou quase 99,7%
dos municípios brasileiros em baixa, média e alta complexidade, além de ter
construído uma rede de proteção social básica – os Centros de Referência em
Assistência Social (CRAS) –, e outra rede de proteção social especializada, de
média e de alta complexidade – os Centros de Referência Especializada em
Assistência Social (CREAS) –, conforme a característica de cada município, e
sempre em consonância com a sua realidade específica. (SILVA, 2008).
O CRAS, equivalente na assistência social às Unidades Básicas
de Saúde da Família (os populares postos de saúde) do SUS, conta com uma área
territorial definida com um determinado número de famílias cadastradas, as
quais são o público-alvo dos serviços, programas e ações dessa rede de proteção
básica. Atualmente, o CRAS tem vários serviços socioassistenciais
disponibilizados para a população, tais como cursos de qualificação profissional,
rodas de conversa sobre temas de interesse e cidadania, além de atividades de
acompanhamento e reforço escolar aos beneficiários de programas como o
Bolsa-Família. (SILVA, 2008).
Embora sem a necessária interface com o SUS – que desde 2011
vem disponibilizando em âmbito nacional a Rede Cegonha, conforme exposto na
seção anterior –, os CRASs do município de Corumbá (MS) têm um ainda incipiente
projeto de atendimento socioassistencial de gestantes das famílias cadastradas,
que precisa ser implementado em consonância com o SUS, de modo a dar maior
resolutividade ao serviço e assegurar qualidade de vida às mulheres grávidas e
os recém-nascidos.
Por seu turno, o CREAS, vinculado ao SUAS, constitui-se,
nesse contexto, como uma unidade pública estatal de referência, “responsável
por serviços especializados de apoio, orientação e acompanhamento a indivíduos
e famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de
direitos”. (TONON & AGLIO, 2009, p.6).
De forma esquemática, Tonon & Aglio (2009, p.6) sintetiza
os objetivos do CREAS:
a)
o fortalecimento de redes sociais de atendimento e apoio à família e a
indivíduos; b) o combate a preconceitos e estigmas; c) assegurar a proteção
social imediata e atendimento interdisciplinar, visando a integridade física,
social e mental; d) prevenir o abandono e a institucionalização; e) fortalecer
os vínculos familiares, as relações afetivas e a proteção entre os membros da
família com atendimento voltado para crianças, adolescentes, mulheres, idosos,
jovens, pessoas com deficiência, e suas famílias, em situação de ameaça e violação de seus
direitos, a partir de situações como, violência física, psicológica ou sexual,
abandono, situação de rua, trabalho infantil e outras formas de violações que
provocam danos e agravos a sua condição de vida e os impedem de usufruir de
autonomia, liberdade e bem-estar. (TONON & AGLIO, 2009, p.6).
O CREAS dispõe, para a execução de suas metas, de uma equipe
multiprofissional no atendimento ao indivíduo e sua família nos seus mais
diferentes aspectos. Além disso, conta com uma articulação relevante com o
Poder Judiciário, a Defensoria Pública, o Ministério Público, os Conselhos
Tutelares e demais políticas públicas e serviços socioassistenciais, para
estruturar uma rede efetiva de proteção social. (TONON
& AGLIO, 2009, p.6).
Na área de atuação do CREAS, há o serviço de orientação e
apoio especializado a indivíduos e famílias vítimas de violência, que visa o
atendimento psicossocial na proteção imediata à vítima e á sua família, com um
atendimento técnico, prevenindo a continuidade da violação de direitos; o
serviço de orientação e acompanhamento a adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade,
sendo este um acompanhamento, que deve estar pautado na condição de
desenvolvimento que se encontra estes adolescentes, assim como está previsto na
Política Nacional de Assistência Social (PNAS), e o serviço de enfretamento à
violência, ao abuso e à exploração sexual contra crianças e adolescentes, que
busca por assegurar a proteção imediata e atendimento psicossocial às crianças
e aos adolescentes vítimas de violência (física, psicológica, negligência
grave), abuso ou exploração sexual comercial, bem como a seus familiares.
(TONON & AGLIO, 2009, p.6-7).
O CREAS se revelou de nítida relevância na prestação de
serviços a esses públicos, contudo necessário se faz uma mobilização por parte
do Estado, da família e da sociedade, de modo que os direitos desses cidadãos
sejam garantidos e seja possível a ruptura dos fatores que realimentam as
situações que avltam expressivos setores da população. (TONON & AGLIO,
2009, p.7).
6 O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL NA GARANTIA DE QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE À
GESTANTE
Regulamentada pela Lei Federal nº. 8.662/1993, a profissão de
assistente social tem seu exercício profissional regido por Código de Ética constante
de Resolução do Conselho Federal de Serviço Social e dispõe de papel
estratégico no campo das políticas sociais com o compromisso de defesa e garantia
dos direitos sociais da população. (SCHAEDLER, 2005).
Tendo como estratégia o fortalecimento do Estado Democrático
de Direito, fundamenta-se em legislação federal que protege e assegura os
direitos sociais do cidadão, entre elas: Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS);
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); Lei Orgânica de Saúde (LOS); Estatuto
do Idoso; Legislação Previdenciária; Política e Serviços Especiais de Prevenção
e Atendimento Médico e Psicossocial às Vítimas de Negligências e Maus Tratos,
Exploração e Abuso, Crueldade e Opressão; Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Doenças Especiais; Política Sobre a Proteção e os Direitos das
Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais, e a legislação sobre a participação da
comunidade na gestão SUS. (SCHAEDLER, 2005).
Afora da garantia dos direitos sociais à população, o
assistente social tem como atribuições planejar, assessorar, executar, avaliar
programas e projetos em políticas públicas de saúde, e nortear inclusive suas
ações na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que tem como função a
inserção, prevenção e promoção dos assistidos enquanto cidadãos detentores de
direito. Suas atividades estão concentradas prioritariamente nestes campos de
atuação: ações em caráter emergencial, atendimento especializado, planejamento
e assessoramento, promoção em saúde. (SCHAEDLER, 2005).
O exercício do profissional de Serviço Social, no dizer de
Sposati apud Schaedler (2005), está
também inserido em uma realidade de permanentes desafios, como a exclusão
social, o desemprego, a violência, as situações de risco social etc. Para tanto,
o assistente social no dia-a-dia de sua lide precisa interpretar e compreender
a realidade social, promovendo a inserção do usuário/beneficiário como cidadão
nas políticas públicas sociais conquistadas nas últimas décadas.
Isso, aliás, tem posto o
Serviço Social no conjunto das profissões de vanguarda, em razão da competência
e relevância dessa intervenção qualificada, configurando um espaço na
divisão sociotécnica do trabalho, que tem angariado confiança. Em varios
desafios atuais, como os projetos de renda mínima, Fome Zero e ;Brasil sem
Miséria, Rede Cegonha e a complexa implantação do SUAS, os assistentes sociais
têm prestado assessoria e contribuído afirmativamente para consolidar o Estado
Democrático de Direito e assim demarcar a identidade dos profissionais do
Serviço Social. (SILVA, 2008).
Nesse contexto, com base no estabelecido pela lei que regulamenta a
profissão de assistente social (Lei Federal nº. 8.662/1993),
destaca-se o Inciso II do Artigo 4º:
Art.
4 - Constituem competência do Assistente Social:
[...]
II
- elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que
sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade
civil.
[...]
BRASIL (1993)
Assim, apresentam-se novas possibilidades no mercado de trabalho para o
profissional, ainda que não suficientemente compreendido, sobretudo por grande
parcela da sociedade, por não entender a importância da atuação do Serviço
Social na nova realidade, decorrente das transformações institucionais pós-1988.
(SILVA, 2008).
Diante disso, Iamamoto (2001, p.20) recomenda que o
assistente social seja “um profissional propositivo e não só executivo”, eis
que um dos maiores desafios da atualidade é “desenvolver a
capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas
e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes do
cotidiano”.
Em termos práticos, citando Schaedler (2005) acerca de seu projeto de
intervenção em Unidade Básica de Saúde, é necessário que o assistente social se
aproprie desta atuação propositiva, e não meramente executiva:
[...] fazer com que a população venha a entender as
funções/atribuições da Assistente Social no contexto específico da Unidade
Básica de Saúde. Sensibilizar os usuários sobre os seus direitos e Programas
Sociais fazendo com que o mesmo venha a depender menos do assistencialismo.
Atender as demandas sócio-assistenciais dos usuários, favorecer ao usuário
condições de exercer maior controle sobre seu processo de tratamento e
convivência com a enfermidade; Criar projetos voltados para a: Saúde da Mulher,
Materno Infantil, Saúde da Criança/ adolescente e Saúde do Idoso. / [...]
primeiramente será necessário esclarecer a população usuária sobre o trabalho
desenvolvido pela Assistente Social, para isso será elaborado um pôster
explicando o trabalho a ser desenvolvido, onde constarão as ações da Assistente
Social: - Atendimentos Individuais; - Visita domiciliar; - Educação e Prevenção
a Saúde; - Encaminhamentos para: Aposentadoria, Benefício de Prestação
Continuada (BPC), Passe Livre, Documentação, S.O. S – Família, Protocolo de
Medicamentos Especiais – Farmácia Básica, Protocolo de Exames Complementares,
Programa do Leite, Bolsa Família, Encaminhamentos para Programas/Projetos e
demais encaminhamentos que a população necessitar e for de responsabilidade da
Assistente Social.
(SCHAEDLER, 2005, p.3)
Uma postura proativa, inovadora e constantemente
criativa, seja na Unidade Básica de Saúde da Família do Sistema Único de Saúde
(SUS) ou no Centro de Referência de Assistência Social do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), cujos resultados fazem a diferença:
Por meio do trabalho
desenvolvido com os usuários, busca-se contribuir no conhecimento e esclarecimento
em relação ao trabalho da Assistente Social, desmistificando que o trabalho da
Assistente Social é voluntário, exercido de forma gratuita, mas mostrar que a Assistente
Social é uma profissional que exerce seu trabalho de forma remunerada, nas organizações
públicas e privadas com competência e atribuições específicas para a atuação em
diferentes áreas. Esclarecer que a Assistente social não é uma moça boazinha
que ajuda as pessoas, e sim que é uma profissional que atua na realidade social
através do atendimento de inúmeras demandas, elaboração de pesquisas/projetos e
construção de propostas que visam o atendimento as necessidades sociais da
população, nas áreas de assistência social, saúde, educação, habitação como um
direito do cidadão. / Mostrar que o Serviço Social não trabalha somente com os
pobres, ou seja, que o trabalho não se restringe à pobreza, entretanto a
realidade social e econômica do Brasil faz com que o trabalho do Serviço Social
seja, em grande parte, com a população mais excluída da sociedade. (SCHAEDLER,
2005, p.3)
Consequentemente, além do reconhecimento, respeito
e visibilidade conquistados pelo assistente social, não mais visto como um
profissional subalterno ou sem qualquer importância pelos usuários, pelos
colegas de outras categorias, pelos gestores de políticas públicas e sobretudo pelo
público em geral, a efetividade alcançada no ambiente de trabalho ganha nova
percepção, cuja relação direta com a iniciativa do profissional de Serviço
Social é explícita, como Schaedler (2005, p.4) assevera, de modo exemplar e
didático, em sua experiência relatada a seguir:
Assim considera-se que
o objetivo vem sendo alcançado quando se percebe as mudanças que ocorrem em
relação a uma nova visão que o usuário tem em relação à forma de ver o trabalho
da Assistente Social, e com isso uma nova maneira de se ver como um cidadão de
direitos quando em busca de um atendimento e não como um favor ou benesse. Além
das mudanças relacionadas à auto-estima, convívio familiar/social, higiene,
educação dos filhos, saúde, e a participação nos projetos e programas
desenvolvidos, pela Assistente Social e demais profissionais: Programa Hiperdia:
Desenvolvido na UBS-Faculdade por toda equipe técnica e demais profissionais da
comunidade, destinados às pessoas hipertensas e diabéticas. Atende em média 420
pacientes ao mês, sendo 7 grupos, distribuídos da seguinte forma: 5 grupos de
hipertensos e 2 de diabéticos, aproximadamente 60 pacientes participando de cada
grupo onde todas as quintas-feiras ocorrem às reuniões, período
matutino/vespertino. Procedimento: Palestras, trabalhos em grupos, dinâmicas,
procedimentos da enfermagem. (SCHAEDLER, 2005, p.4)
Com ênfase para a gestante, na experiência narrada
por Schaedler (2005, p.4-5), observa-se a realização de diversas atividades de
acolhimento às futuras mães, aos recém-nascidos e bebês maiores, envolvendo
outros profissionais além dos assistentes sociais, de modo multiprofissional e
interdisciplinar:
Programa de
Atendimento As Gestantes: Está sendo desenvolvida na UBS-Faculdade todas as
segundas-feiras, no período matutino, antes das gestantes passarem por
consulta, pois este dia é destinado para atendimento as gestantes pelo ginecologista
da UBS. Os estagiários de fisioterapia realizam a palestra enquanto as gestantes
aguardavam o atendimento médico. É utilizado de recursos como demonstrações de
posições para a amamentação com bonecos e também realização de exercícios pelos
acadêmicos e gestantes. [...] Projeto: Construindo O Futuro; coordenado pela
Assistente Social, e colaboradoras (Enfermeira e Agentes comunitárias)
destinado às 39 crianças cadastradas no VAN - Vigilância Alimentar Nutricional,
e suas respectivas mães. Para as Mães: Palestras, debates, elaboração de textos
e cartazes, vivencias e dinâmicas de grupo, exercícios de alongamentos, e
demais atividades que venham de encontro às necessidades do projeto. Para as
Crianças: Conta com a Brinquedoteca que é um esforço no sentido de salvaguardar
a infância, nutrindo-a com elementos indispensáveis ao crescimento saudável da
alma e da inteligência da criança. Não representa apenas oportunidade de acesso
a brinquedos. Mais que isso, expressa uma filosofia de educação voltada para o
respeito ao "eu" da criança e às potencialidades que precisam de
espaço para se manifestar. (SCHAEDLER, 2005, p.4-5)
Com base nessa postura engajada, propõe-se tal
campo de atuação como apresentado para essa realidade, por vezes não aproveitada
para transformar em espaço de trabalho profissional a construção de novas
ideias e novas propostas de melhorias, isto é, uma novo posicionamento diante das
mudanças e demandas decorrentes do refluxo de uma sociedade capitalista em que a
qualidade de vida e a saúde da gestante costumam ser relativiizadas, como algo
secundário.
Desse modo, o papel do assistente social nesse universo
de atuação é novo, ainda que as questões sociais sejam históricas. É de
responsabilidade do profissional de Serviço Social o bem-estar no meio social,
mediante projetos e programas de origem pública ou privada, de modo a promover
ações para melhorar as condições de vida da população em situação de risco/fragilidade/vulnerabilidade
socioeconômica, atuando na integração do indivíduo ou de segmentos sociais no
conjunto da sociedade e no acesso ao Estado de Direito, no intuito de
transformar a realidade social para diminuir as diferenças socioeconômicas
mediante a elaboração e execução de projetos que visem proporcionar melhorias
em saúde, educação, saneamento, alimentação, habitação, garantindo direitos
sociais inerentes a toda a população. (SILVA, 2008).
É consensual entre os profissionais da área social a
compreensão de que, para efetivar o acesso a direitos, a informação,
mobilização e participação do público-alvo são fundamentais nesse processo, com
base na premissa de que a participação dos beneficiários promove uma melhor
adequação das intervenções às necessidades e demandas dos grupos sociais
envolvidos, apresentando-se como contribuição significativa para a sustentabilidade
da iniciativa. (SILVA, 2008).
Mediante revisão bibliográfica, procedeu-se uma
análise interventiva, obedecendo a critérios técnicos, em que alguns
profissionais de Serviço Social foram determinantes. Como asseverou Iamamoto
(2001, p.428), a respeito da atuação do assistente social na intermediação da
população usuária e o acesso aos serviços sociais, em que ele se coloca na
“linha de intersecção das esferas públicas e privadas, como um dos agentes pelo
qual o Estado intervém no espaço doméstico dos conflitos, presentes no
cotidiano das relações sociais”.
Por
conta disso, o profissional de Serviço Social, no contexto do acesso aos
direitos de cidadania, informação e conscientização, tem sua relevância
reconhecida. Tal apropriação de direitos proporcionou a necessidade de
enfatizar o papel do assistente social e seu foco da política/programa com que
fundamenta sua postura teórico-ética. Contudo, ressalte-se que o espaço/campo
de atuação é novo, daí a urgência do acesso de todos ao conhecimento, o entendimento
e também à informação sobre o trabalho realizado que conduz aos beneficiários/usuários
conteúdos como base acadêmica.
Enfim, o aporte da presente pesquisa consiste em ressaltar a
contribuição para o espaço científico do Serviço Social e, inclusive, a
importância do assistente social no desempenho do trabalho na efetivação do
acesso a direitos e sobretudo da garantia de qualidade de vida da gestante e do
recém-nascido, papel este a ser desempenhado por meio de intervenções
norteadoras e um proceder metodológico e ético-político circunscrito no teor do
exercício da profissão, como também as evidências de um trabalho consolidado
junto à comunidade, articulando multidisciplinaridade e intersetorialidade a
fim de otimizar os esforços para mudar os indicadores atuais que refletem a dura
realidade da mulher grávida, do neonato e da família brasileira em sua quase
totalidade.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em se tratando de qualidade de vida no contexto da gravidez,
o papel do assistente social não se limita ao atendimento da gestante, mas ao
acesso e garantia de seus direitos, sejam eles no âmbito da saúde, do trabalho
ou da sociedade. Aliás, o exercício do profissional de Serviço Social é
fundamental e estratégico para assegurar os direitos individuais, coletivos e difusos,
conquistados com muita luta nas últimas décadas pela mulher brasileira: além da
difusão, do esclarecimento e da persuasão, o encaminhamento feito pelo
trabalhador social é determinante para empoderar a mulher como cidadã na atualidade.
Com a globalização, em pleno século XXI, mulheres e homens das
comunidades excluídas, em situação de vulnerabilidade/fragilidade social,
passam pelo inevitável processo de descaracterização, pela perda da identidade,
o que torna o indivíduo ainda mais suscetível à massificação – ou coisificação
– do ser humano, e compete ao assistente social desenvolver um conjunto de
iniciativas inerentes à sua formação ético-profissional com o propósito de
acolher, diagnosticar, acessar, assegurar, encaminhar e emancipar os usuários,
sejam eles do Sistema Único de Único de Saúde (SUS), do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) ou do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) da
mulher, da criança e do ser humano como um todo, para resgatar a sua cidadania.
Em resposta às sucessivas experiências neoliberais que
tiveram o explícito propósito de reduzir as dimensões do Estado, sobretudo na
área da seguridade social (previdência, saúde e assistência social), o
profissional de Serviço Social, ante a iminente fragilização do tecido social e
da expansão das mazelas com o aprofundamento das desigualdades sociais por
conta da concentração das riquezas em nível local, regional e mundial, tomou
consciência de seu compromisso ético-político e foi além de sua postura
meramente “executiva”, nas palavras de Iamamoto, para assumir um perfil
“propositivo, proativo”, cuja ação vai além do caráter eminentemente técnico
para o exercício pleno da cidadania, sua e do ser humano destinatário de sua atuação
profissional.
Como profissional e cidadão consciente do papel que a sociedade
em suas contradições lhe imputou, o assistente social na contemporaneidade deve
enxergar diante de si o humano cuja dignidade precisa ser preservada ou
resgatada com seu trabalho efetivo, engajado, sem a preocupação de agradar ou
desagradar seus superiores hierárquicos, mas com sincero compromisso com o seu
Código de Ética Profissional, uma das ferramentas que balizam seu trabalho,
tendo ainda clareza de que sua atividade profissional é realizada em equipe,
sempre numa linha multidisciplinar e intersetorial, em que a noção de
interdependência é imprescinível.
Nesse sentido, em consonância com a formação
ético-profissional e a dinâmica das conquistas cidadãs da categoria, no viés
das transformações feitas nos últimos anos e as políticas públicas adotadas em
nível nacional nas últimas décadas, o assistente social precisa ter clareza da
postura decorrente do novo contexto social alcançado, no particular da saúde e da
assistência social, em que o SUS e o SUAS ganharam autonomia e visibilidade,
cuja interface se efetiva em situações como, por exemplo, o atendimento à gestante,
ao recém-nascido, à criança, à mulher, à família e ao idoso.
Isso permite, como contribuição desta pesquisa, disponibilizar
aos gestores da saúde e da assistência social a proposta da notável experiência
narrada por Schaedler em unidade básica de saúde da família, em que assistentes
sociais se integraram a enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas,
psicólogos, terapeutas ocupacionais e médicos e de modo multiprofissional e
interdisciplinar executaram vários projetos para atender gestantes,
recém-nascidos, mulheres, crianças, idosos e tantos outros usuários do SUS e do
SUAS, dando visibilidade e reconhecimento ao profissional de Serviço Social,
responsáveis pela iniciativa citada.
Em conclusão, não basta ser bom técnico, conhecedor da
minúcias da profissão; é preciso ser cidadão para ser ótimo assistente social, cuja
razão de ser são o ser humano e a dignidade inerente à condição de cidadão do
século XXI, em que o tecido social aviltado pelas desigualdades sociais deve
ser corajosamente enfrentado no dia-a-dia, com a altivez que a ciência
conferiu, mas a humildade que a vida emprestou.
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